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terça-feira, 21 de março de 2023

O Brasil pertence aos índios? - Percival Puggina

[como de hábito, estão sempre ocupados em nada nada fazer.]

         Corria o ano 2000 e a nação se preparava para festejar os 500 anos do Descobrimento. Nunca a esquerda foi tão indigenista! Cabral era vaiado nas salas de aula e na mídia
Se aparecesse alguma caravela, seria afundada. 
Aliás, fizeram uma que, de maneira muito suspeita, se recusou a navegar. Em Porto Alegre, o relógio que fazia a contagem regressiva serviu a culto indígena prestado por descendentes de europeus que copiaram performances apaches aprendidas do cinema ianque. Tocaram fogo no relógio, dançaram em torno da fogueira e foram comemorar num restaurante.

Quando escrevi criticando a representação teatral e o incêndio, que contou com proteção do oficialismo petista da época, respondeu-me um padre, reprovando minha posição. O que segue é um extrato dos argumentos que usei na réplica e atende solicitação de leitor do Instagram que, há alguns dias, me pediu informações sobre o tema.

Comecei a carta ao padre alertando para a obviedade tantas vezes mencionada por mim: o fato de o espaço físico do nosso subcontinente já estar povoado não significa que ele não tenha sido descoberto porque, de fato só se descobre o que já existe; o que não existe e passa a existir é criado ou inventado. Os portugueses descobriram algo que lhes era, em todos os seus aspectos, desconhecido.

São raríssimos os casos em que os atuais ocupantes de quaisquer áreas do globo estão nelas e as têm como suas desde os primórdios. Não era diferente aqui, antes de Cabral. As tribos disputavam o litoral, por ser mais aprazível do que o interior. Na Bahia, onde aportaram as caravelas, os tupiniquins haviam expulso os tapuias, nome que significa “índio do mato”.     

No Peru, os Chavins, os Nazcas, os Paracas, os Moches que ocupavam a costa do pacífico no século XVI, foram expulsos ou submetidos pelos Incas. E os astecas, a quantos expulsaram e sacrificaram? 
Que fizeram na Europa e norte da África, ostrogodos, visigodos, suábios, hérulos, vândalos, entre outros? 
Por ser meu interlocutor da época um presbítero, pareceu-me oportuno lembrá-lo de que nem Deus conseguiu que a Terra Prometida estivesse desocupada e disponível para o povo da Aliança quando os israelitas se retiraram do Egito. Rolou sangue, muito sangue.
 
Aliás, é bom que os cristãos devotos desse tão engenhoso quanto inútil revisionismo histórico tenham presente o que aconteceu quando Constantino decretou e impôs o fim da religião do Império Romano
Nunca vi qualquer religioso “progressista” ou conservador, reclamando do que foi feito com a civilização e a cultura romana anterior ao Cristianismo. Coitados! Num canetaço imperial lhes tomaram a fé e os templos. Quantos deuses romanos ficaram ao relento! 
Tampouco vi alguém denunciando a ação evangelizadora e restauradora da civilização empreendida por cristãos junto aos bárbaros na baixa Idade Média. 
Nem sobre os procedimentos de Clóvis, rei franco, após seu batismo.
 
Lamentar o fim da “civilização” pré-cabralina, como tantas vezes ouço, é fazer uso totalmente inadequado da palavra civilização. 
Pode-se falar em “cultura”, mas tampouco esta teve um fim. 
Há tribos que vivem até hoje como viviam ao tempo do Descobrimento. Mas será isso positivo? Será bom que essas pessoas vivam privadas dos benefícios da civilização e sirvam de laboratório para estudos antropológicos? 
 
Por outro lado, tenta-se extrair dividendo político e moral de uma suposta descoberta petista sobre os problemas dos povos originários após o Descobrimento. Não subestimem os meus professores de escolas públicas nos anos 50, lá em Santana do Livramento!  
Aprendi deles e dos mais elementares livros de história da época que os índios foram vítimas de violência, tentativas de escravidão etc. Não sei de onde saiu o suposto mérito petista de, num furo de reportagem, trazer à superfície a verdade sobre tais fatos. Novidade é a tentativa de extrair, além do impróprio dividendo moral, o lucro ideológico disso, jogando brasileiros contra brasileiros, tentando simplificar a história para reduzi-la aos termos da interpretação marxista de luta de classes. 
Novidade é entrar de martelete e picareta no relato dos acontecimentos históricos para deslegitimar todos os títulos de propriedade do país. Que eu saiba, nem Engels pensou nessa!

Na Ibero América, a esquerda católica, conhecida na Itália como “cattocomunista” parece não reconhecer o valor da conversão, do batismo e da evangelização de um continente inteiro. Chego a crer, que muitos religiosos veem com maus olhos a cruz plantada nas areias de Porto Seguro, após a primeira missa, pelos nossos descobridores que ante ela se ajoelhavam para que os nativos (na forma da carta de Caminha) “vissem o respeito que lhe tínhamos” ...

