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quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Herói ou traidor? General que conspirou contra Trump está comprometido - Blog Mundialista

Vilma Gryzinski

Coberto de desonra pela vergonhosa retirada do Afeganistão, Mark Milley agora aparece tramando com China pelas costas de um presidente

Parece diálogo de filme: “General Li, o senhor e eu nos conhecemos há cinco anos. Se nós formos atacar, eu vou te ligar antes. Não será de surpresa”. “General Li, quero garantir que o governo americano é estável e que tudo vai ficar bem. Nós não vamos atacar ou conduzir qualquer operação cinética contra vocês”.

Em linguagem militar, operação cinética equivale a atos de guerra.

O homem que deu garantias ao atual maior inimigo dos Estados Unidos foi o general Mark Milley, chefe do estado-maior conjunto das Forças Armadas americanas – ou seja, o posto mais importante da hierarquia militar. E seu interlocutor foi o general Li Zuocheng, que ocupa o cargo equivalente no Exército Popular de Libertação da China.

As duas conversas estão no novo livro de Bob Woodward e Robert Costa sobre a etapa final do governo de Donald Trump, intitulado Perigo. Woodward, da dupla de Watergate, deu vários sinais de que integrava a turma psicologicamente perturbada pelo ódio acumulado contra Trump, mas os telefonemas reproduzidos não foram desmentidos. Isso significa que foram revelados pelo próprio Milley ou por alguém que falou com autorização dele.

A tese do livro é que os telefonemas do general ao seu colega/adversário chinês,  completamente contrários à hierarquia, à cadeia de comando e ao manual de comportamento de um chefe militar, tiveram um objetivo nobre: desarticular alguma manobra de Trump que envolvesse algo grandioso e perigosíssimo, como um ataque contra a China, para impedir ou neutralizar sua derrota na campanha pela reeleição.

É uma tese duvidosa. Ao contrário do que aparece nos filmes sobre presidentes, um subgênero do cinema americano, o ocupante da Casa Branca, embora seja o comandante-chefe das Forças Armadas,  não pode desencadear uma guerra de uma hora para outra, sem o conhecimento e o consenso, ainda que não unânime, dos civis e militares que formam o establishment da defesa nacional. Também não pode “apertar um botão” e desfechar um ataque nuclear a seu bel prazer.

É claro que para os antitrumpistas, o general, que já havia esperneado quando Trump levou a cúpula militar para uma caminhada até uma igreja ao lado da Casa Branca que os manifestantes ligados ao Black Lives Matter haviam tentando incendiar, teve um comportamento heróico ao neutralizar preventivamente uma perigosa e alucinada jogada de Trump.

No campo oposto, dos que se chocaram com a forma como um chefe do estado-maior conjunto pode se aliar a um adversário chinês, a melhor reação foi do senador republicano Marco Rubio. Numa carta aberta a Joe Biden, ele também usa termos que parecem de cinema, manifestando “grave preocupação” com a possibilidade de que o general Milley considerasse a hipótese de “fazer um traiçoeiro vazamento de informações sigilosas ao Partido Comunista Chinês em antecipação a conflito armado com a República Popular da China”. “Estes atos do general Milley demonstram uma clara falta de discernimento e eu o exorto a demiti-lo imediatamente”.

Outro senador conhecido, o libertário Rand Paul, disse que o general deveria ser investigado imediatamente e inclusive submetido a um polígrafo, a máquina da verdade. Se confirmado que tramou com os chineses, deveria ser levado a corte marcial por traição. Dá para perceber que é o tipo de assunto capaz de provocar reações extremas. Trump, evidentemente, apoiou as críticas  e disse que nunca sequer pensou num ataque contra a China para facilitar sua permanência no poder.

Os chefes do Estado-Maior Conjunto têm um mandato de quatro anos. Milley foi nomeado por Trump em 2019. Na época, o New York Times disse que ele havia conquistado Trump com piadas, conversas amigáveis e disposição a discutir os preços astronômicos dos armamentos americanos. Dizia o Time que o falante general, coroinha na infância, gostava de citar Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Henry David Thoreau – provavelmente não para os ouvidos de Trump, onde as provas de erudição não causariam grande impressão.

A nova polêmica pega Milley num momento em que a questão da retiradado Afeganistão começa lentamente a se dissipar. A responsabilidade final pela retirada – rápida e mal feita, como a piada sobre o lema da Cavalaria – é de Joe Biden, mas mais de cem generais e almirantes da reserva pediram a renúncia de Milley e do secretário da Defesa, Lloyd Austin. Imaginem sua reação agora, com a informação de que o chefe do Estado-Maior Conjunto tramou para desautorizar um presidente pelas costas.

