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domingo, 30 de janeiro de 2022

Marco Aurélio: "Há uma incongruência o presidente da República sendo compelido a comparecer à PF"

Ministro aposentado do Supremo diz não ver motivo para o inquérito que investiga Bolsonaro por vazamento de informações sigilosas e ressalta que caso precisar ser tratado com "temperança"

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello classificou como “uma incongruência” o presidente da República, Jair Bolsonaro, ser “compelido” a comparecer a depoimento na Polícia Federal. O chefe do Executivo foi intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, da Suprema Corte, a prestar esclarecimentos, na sexta-feira (28), na investigação sobre a divulgação de inquérito sigiloso que apura o ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele, no entanto, não compareceu. [felizmente, o presidente Bolsonaro com devido amparo legal, não compareceu ao ato que pretendiam forçá-lo a participar e com isso impediu a efetivação da incongruência.]

"O presidente da República, de início, tem direito a prestar depoimento, ajustar com o juiz e optar por prestar o depoimento por escrito. Penso que isso precisa ser tratado a partir de entendimento, temperança. Não se trata de um envolvido qualquer”, argumentou Marco Aurélio. “Há uma incongruência o presidente da República sendo compelido a comparecer à Polícia Federal. O que precisamos é buscar o entendimento, com a colaboração do presidente. Deveria ter sido ajustado com o ministro Alexandre, ou então optando para pedir para prestar o depoimento por escrito. Aí, teria de remeter a ele as perguntas que seriam formuladas."

Marco Aurélio disse que não viu motivo para a instauração do inquérito. “Eu atribuí tudo, àquela altura, a um arroubo de retórica, porque ninguém coloca em dúvida o nosso sistema de urnas eletrônicas. Ele apenas se manifestou. E nós estamos em uma democracia, muito embora as opiniões não nos agradem”, ressaltou. “Não é motivo, a meu ver, para instaurar um inquérito para o presidente da República. Seria gastar munição de alto calibre.”

O ministro aposentado destacou que a postura de Bolsonaro acaba provocando crises. “Não sei qual é o efeito eleitoral disso junto àqueles que possam sufragar", afirmou. "Vai ser um ano complicado. É preciso dar um desconto, não se pode levar tudo a ferro e fogo. Tudo é potencializado como se fosse o fim do Brasil. Ele colocou em dúvida, paciência. Deixe que os cidadãos em geral julguem a fala dele.”

Conforme enfatizou Marco Aurélio, o sistema eleitoral “é muito seguro, muito avançado”. “A vontade do eleitor é preservada. É tempo de tirar o pé do acelerador, tanto para o presidente quanto para o colega ministro”, acrescentou.
 
 
Política - Correio Braziliense
 

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Cidadão, não! Militar! - O Estado de S.Paulo

Bolsonaro transforma militares em casta ainda mais privilegiada

“É proibido militar estar na política? Não!” Jair Bolsonaro tem incontáveis defeitos, mas a dissimulação não é um deles. Poucos políticos são tão transparentes em suas intenções, seus propósitos e suas cismas. Não vou falar aqui em ideias, porque é uma categoria mais difícil de discernir na “obra” do presidente. Bolsonaro não faz questão de disfarçar que quer pisar no acelerador do processo de militarização do seu governo. Começou a mover o barco nessa direção já no ano passado, e enfunou as velas de vez em 2020.
Levantamento do Tribunal de Contas da União apontou o espantoso contingente de 6.157 militares, da ativa e da reserva, em cargos civis no governo, sendo 2.643 em cargos comissionados. Trata-se de um aumento de 108,22% de 2016 para cá. Diante dessa evidência incontestável não adianta os militares engrossarem a voz e baterem o coturno no chão quando são chamados a assumir responsabilidades pelas políticas de Estado determinadas pelo “capitão”.

[o que desanima os opositores do 'capitão, inimigos, define melhor,  é que aos poucos os militares vão consolidando suas posições = por competência.
Aos que não sabem, ou preferem esquecer, Pandiá Calógeras, engenheiro civil, foi um excelente ministro da Guerra no governo Epitácio Pessoa.]

A militarização do governo é um movimento combinado com outros que o bolsonarismo vem empreendendo nos últimos meses, como o aumento da influência política sobre as polícias militares – a ponto de, hoje, haver em muitos Estados comando paralelo ao dos governadores. [Nos tempos que as coisas funcionavam no Brasil - e bem - inclusive, sem limitar - o cargo de secretário da Segurança Pública, nos estados, era ocupado por um oficial das Forças Armadas,  reserva remunerada, normalmente, oficial general com duas estrelas -  Também está em linha com a ideia do presidente, gritada em alto e bom som na dantesca reunião ministerial de 22 de abril, de “escancarar” a questão do armamento para a população, afrouxando limites, regras e fiscalização sobre a posse e o porte de armas e o acesso à munição.

