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sexta-feira, 24 de junho de 2022

Sem meritocracia: sem democracia... - Adriano Marreiros

 Nada supera o talento. (Antiga propaganda   da Escola Superior  de Propaganda e Marketing

Estou assistindo “Entre Lobos” do Brasil Paralelo.  Fantástico (de verdade, não como aquele que é só no nome), recomendo, mas esse não é o assunto de hoje.  Algo que eu soube há pouco merece uma crônica imediata.   Incrível o que fizeram com meu amigo.  Preciso falar: não conseguiria dormir sem expressar essa revolta de alguma forma.

Você já viu a Capela Sistina?  Imagina o seguinte, se em lugar de escolher o melhor de todos (aquele que chegam a chamar de “O Divino”), em vez de considerar as habilidades do artista, a excelência de seu trabalho, Julio II pensasse: tem florentino demais na arte, isso é opressivo.  Precisamos escolher alguém que não seja da Toscana e nem tenha estudado lá. 

E você torce pra que time? Imagina que você é o técnico desse time do coração.  Você vai barrar o artilheiro do campeonato pra dar chance a outros, só porque até então ainda não tinham sido escalados?

Curte Rock and Roll?  Puxando a brasa pra minha sardinha – sou baterista você acha que Led Zeppelin, Rush e The Who seriam o que foram se tivessem dispensado Bonham, Peart e Moon?

Talento, força de vontade e obstinação não são privilégio deste ou daquele grupo.  
Na arte, no esporte e na música, por exemplo, encontramos profissionais e destaques de todas as origens.  
Fui Oficial do Exército e vi indicados para engajamento, curso de Cabo e Sargento Temporário de todas as origens.  
Nas Agulhas Negras, tive colegas que recebiam aquele soldo baixinho e mandavam quase tudo para ajudar os pais.  
Sei que na ESA também era assim.  Quem passou por lá, quem conhece o povo brasileiro de perto, conhece esses casos.  Tinham entrado por concurso competindo com gente que fizera cursinhos caros.

Vilanizar o mérito nada resolve.  Significa deixar de investir em aperfeiçoar quem não tem certas oportunidades e tentar criar dependência, fingindo resolver.  Meu amigo Bernardo, esta semana, criticou  duramente uma baboseira que não tinha mérito para ser matéria de jornal, mas estava ali: “Por que chegar em último lugar em competições esportivas faz bem para o corpo e a mente”, assim mesmo, sem pontuação ao final: mais demérito ainda... 

Ah, chega!!!  Nem escrever bem eu consigo hoje diante da injustiça que fizeram com outro amigo, aquele lá do início.  
Esta crônica está tão ruim que vou parar pra não parecer que o Tribuna Diária escolhe seus colunistas por critérios não meritocráticos.
Estou aparvalhado, deprimido, chocado, sem esperança no futuro porque sei que vai piorar.  E sem meritocracia, que critérios usarão?  
E esses critérios valerão pra todos os que os atendem ou só pra quem segue a ideologia?  
Pros que protestarem: o artigo 58 do código penal stalinista, aplicado por analogia?  E a Democracia?  Ah, vão por nos nomes das coisas, tipo a República “Democrática” Alemã...

Lamento, amigo!  A única coisa que me consola é que eles não tinham mérito pra ter você!  

Do  Led Zepellin, só têm o chumbo, e não decolam.

Do  Rush, somente a pressa em afastar a meritocracia.

The Who: apenas como pergunta, porque... são quem mesmo???

“um dos projetos mais ambiciosos da esquerda é destruir tudo que se relacione ao mérito, à individualidade e à individuação do ser humano.  O destaque pessoal é corrompido e transformado em opressão e humilhação”. (Bernardo Guimarães Ribeiro comentando a tal “matéria jornalística”)

P.S.  Agora o livro 2020 D.C. Esquerdistas Culposos e outras assombrações tem uma trilha sonora com canções e músicas de filmes citados.

Adriano Marreiros


domingo, 28 de novembro de 2021

O sucesso da venda de casas em vilarejos da Itália a apenas 1 euro

O mundo se espantou com a notícia. Deu tão certo que agora faltam imóveis

 

Lembra daquela história de casas antigas e sem conservação à venda em vilarejos europeus pela bagatela de 1 euro, e que parecia boa demais para ser verdade? Pois bem, os programas lançados há algum tempo começam agora a trazer resultados, e eles são surpreendentes. Os compradores não apenas se comprometeram a reforçar os espaços — eles, de fato, fizeram isso. Casarões degradados tornaram-­se reluzentes imóveis, vilas que pareciam esquecidas no tempo recuperaram o frescor do passado. O projeto vingou, e isso é ótima notícia para as inúmeras cidades que o apoiaram.