Mesmo numa democracia pioneira e avançada como a americana, nem sempre é tranquila a convivência entre generais e os governantes civis. Em situações de guerra, os ânimos pegam fogo. Franklin Roosevelt demitiu o comandante da Frota do Pacífico, almirante James Richardson, por discordar do acantonamento da frota em Pearl Harbor. Deu no que deu. Roosevelt também demitiu seu substituto, Husband Kimmel, por falta de preparo para o devastador ataque japonês.  O mais famoso militar demitido da história moderna dos Estados Unidos foi Douglas MacArthur, general cinco estrelas pelo comando na II Guerra. O ex-contador Harry Truman demitiu o herói de guerra que queria atacar o território chinês e até criar um cinturão de cobalto radiativo para impedir o avanço de tropas chinesas sobre a Coreia.

MacArthur tentou contornar a cautela do presidente criando fatos consumados. O episódio deixou uma frase famosa de Truman: “Eu demiti MacArthur porque não respeitava a autoridade do presidente. Eu não o demiti por ser um imbecil filho da ****, embora ele seja”.

Barack Obama demitiu dois comandantes de operações no Afeganistão, incluindo o brilhante e adorado general Stanley McChrystal, por uma reportagem em que ele e seus próximos deixavam entrever uma atitude nada respeitosa em relação ao presidente e seu vice, Joe Biden. Obama não precisou demitir outro general legendário, David Petraeus, que era diretor da CIA, porque o próprio pediu para sair depois que veio à tona seu caso com uma tenente-coronel bonitona, Paula Broadwell, que escreveu sua biografia e a quem ele deu enorme quantidade de material sigiloso.

É claro que Joe Biden não vai demitir o general Mark Milley. Ao contrário, está numa posição em que precisa elogiar seu desempenho, ao qual se ligou intimamente.  A oposição republicana vai espernear, mas não tem poder para atingi-lo. Milley só será julgado no tribunal da sua consciência.

Vilma Gryzinski, colunista - Blog Mundialista - Revista VEJA


 

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Mistério: o que aconteceu com o policial morto no ataque ao Congresso? - Mundialista

Vilma Gryzinski

Pela narrativa dominante, Brian Sicknick foi abatido a golpes de extintor de incêndio na cabeça, mas os fatos não batem com a versão

O que é verdade e o que é mentira? Ou o que parece mais ser verdade? Jornalistas lidam com estas questões o tempo todo, é a parte mais fundamental de sua profissão. Como todos os outros seres humanos, eles também são influenciados por aquilo que acham ser a verdade. Quando descobrem que erraram, precisam se corrigir.

Uma história assim está acontecendo em relação ao caso mais dramático da invasão ao Congresso por partidários de Donald Trump no dia 6 de janeiro: a morte de Brian Sicknick, integrante da polícia do Capitólio, a força de segurança encarregada especificamente de zelar pelos membros do Congresso americano. A versão dominante foi dada pelo New York Times: Sicknick morreu por causa dos golpes de um extintor de incêndio na cabeça, desferidos por um ou mais dos invasores. Fonte: dois agentes da lei que falaram em off.

Devido à reputação do jornal – e, também, ao desejo de que isso fosse verdade, o que confirmaria a perversão dos trumpistas -, a versão se espalhou por outros veículos, como se fosse um fato incontestável. No clima de alta volatilidade emocional e política que se seguiu, Sicknick virou um mártir. Joe Biden, pouco antes de tomar posse, foi a seu velório solene.

Todos os veículos que tinham passado meses condenando, coletivamente, as forças policiais durante os protestos raciais desencadeados pela morte de George Floyd, transformaram-se em apologistas dos homens da lei. Felizmente, uma imprensa saudável sempre tem os mecanismos de verificação que flagram as inconsistências.

Independentemente de posições políticas, Greenwald dissecou as dúvidas sobre a morte de Sicknick, destacando sua importância para a narrativa dominante sobre os trumpistas malvados como o único caso de morte causada diretamente pelos invasores. Os outros quatro mortos não se encaixavam na narrativa: 
- um sofreu um infarto, 
- outro teve derrame, 
- uma mulher tombou ao ser comprimida pela massa junto da qual tentava invadir um salão do Capitólio. 
Ashli Babbitt, também da mesma turma, levou um tiro no pescoço desfechado por um agente da polícia do Capitólio quando tentava furar uma barreira de vidro no interior do Congresso.