Muitas vezes, nas datas nacionais que cultuam o verde e amarelo da nossa bandeira, quando a esquerda está na oposição, seus militantes costumam proclamar do alto de sua simulada benignidade que nada há a comemorar porque as coisas não vão bem. 
A gente os conhece, mas sempre me surpreende quando quem diz isso é um religioso católico ou cristão. 
Afinal, se fossem boas essas razões, as próprias festas cristãs deveriam ser suspensas porque estamos tão longe do Reino de Deus e de seus critérios que deveríamos entoar, em todas as missas, um cântico que iniciasse com “Nada a comemorar, Senhor!”.

Eu continuo crendo no valor do batismo e convencido de que há um bem intrínseco na evangelização e na civilização. E quando vejo essas dezenas de milhões de mestiços que compõem a parcela majoritária da população do norte, nordeste e centro-oeste brasileiro, trazendo nos cabelos, nos olhos, na estatura, as marcas de suas raízes indígenas, e os encontro nas missas e na vida civilizada, me alegro pela obra dos jesuítas e de quantos para cá vieram, com os recursos da época, fazendo a história como sabiam, com a coragem que nos falta e com os conhecimentos inerentes ao período em que viviam.

Todas essas manifestações de repúdio aos brancos que se intrometendo aqui não viraram índios e não trouxeram a bordo antropólogos, sociólogos, psicólogos e filósofos me suscitam uma dúvida: onde querem chegar? Devemos voltar para a Europa, confinarmos os brancos em reservas e devolvermos tudo para os índios? 
Nos juntarmos a eles no mato? Des-descobrir? Desconstruir? Desevangelizar? Deseducar? Desmestiçar? 
Retornarmos os brancos à Europa, os negros à África, os amarelos à Ásia? Não conheço pensamento mais racista do que esse.

Admito que muitos pensem diferente. Também eu preferia que essas coisas e muitas outras tivessem ocorrido de modo diverso. Mas não vou passar a vida remoendo fatos ocorridos em séculos passados, escrutinando-os anacro Terra Prometida unicamente. Menos ainda criando um impasse sem solução sobre nossa identidade nacional. Não podemos corrigir o passado, mas o futuro, sim.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 19 de junho de 2021

A opressão latino-americana - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado deve ser uma meta perseguida por todos os que defendem a liberdade

A América Latina é terreno fértil para demagogos, populistas autoritários, socialistas em geral. Em ambiente com miséria e ignorância, esses oportunistas se criam com mais facilidade, exploram suas vítimas mascarando seu projeto de poder com slogans bonitinhos de igualdade e “justiça social”. E o mais grave é que a história se repete com incrível frequência, como se o povo fosse incapaz de aprender com os próprios erros.

A bola da vez é o Peru, depois de a Argentina trazer de volta ao poder o Foro de SP, mirando no péssimo exemplo venezuelano. Um livro clássico nos meios liberais é O Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, escrito por três autores, entre eles Álvaro Vargas Llosa, filho do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, que escreveu a apresentação do livro. Eles tiveram de retornar ao tema com A Volta do Idiota, perplexos com essa insistência nos mesmos erros.

Mario Vargas Llosa disputou a Presidência do Peru em 1990 e perdeu para Fujimori. Desta vez, o escritor liberal apoiou a filha do ex-presidente, para tentar impedir o destino trágico do socialismo. Mas o “professor esquerdista” Pedro Castillo assumiu a liderança numa contagem sob suspeita e por poucos votos a mais pode selar o destino do país rumo ao abismo. É uma sensação grande de impotência por parte de quem sabe o que está em jogo.

Álvaro é autor de outro livro instigante, Liberty for Latin America, em que define os cinco pilares da opressão. A ideia central talvez possa ser resumida por essa frase de Llewellyn Rockwell Jr.: “Devemos nossa liberdade não ao desejo do Estado de permitir que as pessoas e as instituições sejam livres, mas ao desejo das pessoas e das instituições de resistir”. Os oprimidos esperam tudo do Estado opressor! E aí começam os problemas.

Logo na introdução, Álvaro deixa claro que nada é mais crítico para o objetivo de libertar a América Latina dessa opressão que compreender por que as transformações políticas e econômicas das últimas décadas beneficiaram somente uma pequena elite. O autor levanta o debate entre instituições e culturas, alegando que uma necessita da outra. As regras de relacionamento entre indivíduos precisam mudar, mas os valores que determinam a conduta humana também. Esses valores não mudarão a menos que as pessoas vejam que os novos valores são relevantes por meio de incentivos e recompensas possíveis pela mudança institucional.

