Dilma perdeu uma
oportunidade, se não boa, no mínimo razoável, de se levantar do banquinho no
córner, onde está acuada pela crise
política e pelo péssimo desempenho da economia, e, pelo menos, voltar ao
ringue, no pronunciamento à Nação por TV e rádio no Dia Internacional da
Mulher, domingo. Seu discurso inócuo,
boboca e incompreensível teve o que merecia: panelaço,
vaias e xingamentos pelo País inteiro. Só não se decepcionou com ela quem
não viu.
De fato, não
havia muito espaço para manobra. Mas pedir paciência a uma plateia que dela só tem ouvido mentiras
autoindulgentes não poderia deixar de soar tolo,
inútil, arrogante e alienado. Poderia ter começado com um pedido de
desculpas por tudo quanto prometeu na campanha e começou a descumprir quando
foi divulgada a vitória na reeleição. A continuação inevitável poderia ser uma
demonstração de que a paciência exigida
dos cidadãos, que ela trata como súditos, seria compensada por algum sacrifício: redução de ministérios, cujo número é
absurdo, por exemplo. Nem fez a velha proposta de pacto. Talvez porque padim Lula se tenha recusado a apertar
as mãos estendidas na eleição de Tancredo
Neves no colégio eleitoral, no apoio à Constituição, que o Partido dos Trabalhadores (PT) assinou amargamente constrangido, e
no governo de união nacional de Itamar Franco, depois da queda de Fernando Collor.
Em vez disso, preferiu adotar a
tática stalinista de reescrever o passado para garantir as boquinhas por um
tempo longe de ser promissor para ela, seu governo e, sobretudo, para o País.
Atribuiu a conjuntura “à maior crise
econômica desde a recessão de 1929”, a de 2008, que, para Lula, passaria
por aqui feito uma “marolinha” e ela jura que paira sobre nós há sete anos,
como nos sonhos das vacas magras de José do Egito. E à seca, desgraça perene do Nordeste, que, ela
esquece, faz parte do Brasil, apesar de
ter-lhe garantido, com milhões de votos, a permanência no trono. Lá se sabe
que a chuva é incerta e caprichosa.
Os tomates imaginários jogados pelos “podres
burgueses golpistas” partem do pressuposto de que a piada do barítono que anuncia um tenor pior à plateia que o apupa nem
sequer servirão de metáfora para a
crônica de seu desgoverno abortado: este, ao contrário do Cassino do
Chacrinha, já acaba quando mal começou. Tudo indica que a militância armada contra a ditadura a impediu de
frequentar aulas de História do Brasil, cujo aprendizado lhe faz falta. E
mais ainda ao populacho, que verga sob sua inépcia. O desastrado discurso em que a mulher, festejada domingo no mundo
todo, foi aqui celebrada às avessas
evidencia que nossa experiência da dona da casa no poder será apenas um “duela
a quién duela” coletivo.
Reconheça-se que os citados episódios históricos têm algumas diferenças
em relação aos eventos destes idos de março em que o cego Tirésias teria a
bendizer os temporais eventuais, prenunciados pelo cheiro. Nestes 61 anos foram aplicadas três soluções pessoais para
resolver crises políticas. Em 1954, Getúlio Vargas disparou contra o próprio
peito para não morrer afogado no “mar de
lama” de uma corrupção de aprendiz,
comparada com o caso Celso Daniel, o mensalão e as petrorroubalheiras – o crime continuado que ora corrói as bases da
republiqueta sob os petralhas. Sabe-se que Getúlio era um suicida vocacional. O tiro foi o único
jeito que teve para abortar o golpe dos militares da geração dos tenentes de
1930. Ao “sair da vida para entrar na
História” adiou o golpe, sim, mas por apenas dez anos.
Contra o manhoso
estancieiro de São Borja havia também a oratória inflamada e eficiente da UDN de
Affonso Arinos de Mello Franco e de Carlos Frederico Werneck de Lacerda. A retórica, a ação
parlamentar e a capacidade de construir caminhos para desviar o País da crise a
que foi levado pela insana gula petista passam longe do perfil da oposição de
hoje, indigna até dessa denominação.
Seis anos após o
suicídio no Catete, um presidente popular, eleito acima dos partidos, com a
vassoura feita símbolo e a faxina como missão, renunciou para livrar-se das
dificuldades impostas por um Congresso dominado por partidos que desprezava. A renúncia de Jânio
Quadros foi um autogolpe que falhou por conta da fé cega em si mesmo.
“Renuncia, Dilma”, prega quem lhe atribui
idêntico defeito. Mas ela não tem a
persistência suicida revelada nos Diários de Getúlio, nem o perfil nobre de quem renuncia para
facilitar a saída pela qual um governo de união nacional possa impedir a
tragédia que se prenuncia com as fraturas da Nação, expostas na disputa
eleitoral e agravadas com a determinação do grupo no poder de se agarrar ao que
restar de bife no osso descarnado.
Fala-se ainda mais
em deposição, repetindo a solução dada em 1992, 31 anos após os nove meses de Jânio,
com 20 anos de ditadura militar no meio. Lá se vão apenas 23 anos, mas urge lembrar que o impedimento
inevitável cedeu lugar à renúncia consentida do presidente, que, como Jânio, tentou em vão pôr de joelhos o
Congresso
(de 300 “picaretas” de Lula e 400
“achacadores” de El Cid Gomes?). Ao contrário de Dilma, a cujos
propósitos ele serve, o ex-presidente tentou o lance do “Ministério ético”. Mas foi defenestrado sem dó.
Sábado O Globo informou que, conforme delação premiada,
Mário Negromonte foi
trocado no Ministério das Cidades por Aguinaldo Ribeiro por pressão de seus correligionários
acusados de se abastecerem no propinoduto da Petrobrás. Foi Dilma quem assinou nomeações e demissão de ambos. Dizer que era
assunto interno de aliados e não lhe diz respeito em nada vai ajudar a
suspender a queda de sua reputação. Para piorar, a dupla protagoniza a mesma
investigação, na qual ela não figura.
Mas, com os militares de 1930
mortos e sepultados e a oposição incapaz de apunhalá-la politicamente, Dilma depende do Imponderável da Silva nas ruas
para escapar aos idos de março – chova ou faça sol.
Fonte: Blog do Augusto
Nunes – Por: José Nêumanne
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