Sobrou Sicknick como vítima inconteste da malta. Até agora, não saiu a causa mortis oficial. Quando falou sobre o caso, um irmão do policial disse que, na noite do dia 6, Sicknick tinha sido atingido por spray de pimenta, mas estava bem. Nada de corte na cabeça causado por extintor.

Foi uma reportagem na CNNjusto a emissora que colocou os invasores do Congresso numa categoria pior do que a dos hunos de Átila – que levantou a lebre, apontando a “falta de evidência” para enquadrar os possíveis responsáveis pela morte do policial. Não existe lugar mais cheio de câmaras de segurança do que o Congresso americano. A invasão do Congresso também foi amplamente documentada pelos próprios trumpistas, orgulhosos – e, em muitos casos, espantados – por terem conseguido entrar no Capitólio quase que sem resistência.

Daí o mistério: Como morreu o policial? Quem ou o que o atingiu? Onde estão os autores da agressão? Qual o resultado da autópsia? Por que as autoridades estão mantendo uma cortina de silêncio até agora?  É inconcebível que tudo não venha a ser esclarecido. Apurar os acontecimentos que cercam o caso – inclusive a nuvem de dúvidas – e “insistir na precisão factual”, segundo disse corretamente Greenwald, não significa ter simpatias pelos invasores ou querer favorecê-los.

Se Sicknick foi morto de alguma outra maneira, isso não altera sua posição de vítima de abusos praticados pela malta. A investigação criminal não muda muito. Mas os fatos não devem ser maquiados. O mistério da morte do policial Brian Sicknick será esclarecido e o New York Times, que se retratou muito discretamente, é o principal candidato a dar o furo: com os brios atingidos, tem o máximo interesse em apurar a versão mais parecida com a verdade que conseguir descobrir. E vai dar filme ou série de TV.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Os nadadores interceptados, o britânico assaltado e o francês vaiado



Três casos continuam a criar uma imagem negativa da Olimpíada que deveria ser celebração da alegria

[tudo bem! os gringos fizeram bobagem e mereciam, no mínimo, um bom susto: uns sopapos, algumas horas presos ou então serem colocados em uma viatura, levados para um passeios pelas ruas do Rio e depois liberados próximo a uma favela.
Mas, nada justifica o esforço da polícia do Rio para justificar a culpa dos gringos.

Se a Polícia Civil usasse 1% do empenho usado para descobrir que os atletas mentiam no sentido de identificar e prender assassinos de policiais com certeza muitos matadores de policiais estariam presos.

A propósito: os bandidos da favela do João, que assassinaram aquele jovem soldado da Força Nacional já foram identificados e presos?]

Nada como o esporte para incentivar o ódio entre os povos. Atenção: isso é uma ironia. Todo mundo  percebeu, mas no clima atual de espíritos olímpicos transformados em espíritos de porco, não custa esclarecer. E que clima! Do ponto de vista dos americanos, a intercepção dos nadadores Gunnar Bentze e Jack Conger, quando já estavam dentro do avião que os levaria para longe do Rio e da encrenca do assalto a ser esclarecido, lembra as cenas finais de Argo. 

É aquele filme com Ben Affleck sobre a saída clandestina dos americanos que haviam conseguido se esconder quando iranianos enfurecidos invadiram e ocuparam a embaixada dos Estados Unidos, em 1979. Aliás, é incontável a quantidade de filmes em que os mocinhos escapam num avião perseguidos pelos bandidos que invadem a pista, mal encarados, barbudos e quase que inevitavelmente do Terceiro Mundo. Daí a facilidade da identificação emocional.

Os nadadores americanos não escaparam e ainda está por ser esclarecido se são os mocinhos. Mas dificilmente seriam os bandidos, mesmo que apareçam outros desdobramentos sobre a história do assalto sofrido por eles, mais James Feigen e Ryan Lochte. Este é o mais conhecido e medalhado, daí o destaque maior ainda com que uma história dessas está sendo acompanhada. Desde que uma juíza pediu a apreensão dos passaportes dos quatro nadadores, até que o famoso esclarecimento” mostrasse se houve mesmo assalto ou foi uma falsa comunicação de crime para encobrir alguma atividade do ramo “proibidão”, desencadeou-se na imprensa americana uma espécie de “onde está Lochte”.

O tablóide Daily News deu a resposta: está de volta aos Estados Unidos, na companhia da namorada, Kayla Reid, que já posou para a Playboy. Kayla veio com ele para o Rio, mas não foi identificada em nenhum momento da festa antes do assalto que deu tanto o que falar. Aquele pessoal que vive de insinuar escapadas, várias delas depois comprovadas, levantou a hipótese, ajudado pela entrevista de Renzo Gracie a Veja.  Os pais de Lochte também acompanharam o filho na viagem. A mãe dele, Ileana, de origem cubana, foi quem divulgou pela primeira vez a história do assalto, depois desmentida, depois confirmada, depois contada pelo nadador de cabelos descoloridos numa entrevista a um canal de televisão. 


Formaram-se assim os campos em guerra. De um lado, na visão de muitos americanos, Lochte e os outros nadadores, vítimas de violência e depois de patriotadas. O jornal Los Angeles Times chegou a entrevistar um professor universitário que “estudou política latino-americana”, Lowell Gustafson. Disse ele: “Parece bastante comum que a polícia e a burocracia do Brasil contestem qualquer um que faça acusações. A ideia é dizer que essas coisas não acontecem no Brasil.” Ah, os professores universitários…

Do outro lado, está a turma dos brasileiros ofendidos pelas críticas e até pelos fatos, convencidos de que existe uma conspiração internacional para esculhambar com a Olimpíada. Como se o grande acontecimento esportivo não estivesse cercado de Brasil de todos os lados. Para não ofender sensibilidade acirradas, os responsáveis pela equipe britânica sequer identificaram o atleta que sofreu um assalto a mão armada ao voltar de uma balada no Rio, num caso parecido com o de Lochte, se é que o nadador foi mesmo roubado. Mas avisaram a todos os integrantes da equipe que “não vale o risco” sair da Vila Olímpica para cair na night. 

Quem, mesmo assim, insistir no que seria o melhor dos jogos fora das competições, a alegria e a farra da noite carioca, não deve usar roupas que os identifiquem como atletas, levar objetos de valor e nem tomar táxis. Ou seja, devem se comportar como brasileiros. Aqueles que, mesmo assim, insistirem em incursões perigosas, deve avisar a direção da equipe antes de sair. Alguma dúvida? “O Rio não oferece um ambiente seguro e o nível de criminalidade subiu nos últimos dias”, acrescenta o comunicado. “E o atleta que foi assaltado deveria cair fora logo, antes que a polícia prenda a vítima em vez de ir atrás dos suspeitos”, comentou um leitor do Daily Mail, dando o tom das reações.

Ou seja, além dos franceses, os batalhões virtuais americanos e ingleses também estão em pé de guerra. O caso de Renaud Lavillenie, o campeão de salto com vara vaiado,  continua a ser o mais comentado nos jornais europeus por envolver, de certa maneira, um choque de culturas. 

Nas primeira reações ao comportamento inadequado dos torcedores, Lavillenie reclamou do “público de m•••” e se comparou a Jesse Owens. Uma comparação errada: o campeão americano negro que venceu na Alemanha nazista foi aplaudido e não vaiado. [algumas versões relatam que Adolf Hitler, chanceler do IIIº Reich, se negou a cumprimentar Jesse Owens.
Nada disso. Ocorreu que quando Hitler começou a cumprimentar os atletas acarretou uma grande correria e confusão, já que todos procuravam se aproximar do líder. Uma imensa movimentação foi feita, em que os anfitriões cantavam o hino alemão "Deutschland, Deutschland über Alles" ("Alemanha acima de todos", em português), saudavam com um "Sieg Heil".
O Presidente do COI sugeriu que sendo Hitler convidado de honra teria que ou cumprimentar todos os atletas – aumentando ainda mais a confusão – ou não cumprimentar nenhum.
Hitler optou então por não descer mais da tribuna de Honra; quando Owens ganhou as medalhas, Hitler já tinha tomado a sua decisão. E ao contrário de ter-se mostrado indignado, abanou efusivamente para o atleta. Nas palavras do próprio Owens: "Quando eu passei, o chanceler se ergueu, e acenou com a mão para mim, eu respondi ao aceno." Lavillenie depois se desculpou. Suas lágrimas ao receber a medalha de prata deveriam comover o mais empatriotado dos corações brasileiros.

Incitar brigas xenófobas é um dos métodos clássicos dos tablóides. Se continuarem a ser alimentados com material negativo, os choques culturais vão azedar a imagem do Rio olímpico. Por enquanto, só nos resta esperar que Lochte tenha dado uma maquiada nos fatos. Uma perspectiva pouco animadora.

Fonte: Veja – Vilma Gryzinski - Mundialista