O programa nasceu em 2008, quando Vittorio Sgarbi, ex-crítico de arte e então prefeito da cidade de Salemi, na Sicília, teve a ideia de cobrar 1 euro por moradia do centro histórico. Em troca, o comprador assumia o compromisso de restaurar o imóvel. Assim, ele conseguiria poupar recursos públicos que teriam de ser investidos na preservação da área, valor fora do orçamento municipal, e, ao mesmo tempo, atrairia um novo fluxo de pessoas para a região. Desde então, a proposta ganhou força e foi adotada em ao menos outras 33 regiões da Itália. Como não se trata de uma iniciativa federal, o número exato pode ser ainda maior.


 SAMBUCA DI SICILIA (Itália) - A cidade é uma das que aderiram ao projeto que tem atraído principalmente estrangeiros interessados em investir na revitalização em troca de uma moradia em um cenário romântico e e repleto de tradição - Alamy/Fotoarena; Easter Weiss/.

O empresário Douglas Roque, de 50 anos, foi um dos brasileiros atraídos pela promessa de moradia barata na Europa. Ele começou com um imóvel na cidade medieval de Fabbri­che di Vergemoli, na Toscana. Contou a amigos e familiares o que planejava e acabou reunindo um grupo de dezessete pessoas, que, juntas, compraram o primeiro condomínio de casas de 1 euro da Itália. Empolgado com as perspectivas, Roque investiu também em um moinho e em outro imóvel na região. A negociação, no entanto, envolve muita papelada. “O processo de compra é complexo e exige um estudo profundo sobre a trajetória da casa”, disse a VEJA. “A prefeitura não nos deu muitos documentos dos donos antigos".


 

É preciso levar em conta, evidentemente, o valor da reforma. Algumas das moradias ofertadas precisam de poucos reparos antes de abrigarem os novos donos. Outras, porém, não passam de ruínas, sem teto, repletas de animais e plantas mortas, com paredes tortas. Roque, por exemplo, gastou cerca de 8 000 euros com a sua casa — e as obras no condomínio começarão apenas em fevereiro de 2022. Mesmo assim, o investimento compensa. É difícil encontrar uma casa na região por menos de 40 000 euros, e alguns imóveis mais antigos em bom estado passam de 130 000 euros.

A grande quantidade de casas abandonadas na Itália rural se deve ao desenvolvimento das grandes cidades, que levou ao empobrecimento do campo. “No pós-guerra, o número de agricultores italianos caiu de cerca de 50% para menos de 7%”, diz Maurizio Berti, arquiteto especialista em revitalização da ONG Restoration Works. “Esses vilarejos desconhecidos têm uma herança riquíssima de valores, conhecimentos, tradições e beleza natural, além da excelente qualidade de vida.”

Foi essa combinação que atraiu a atenção da brasileira Rubia Andrade. Ela, que mora nos Estados Unidos, estava voltando de uma viagem em dezembro de 2018 quando leu uma reportagem sobre as casas à venda por 1 euro. Após a descrença inicial, ela começou a pesquisar mais sobre o projeto e, pouco depois, tornou-se proprietária de três imóveis na vila de Mussomeli, na Sicília. “Receber uma casa praticamente de graça em um lugar excelente, sem crime e com comida, vinho e pessoas ótimas é incrível”, afirma Rubia, que já gastou cerca de 12 000 euros na reforma. “Não há lugar melhor no mundo para mim.”

Embora tenha atrasado alguns dos projetos de revitalização, a pandemia mostrou a viabilidade do trabalho remoto e deve acelerar a busca pelas casas de 1 euro. Em algumas províncias italianas, as iniciativas foram suspensas por falta de imóveis. Por causa do sucesso desses projetos, o primeiro-mi­nistro Mario Draghi já anunciou um plano de recuperação de aproximadamente 2,3 bilhões de euros para a reforma de pequenos centros históricos espalhados pelo país, além de vilas rurais, sítios, parques e jardins.

Motivada pela experiência italiana, a inspiração cruzou as fronteiras. Croácia, França e Espanha conceberam programas semelhantes. Na Croá­cia, uma vila está vendendo casas por 16 centavos de dólar sob a condição de que o comprador viva na região por pelo menos quinze anos. “O principal resultado desses programas é a recuperação da riqueza cultural das áreas envolvidas”, afirma Berti. “Com eles, vilas que sofreram com o despovoamento e a degradação são trazidas de volta à vida.” De fato, o valor de iniciativas como essas é inestimável.