Se é verdade que a tradição ibérica pesa contra o desenvolvimento da região, também é verdade que a Espanha e Portugal, onde tal tradição se originou, conseguiram prosperar após mudanças institucionais. Claro que para um sucesso sustentável é preciso uma mudança cultural. Victor Hugo já dizia que “não há poder maior que o de uma ideia cuja hora é chegada”. Mas postergar a remoção das causas diretas de opressão até que os valores corretos sejam absorvidos pelo povo vai condenar a região à impotência e ceder espaço para aqueles que são tentados a usar esses instrumentos de opressão para impedir a mudança cultural.

Quais são, então, esses instrumentos de opressão estatal, causa principal do fracasso da região? É o que Vargas Llosa busca responder. Os cinco princípios de organização social, econômica e política que oprimem o indivíduo seriam, segundo o autor, o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza e a lei política, aqui entendida como o positivismo, contrário ao império da lei. Vargas Llosa busca as origens desses instrumentos de opressão no passado da região.  Uma pessoa não era uma pessoa, mas sim parte de um mecanismo maior, e existia somente como fração dessa entidade coletiva. Os indivíduos trabalhavam não para si próprios, mas para a manutenção dessa entidade que exercia força sobre eles. Não trabalhavam para subsistir, mas subsistiam para trabalhar em prol do Estado e seus parasitas. Os exemplos fornecidos pelo autor incluem o estilo de vida dos astecas e incas, em que nobres desfrutavam de privilégios como roupas de algodão e joias, enquanto exploravam escravos.

A organização desses povos era altamente hierarquizada, e os nobres recebiam direitos sobre a terra e o trabalho, transferindo renda por meio de tributos. O rei ou imperador era visto como a própria encarnação divina, e exercia, portanto, autoridade absoluta. A lei era uma extensão do rei, não uma regra objetiva e isonômica. Os maias e astecas praticavam sacrifícios humanos, já que o líder tinha poder sobre a “verdade” e também sobre a vida de todos.

Quando Espanha e Portugal conquistaram várias regiões da América Latina, no século 16, estavam no auge de uma longa tradição corporativista. Como consequência do surgimento do Estado-nação e sua volúpia fiscal, os direitos de propriedade passaram a ser uma transação mercenária entre a autoridade central e grupos particulares. Quando os direitos seletivos de propriedade não eram suficientes, o Estado expropriava riqueza privada diretamente. Esse era o princípio do mercantilismo ibérico. As encomiendas, grandes pedaços de terras concedidos pelo Estado como recompensa militar e outros motivos, eram talvez o maior símbolo de privilégio. Esse símbolo refletia a ideia dominante de que a riqueza não tinha de ser produzida, mas sim tomada.

A estrutura era bastante centralizada, e Espanha e Portugal não objetivavam desenvolver suas colônias, mas obter o máximo de riqueza possível por meio da exploração delas. Chegou a ser ilegal produzir bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole. A sociedade colonial rapidamente aprendeu que sua sobrevivência dependia dos esquemas do Estado mercantilista, porque a única atividade rentável era negociar por meio do governo, não no mercado. Quando os movimentos de independência ganharam força na região, já existia uma cultura de que a lei não tinha nenhuma raiz real, sendo algo arbitrário que depende da vontade de uns poucos poderosos. Todo novo governante apontou ou removeu juízes de acordo com seus desejos, reescreveu a Constituição, refez ou estendeu os códigos existentes etc.

Até quando seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores igualitários?

Nesse ambiente, o avanço na sociedade era possível somente pela influência no processo político que dominava a lei. Era no teatro da política, não do mercado, que a competição ocorria. A energia estava focada não em produzir riqueza, mas em direcionar a lei para a vantagem pessoal. Com essa mentalidade e com as suas correspondentes instituições estabelecidas, prosperar como nação era praticamente impossível. Infelizmente, não foi tanto assim o que mudou desde então. Muitos ainda encaram o Estado como um semideus, defendem medidas mercantilistas ultrapassadas, pedem mais interferência estatal na economia, ignoram a necessidade de um império de leis igualmente válidas para todos, focam suas energias na organização em grupos para extrair o máximo de privilégio possível do governo. Alterar esse quadro lamentável exige mudança cultural e institucional. A mudança no campo das ideias será lenta e gradual, como não pode deixar de ser. Combater as instituições opressoras passa a ser uma necessidade imediata. Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado e a lei política arbitrária deve ser então uma meta perseguida por todos os que defendem a liberdade.

O que assusta são os constantes retrocessos na região. É como se o fantasma de Montezuma ou o de Atahualpa ainda pairassem sobre nós, ou então o espectro cubano, cujo regime opressor calcado nessas falácias persiste há mais de meio século. 
Até quando seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores igualitários? 
Até quando os latino-americanos vão cair na ladainha da esquerda?[até o dia em que a maldita esquerda seja extinta.]

Leia também “Os “democratas” totalitários”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste