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terça-feira, 22 de agosto de 2017

Cândido, ou a temeridade

O vice-líder do PT, codinome Palmas nas planilhas da Odebrecht, tem razão no sincericídio sobre o projeto de reforma política que vai à votação: seu trabalho é ‘ruim mesmo’

Ele acha seu trabalho indigno, “ruim mesmo”, produto típico da hipocrisia parlamentar em que vive há sete anos.  Autor da proposta de regras para as próximas eleições, não tem dúvida: a campanha de 2018 “ainda vai ser criminosa”.  Cândido é o sobrenome do deputado Vicente, 58 anos, dono de calva profunda, sobrancelhas arqueadas, propositadamente ressaltadas pelo desenho dos óculos, tudo amparado por um bigode de inspiração chapliniana.

Palmas é o codinome desse vice-líder do PT no Anexo Nº 52 do Inquérito 4448 entregue à Justiça por Benedicto Junior, chefe da central de propinas da Odebrecht.  A empreiteira deu-lhe um punhado de reais para a campanha de 2010, quando se elegeu para a Câmara. Sobre o pagamento a Palmas, o executivo anotou: “Sem intermediários”. Na coluna “Propósito”, justificou: “Disposição para defender projetos de interesse da companhia”.

De cândido, Palmas só tem o sobrenome na vida real. Saiu de Bom Jesus do Galho, em Minas, e se tornou padeiro e advogado em São Paulo. Ascendeu na política costeando alambrados de campos de futebol, na vice-presidência da Federação Paulista e na diretoria internacional da CBF, sob comando do antigo sócio na advocacia Marco Polo Del Nero, acusado de corrupção pelo FBI e investigado pela Fifa.

Com apenas dois anos de mandato, atropelou 512 deputados e assumiu uma das posições mais cobiçadas na Câmara no governo Lula, a de relator da Lei da Copa. Quatro anos depois, um acordo entre o PT e o DEM, nos bastidores do impeachment de Dilma, resultou na eleição do carioca Rodrigo Maia na Presidência da Câmara. Para surpresa do plenário, Maia entregou-lhe a relatoria da reforma política.

O “Relatório Cândido” vai à votação hoje. É um catálogo de autoajuda parlamentar. O autor não bate palmas nem acredita no que fez: “Se eu, que estou colocando isso no texto, fico indignado...”, confessou à repórter Catarina Alencastro. Referia-se à ideia de reservar no orçamento uma bolada de R$ 3,6 bilhões (0,5% da receita corrente líquida da União) para financiar eleições.

Para tanto, seria preciso obrigar cada brasileiro a desembolsar mais R$ 17 em tributos para pagar as contas de personagens como Palmas, que planeja a reeleição. É o triplo do que a sociedade já paga, via Fundo Partidário: são R$ 870 milhões neste ano, usados como recursos privados em 35 partidos.  Faturam como empresas médias. Recebem de R$ 4 milhões a R$ 80 milhões por ano do Orçamento, conforme a bancada. Não há risco, e a transparência nas contas é nula. Parte desse dinheiro público evapora na rotina de luxo dos donos de partidos — sempre obstinados na luta pelo subdesenvolvimento nacional.

Advogado tributarista, o deputado Cândido levou um semestre dedicado à arte de depenar o contribuinte para obter o máximo de penas com o mínimo de grasnidos. Deu ao processo o nome de “Financiamento da Democracia”. Diante do grasnado coletivo, semana passada fez um adendo de tragicômica candura ao seu projeto: propôs a legalização de bingos, jogos e sorteios para financiar partidos e campanhas a partir de 2017.  O vice-líder do PT elevou o risco político à categoria de temeridade. Ele tem razão no sincericídio: seu trabalho é “ruim mesmo”.

Fonte: José Casado - O Globo


sábado, 15 de julho de 2017

Deputado petista quer livrar Lula e outros condenados da cadeia

Deputados reagem a tentativa de aprovar 'emenda Lula'

Relator da reforma política, o petista Vicente Cândido quer impedir que candidatos sejam presos até oito meses antes das eleições

Deputados da comissão de reforma política da Câmara criticaram neste sábado a proposta do relator, deputado Vicente Cândido (PT-SP), de aprovar uma emenda que proíba a prisão de candidatos até oito meses antes da eleição. A regra atual, prevista no artigo 236 do código do processo eleitoral, impede a detenção apenas nos 15 dias anteriores ao pleito.
 
Dois dias depois da condenação em primeira instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cândido revelou que resolveu incluir em seu relatório a emenda que altera o código eleitoral, conforme publicou o Estado de S. Paulo. O relator diz que a regra não foi pensada para barrar nenhum processo, mas admitiu que Lula pode vir a ser beneficiado, caso algum juiz decida prendê-lo no meio do período eleitoral.  — O Lula poderá ser beneficiado se houver algum abuso no período eleitoral. A lei não vai obstar o andamento do processo. Agora, se chegar em setembro e no TRF 4 o juiz condenar Lula, ele poderá evocar essa lei, dizendo ser perseguido — disse o deputado ao GLOBO.


Cândido ressalva que não mudará a redação do artigo que trata disso no código do processo eleitoral, e que está apenas estendendo o prazo porque o Brasil vive um período de "política policialesca". Ele cita casos de delegados e promotores que agem politicamente contra prefeitos e vereadores, os impedindo de ser candidatos, ganham fama, e depois saem candidatos no lugar daqueles políticos.  — Nesse momento de política policialesca vale estender o prazo da norma. Em outro momento, pode-se revogar — afirmou. 

Colegas de Cândido na comissão da reforma política dizem que não foram consultados sobre a mudança e dizem que a proposta é "indecente", um "achincalhe".
Essa proposta não tem cabimento. Daqui a pouco a candidatura vai ser um passe livre para bandido. É uma ideia infeliz, a famosa proposta indecente. Não fui consultado e vou votar contra. É apenas uma tentativa de blindar bandido para se candidatar — acusa o deputado Esperidião Amin (PP-SC), integrante da comissão.

Outro colega de Cândido na comissão, Betinho Gomes (PSDB-PE) também partilha dessa opinião. Para ele, a proposta do petista é uma "provocação". Assim como Amin, Gomes diz que votará contra.


— Na condição de relator, ele pode apresentar qualquer coisa, inclusive esse abuso. Isso é um achincalhe, uma provocação. É um escárnio com a a sociedade, algo que foge totalmente ao bom senso — avalia o tucano.

Cândido nega que não tenha conversado com colegas sobre o caso. Procurado, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) se negou a tratar do tema:
— Não vou repercutir esse assunto — encerrou.

Fonte: O Globo

quarta-feira, 19 de abril de 2017

A lista fechada e a lista de Fachin

Reforma política quer tirar do eleitor decisão sobre quem o representa no Legislativo


A lista que era de Janot e agora é de Fachin, resumindo as delações feitas pelos 77 executivos e ex da Odebrecht, pôs o Congresso Nacional em polvorosa. Todos os deputados federais e senadores que foram citados com a mão no buraco do tatu, em doações eleitorais no caixa 2 ou recebendo propina em troca de atuação em favor da maior empreiteira do Brasil (e que se tornou a número um exatamente porque participou do maior escândalo de corrupção da História do Brasil) querem uma saída para evitar processo e, em última instância, prisão.

A saída evidente tem o pomposo nome de lista fechada. É simples entender. Atualmente as Casas de leis – nos níveis municipal, estadual e federal – têm as bancadas partidárias distribuídas matematicamente pelo critério dito proporcional. Ou seja: os 35 partidos políticos autorizados a funcionar pela Justiça Eleitoral apresentam listas de candidatos escolhidos em convenções para oferecer à escolha do eleitor. O cidadão apto a votar escolhe um desses nomes para a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa ou Distrital (no caso do Distrito Federal) e a Câmara dos Deputados. Ao votar em qualquer um dos candidatos, o eleitor também sufragará sua legenda. A proporção funciona da seguinte forma: o total dos votos é dividido pelo número de vagas e estas são preenchidas de acordo com o total conseguido pela legenda, chegando a um número denominado quociente eleitoral. Os candidatos mais votados para aquela bancada a ocupam de acordo com o número de vagas determinado pelas vezes permitidas pelo tal quociente. Os que não atingem a vaga, mas dela se aproximam, ocupam as suplências e podem assumir uma cadeira na Casa de leis desde que algum dos efetivamente eleitos a desocupe – por morte, licença, doença ou, o que é mais comum, pela ocupação de cargo público.

O sistema proporcional não é uma das dez maiores maravilhas do universo contemporâneo, é claro. E seus defeitos foram agravados na Constituição de 1946 e, depois, muito mais pelo Pacote de Abril de 1977, que criou os biônicos e também a matemática absurda das bancadas que representam os eleitores de determinados Estados.  Os mais populosos, principalmente São Paulo, são subrepresentados. Os antigos territórios, artificialmente elevados a Estados, são, ao contrário, representados muito além do que deveriam. Isso cria uma enorme deformação na matemática da representação, chegando a configurar o que se chama de crise de representatividade.