 Publicado em VEJA, edição nº, 2766 de 1 de dezembro de 2021

 Mundo - VEJA


domingo, 29 de setembro de 2019

As leis de Beccaria - Nas entrelinhas

Estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato


O milanês Cesare Beccaria, marquês de Beccaria, é considerado o pai do moderno direito penal. Educado por jesuítas, estudou literatura e matemática em Paris, em meados do século XVIII, e sofreu a influência dos pensadores enciclopedistas, principalmente Voltaire, Rosseau e Montesquieu. De volta a Paris, fundou uma sociedade literária de caráter iluminista e passou a escrever para o jornal Il Café, que circulou nos anos de 1764 e 1765. Na época, vigorava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, o que levava a aplicação de punições com consequências piores do que os males produzidos: torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, na maioria das vezes, com base em acusações secretas.

Beccaria se insurgiu contra isso e escreveu uma obra seminal, que todo estudante de Direito conhece: Dei Delliti e dele Pene (Dos delitos e das penas), fruto de suas discussões com os amigos, entre os quais os irmãos Pietro e Alessandro Verri. Para evitar perseguições, o livro foi impresso em Livorno, em 1764, anonimamente, com o cuidado de usar expressões vagas e imprecisas sobre assuntos que contrariavam magistrados e clérigos.

O tratado Dos Delitos e das Penas invoca a razão e o sentimento. Até os dias de hoje, é um libelo contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios. Separou a justiça divina e a justiça humana, os pecados e os delitos, condenou o direito de vingança e tomou por base a utilidade social para estabelecer o direito de punir. Classificou como inútil a pena de morte, assim como defendeu a separação do poder judiciário e do poder legislativo.

Aclamado em Paris, sobretudo pelos filósofos franceses, Beccaria foi acusado de heresia e sofreu forte perseguição em Milão. Entretanto, sua influência se espalhou pela Europa. A imperatriz Maria Teresa da Áustria, aboliu a tortura em 1776. Voltaire classificou seu livro como um verdadeiro código de humanidade. Catarina II ordenou a inclusão dos conceitos do livro no Código Criminal Russo de 1776. Em 1786, Leopoldo de Toscana adotou as reformas defendidas por Beccaria. Na Prússia, Frederico, o Grande, abraçou muitos de seus princípios.

O julgamento
No momento, estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, cujos métodos heterodoxos de atuação foram desnudados na troca de mensagens entre eles e o ex-juiz federal Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e pela espantosa entrevista do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot à revista Veja e ao jornal Estadão, nas quais revelou que planejou matar o ministro do STF Gilmar Mendes. É uma crise sem precedentes, na qual a opinião pública a favor da Operação Lava-Jato se insurge contra decisões do Supremo amparadas pelo amplo direito de defesa, mas que não eliminam a materialidade dos crimes praticados pelos condenados.


Entre as questões mais polêmicas, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, que pede anulação de sua condenação porque sua defesa não pôde fazer as alegações finais depois das dos réus que fizeram delação premiada. O Supremo interrompeu o julgamento quando estava 6 a 3 a favor do habeas corpus, mas ainda não votaram o presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Marco Aurélio.

O julgamento será retomado na quarta-feira, sob forte tensão, porque é preciso definir o alcance da decisão, que pode anular um total de até 32 sentenças, beneficiando 134 réus. Toffoli anunciou que votará a favor do habeas corpus, mas pretende modular o alcance da decisão. É nesse contexto que os princípios de Beccaria nos ajudam a compreender o que está acontecendo. Na essência, quatro são atualíssimos:
1. Inevitabilidade da punição: objetivo de convencer o ofensor em potencial que a punição sempre seguiria um ato criminal, sendo assim, um impeditivo. O perdão aos crimes equivale ao estímulo da impunidade.
2. Consistência: garante que um mesmo crime sempre será seguido por punição de mesma natureza e gravidade. Vetava, portanto, a arbitrariedade dos juízes.
3. Proporcionalidade: a gravidade das punições deveria refletir a gravidade da própria ofensa e dano causados. Assim, a medida do crime está no prejuízo causado à sociedade: todas as penas que ultrapassem a necessidade de proteger o vínculo social são injustas por natureza.
4. Celeridade: a rapidez da punição é essencial frente ao intuito de impedimento a que a própria punição se propunha a realizar. O legislador deveria fixar um prazo razoável para a defesa e a produção de provas sem prejudicar o esclarecimento do delito.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense