Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador cacofonia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador cacofonia. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de maio de 2023

Cavalo de Troia

Na epiderme, a defesa da liberdade. Um pouco abaixo, a tutela

LIMITES - As redes sociais pressionadas: elas não têm culpa por tudo de ruim

LIMITES - As redes sociais pressionadas: elas não têm culpa por tudo de ruim (Florian Gaertner/Getty Images)
 

 Na incrível fábrica brasileira de explicações simples para problemas complicados, escutamos de tudo. 
Há quem tenha culpado os jogos eletrônicos pela violência nas escolas. De um ministro escutei que a culpa era da “liberação das armas”, diante da monstruosidade feita com uma machadinha, em Blumenau. 
Em um grupo de Whats­App, alguém foi taxativo: “A culpa é do Bolsonaro”. Imagino que em outros o culpado tenha sido o Lula. E de uma outra autoridade li que aquilo teria algo a ver com o “golpismo do 8 de Janeiro”.  
Na cacofonia brasileira, cada um vai espalhando suas impressões. 
A favorita da vez é a de que as redes sociais têm culpa no cartório. Seja pelo 8 de Janeiro, seja pela violência, seja por tudo de ruim que anda por aí. E que, como é próprio da tradição brasileira, precisamos de mais uma lei para “pôr ordem em toda essa bagunça”.
 
É sobre isso o debate em torno da Lei das Fake News. O Estado, como se tornou comum por aqui, resolveu regular a discussão. E o fez à moda brasileira: empresas de comunicação, com óbvios interesses no projeto, podem fazer editoriais e emitir sua opinião favorável ao projeto.  
Empresas com visão contrária, negativo. São intimadas a depor, a retirar sua opinião, e se tornam “suspeitas” de uma penca de crimes. Não deixa de ser didático. Nos ajuda a pensar um pouco sobre o que está em jogo.

Os defensores da lei dizem que é preciso regular. É preciso mudar os termos no Marco Civil da Internet, uma antiga lei da época em que se imaginava a internet como um espaço aberto, e determinar que as plataformas devem “atuar diligentemente” para “prevenir e mitigar” toda a sorte de crimes, inclusive aqueles de natureza política, como os “crimes contra as instituições democráticas”. 

Uma plataforma terá de decidir o que entra ou não na conta de uma “grave ameaça” ao estado democrático de direito. 
E, se não acertar, será responsabilizada. As plataformas igualmente terão de monitorar as redes para identificar se há alguma suspeita de crime atual ou que “possa ocorrer no futuro”. Se não o fizer, e não comunicar às autoridades, também podem ser responsabilizadas. 
Por fim, a lei dá amplos poderes ao Comitê Gestor da Internet para fixar “diretrizes” para os códigos de conduta das redes, e igualmente depois para “validar” a sua redação. 
O Comitê terá poderes para “limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias”, pelas empresas de mensagens, como o Whats­App, e deve fazer uma “conferência anual” para discutir todos esses assuntos. 
Este último item demonstra a displicência com que fazemos leis no Brasil. Alguém poderia se perguntar por que cargas-d’água o contribuinte brasileiro precisa pagar, ano após ano, uma conferência anual para discutir qualquer coisa referente à liberdade e à regulação da internet. 
Não há resposta. Apenas uma lei feita no embalo do ativismo e da fúria reguladora que há alguns anos tomou conta do país.

“Na epiderme, a defesa da liberdade. Um pouco abaixo, a tutela”

O Comitê Gestor existe desde os anos 1990, sempre teve atribuições essencialmente técnicas. Se aprovada a lei, a conversa será outra. Ele passa a propor coisas como “diretrizes estratégicas para a liberdade na internet”.  
Dirá, por exemplo, para quantas pessoas você e eu poderemos mandar uma mensagem, no Whats­App, e dirá o que as plataformas deverão admitir ou banir. 
Não é pouca coisa. Podemos até fazer de conta que vivemos todos em uma grande reunião de escoteiros e que não há problema algum em delegar essas coisas a uma instância de poder qualquer. 
Quando Madison e os fundadores dos Estados Unidos desenharam o Bill of Rights, na Constituição americana, era exatamente para que uma coisa dessas não acontecesse. 
Que o Congresso “não faria leis” restringindo um direito que, na sua visão, pertencia às pessoas, aos cidadãos, e não ao Estado. Isso não quer dizer que eles estavam certos. Eles apenas escolheram um caminho, diferente do qual parecemos adentrar, no Brasil.

As guerras culturais da democracia atual fizeram com que muita gente trocasse a defesa da liberdade de expressão por outros tipos de prioridade. O “combate às fake news” e aos “discursos de ódio” é exemplo óbvio. Nada disso é novo, muito menos a pergunta xarope que vem logo depois: quem teria o poder para definir essas coisas? Quem definirá o que significa um “risco sistêmico ao estado democrático de direito”, conforme se lê, insistentemente, no projeto? 