O relator da reforma política, que se propõe a resolver essa crise, é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Sua ideia mais radical é adotar a chamada lista fechada. A defesa que ele faz do novo método se baseia, segundo sua palavra, numa prática adotada em mais de 80% das democracias mais tradicionais do mundo. Será? Bem, vamos ver do que se trata: a direção partidária faz uma lista em ordem crescente dos candidatos às vagas. O sistema proporcional seria mantido, com todas as suas distorções, inclusive seus desafios à aritmética, com uma diferença: só caberia ao eleitor votar na legenda, ou seja, no partido. Os candidatos eleitos para as vagas seriam listados, sem sua aprovação, pelos manda-chuvas partidários. O sistema é realmente adotado em democracias avançadas, pois fortalece os partidos, cuja democracia interna é valorizada. A fragmentação dos partidos em nosso caso, ao contrário, decretaria uma espécie de ditadura dos hierarcas partidários, criando uma situação em que o eleitor, muito pouco chamado a escolher seus governantes (apenas nas eleições), realisticamente não elegeria sequer os que se dizem seus representantes.

Atualmente, ando muito seduzido pela ideia de Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias, que assinaram no domingo 9 de abril passado um Manifesto à Nação na página de Opinião do Estadão, sugerindo um plebiscito para convocar uma Constituinte, que pode ser, por decisão da cidadania, congressual, como foi a de 1988, ou independente. Neste caso, o colegiado seria eleito pelo povo, mas sob duas condições: nem pode ser mandatário atual nem disputar mandato ao longo de oito anos. A reforma relatada por Vicente Cândido tem um objetivo: garantir a reeleição dos parlamentares citados na delação do mundo todo, que acaba de vir a público. A tendência é que, pelo menos no caso dos legisladores, haja uma renovação maior do que a costumeira, que já tem sido bem grande a cada quadriênio. Carvalhosa propõe uma lista negra de representantes do povo investigados por ordem do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin. Eu chego a ser mais radical: minha lista negra inclui todos os ocupantes de cargos no Legislativo e no Executivo. Poucos terão lista negra e menos ainda farão como quero fazer. Mas é certo que a renovação não será pequena.

Seria nula, isso sim, se prevalecesse a mudança da regra do jogo  proposta por Cândido, que não tem honrado seu sobrenome. Ao contrário: a lista fechada seria a boia salva-mandatos de todos os dirigentes e queridinhos desses dirigentes partidários, a serem incluídos, sem sombra de dúvida, na tal lista fechada. Em minha experiência de repórter, tomei conhecimento desse sistema, quando vigorava na Venezuela uma caquética democracia elitista. A democracia derreteu, o bolivarianismo assumiu e é um risco que, em nossas condições, não estou disposto a defender. Vade retro, Satanás, eparrê mil vezes!

O petista paulista tem todas as razões do mundo para propor a armadilha. Segundo denúncia do Ministério Público, o deputado Vicente Cândido, de codinome “Palmas”, solicitou e recebeu 50 mil reais da Odebrecht para atuar na busca de uma “solução para o financiamento” da Arena Corinthians, estádio construído para a Copa de 2014. Ele também é um destacado integrante da Bancada da Bola e ocupa um cargo de diretor na Confederação Brasileira de Futebol, onde desempenha o papel de homem forte de Marco Polo Del Nero, presidente da entidade e alvo de investigações do FBI por suspeita de participar de um esquema de propinas da Fifa. A abertura de inquérito deu-se com base nos depoimentos dos ex-executivos da empreiteira Alexandrino Alencar, Carlos Paschoal e Benedicto Barbosa Júnior. Em nota, o deputado afirma: “A forma como a mídia trata os pedidos de abertura de inquérito confere ares de condenação. Tenho certeza de minha idoneidade e me coloco a disposição para quaisquer esclarecimentos à Justiça”.

Há boas reformas a fazer sob a vigência da atual Constituição. São os casos da cláusula de barreiras para coibir a proliferação das legendas sujas e da proibição das coligações nas eleições proporcionais. Mas é tal o estágio de putrefação do Estado brasileiro que para a Nação não atolar no pântano dos políticos só será possível reconstruir as instituições fora dele por meio da Constituinte independente pregada por Carvalhosa, Bierrenbach e Dias.