Tudo isso coaduna com a visão de governabilidade na qual Bolsonaro de fato acredita, que é diversa dessa que ele vem tentando implementar ao chamar o Centrão para a festa antes restrita aos fardados e aos ideológicos. Uma governabilidade em que o presidente é louvado por adoradores fanatizados pelas redes sociais, promove a guerra cultural permanente como forma de manter vivo o fantasma do “comunismo” contra o qual seria o único remédio e que é amparada, na retaguarda, por esse estafe militar cada vez mais numeroso e incumbido de funções primordiais.

Com um general da ativa à frente da Saúde os militares não poderão se queixar se forem corresponsabilizados pelas atitudes inconsequentes do presidente durante a pandemia, do lobby da cloroquina – transformado por pressão dele em protocolo da pasta! – à incitação ao descumprimento do isolamento social. Da mesma maneira, ao colocar o vice-presidente (e general) Hamilton Mourão como tutor do ministro Ricardo Salles e responsável pelo pepino da situação da Amazônia, Bolsonaro joga no colo das Forças Armadas a cobrança internacional, que se dá por meio de países, organismos multilaterais e, cada vez mais, empresas e importadores dos produtos brasileiros, pela absoluta falta de uma política ambiental que atenda aos princípios mínimos do que a economia global exige.

O Estado de S. Paulo - Política - Vera Magalhães



sexta-feira, 20 de março de 2020

Decisões precipitadas não vão salvar o Brasil do coronavírus - J. R. Guzzo

Gazeta do Povo

Responsabilidade Decisões precipitadas não vão salvar o Brasil do coronavírus

Sempre é preciso tomar muito cuidado quando você decide que sua prioridade é ser responsável ao máximo, ou há o sério risco de perder o pé e acabar agindo de maneira irresponsável – exatamente o oposto das suas intenções. Acontece, com frequência, quando a obrigação de ser responsável supera a sua obrigação de pensar. O senso de responsabilidade, então, se torna destrutivo e leva as pessoas a caírem num mundo mental de desprezo insensato pela verdade. Os resultados são os que se pode imaginar. No Brasil do coronavírus, é algo que se pode ver todos os dias.

Em relação à epidemia, a ideia predominante, ou a chamada “sabedoria convencional”, é copiar o tempo todo quaisquer atos de proibição, restrição, interdição, suspensão, cancelamento, fechamento determinados por alguém que está ao seu lado, e principalmente acima, na árvore dos que mandam. Fechou lá? Então fecha aqui. Não pode lá? Então não pode aqui. O certo seria pensar, caso a caso, se é ou não necessário fazer a mesma coisa – ou, mais ainda, se o correto é fazer o contrário. No momento, parece que apenas uma minoria pensa assim – ou, melhor dizendo, parece que apenas uma minoria se dá o trabalho de pensar. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, talvez seja um exemplo.

Mandetta lembrou que sim, perfeito, tudo bem, precisamos agir com o máximo de rigor para combater o contágio. Mas lembrou também que é preciso transportar cloro para tratar os sistemas de água corrente. Se são tomadas medidas que impedem as companhias de saneamento de colocar cloro na água, pelas restrições em cadeia que crescem a cada 24 horas, você estará salvando o Brasil do coronavíruse destruindo um dos princípios mais elementares da saúde pública.

O que é pior: coronavírus ou água contaminada, principalmente nas grandes cidades, onde estão os focos principais da epidemia? Os dois são piores não há escolha — e os dois têm de ser combatidos. Mas para fazer o combate completo à doença, uma coisa não pode impedir a outra. Muita coisa, neste momento, está sendo decidida, tanto nos governos como no setor privado, sem a consideração correta das consequências. Um carro não anda só com acelerador, ou só com freiosé indispensável combinar os dois, a menos que se queira arrumar uma colisão frontal ou ficar parado no mesmo lugar.

É angustiante que quase ninguém esteja pensando numa coisa chamada “emprego” – ou em trabalho, produção, atividade. Não se trata de ficar falando em “verbas”, como políticos e governos adoram fazer. Desemprego? Toca uma verba aí, mesmo que não exista de onde tirar um tostão dessa verba. Isso não resolve nada. O que pode ajudar a resolver, isso sim, é pensar com seriedade numa lógica para enfrentar a doença e não arrastar o país ao abismo.

Todos, em geral, querem fazer o bem, e cada um quer fazer mais o bem que todos os outros – governos, mídia, entidades, organizações, médicos, hospitais, direita, centro, esquerda. Em suma: todo mundo que pode decidir alguma coisa, do presidente da República ao síndico do prédio, acha sua obrigação agir com o máximo de prudência, cautela e toda a coleção de virtudes aparentadas a essas – é a “responsabilidade”.


J. R. Guzzo,  jornalista - Vozes - Gazeta do Povo