Alguém poderia dizer que tudo isso é autoevidente. O PCO que o diga. Foi banido por “atacar” o STF, ou coisa do tipo. Daria uma tese de doutorado analisar tudo que foi incluído na conta de “ameaça ao estado de direito” no Brasil dos últimos anos. 
Do famoso tuíte do professor Marcos Cintra “ponderando” sobre as urnas eletrônicas a um dedo médio apontado para o edifício do STF. O atual projeto criminaliza a divulgação de “fato que (alguém) sabe inverídico” sobre o processo eleitoral. Ou um fato “passível de sanção criminal”
É duro ter de perguntar, pela enésima vez, o que é exatamente uma informação “verídica”? 
Dar uma opinião contrária ao sistema eleitoral ainda será permitido? Alguém assumirá a possibilidade de cair na malha do “risco sistêmico” ou da “grave ameaça”? 
As plataformas assumirão o risco? Os cidadãos? 
Ou estamos (quase) todos alegres em viver numa democracia pautada pelo medo? 
Suspeito que sim. E talvez seja exatamente aí que resida o problema.

O que estamos discutindo, na verdade, é uma lei vaga, com uma redação displicente, que aprofunda um pouco mais nossa democracia de tutela. É democracia dos tipos penais abertos, da censura prévia, dos banimentos de jornalistas, das decisões “de ofício”, sem contraditório, sem devido processo legal, essas coisas que sempre nos soam tão bem quando atingem o “lado de lá” do jogo político. De uma legislação técnica e bem-feita, que é o Marco Civil da Internet, arriscamos migrar para uma regulação com forte componente político. No eterno pêndulo liberdade versus segurança, parecemos fazer uma opção. O que esquecemos é que tanto a liberdade como a segurança têm lá seus riscos. A liberdade traz o risco de que inverdades sejam ditas; a segurança, o risco de que apenas certos tipos de inverdade possam ser ditos. E não acho que precisamos ir longe para saber disso, no Brasil atual. 

Alguém me definiu o projeto todo como um cava­lo de Troia. Nos preâmbulos, palavras amenas sobre a “liberdade”. “Garantir a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o fomento à diversidade.” Logo adiante, quando a lei passa aos comandos objetivos, a liberdade desaparece. Surgem aí o comitê, os códigos, as remoções e punições. É a lógica de decisões recentes sobre a censura, no Brasil de hoje. Na epiderme, a defesa da liberdade; um pouco abaixo, a tutela. Não é bom caminho. Mas reconheço que ele é perfeitamente adequado à nossa tradição. “Somos latinos, não anglo-saxões”, como me disse uma irritada interlocutora, tempos atrás, em um debate. Na hora, brinquei que não sabia se aquilo era uma crítica ou elogio. Mas no fundo acho que todos sabemos.

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA, edição nº 2840, de 10 de maio de 2023


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Novo ato força cúpula militar a explicar sua posição na crise - Folha de S. Paulo

 Igor Gielow

Cúpula fardada havia se reunido com o presidente na véspera, levando a dúvidas sobre suas intenções

O presidente Jair Bolsonaro fez seu novo ataque ao Legislativo e ao Judiciário exaltando o papel das Forças Armadas, que segundo ele estão “ao lado do povo”.  Não seria novidade, exceto por um detalhe: na véspera, o presidente havia se reunido com os três comandantes de Forças, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. No cardápio posto, segundo a assessoria de Azevedo, “uma avaliação do emprego das Forças Armadas na Operação de Combate ao Coronavírus, além de avaliação de determinados aspectos da conjuntura atual”.

[na reunião estavam presentes:
- Jair Bolsonaro, presidente da República;
- três ministros oriundos do Exército;
- ministro da Defesa - oficial, quatro estrelas, da ativa;
- três oficiais generais quatro estrelas,sendo o general-de-exército o comandante da Força Terrestre, o almirante-de esquadra, comandante da Marinha e o tenente-brigadeiro do ar comandante da Força Aérea Brasileira;
- Tema da reunião: “uma avaliação do emprego das Forças Armadas na Operação de Combate ao Coronavírus, além de avaliação de determinados aspectos da conjuntura atual”. Temas de imensa repercussão, grande seriedade, envolvendo vidas humanas e intervenções sofridas pelo Poder Executivo e que podem ser consideradas indevidas.[nota: o item intervenções sofridas é de inserção do Blog, por se enquadrar no 'aspectos da conjuntura atual'.) 
Qualquer cidadão com um mínimo do bom senso, há de concordar que um tema dessa natureza envolve a SEGURANÇA NACIONAL, o que desobriga todos que participaram da reunião ou tiveram acesso ao que foi tratado está obrigado a manter reserva.
NÃO EXISTE NORMA LEGAL ou qualquer que seja a classificação que obrigue os participantes daquele debate revelarem o que foi tratado. 
SEGURANÇA NACIONAL é SEGURANÇA NACIONAL.
Por óbvio nenhum dos presentes àquela reunião tem obrigação de dar satisfações a terceiros.] 

O demônio mora nos detalhes, no caso os tais determinados aspectos. Segundo a Folha ouviu de interlocutores de pessoas presentes ao encontro, o Supremo Tribunal Federal foi duramente criticado pelos presentes. O motivo, a decisão provisória de Alexandre de Moraes que inviabilizou a indicação de um amigo da investigada família Bolsonaro, Alexandre Ramagem, para a direção da Polícia Federal.

Isso significa que os generais deram amparo à nova intentona retórica do presidente? Aqui há divergências nos relatos disponíveis. A versão majoritária apontou a crítica fardada, que de resto já tinha sido feita ao considerar Judiciário e Congresso como forças a cercear o Executivo, mas nega que o presidente tenha sido encorajado a novamente desafiar os Poderes. Uma leitura alternativa diz que o presidente se sentiu autorizado a ultrapassar o sinal novamente.

No ato de 19 de abril, Dia do Exército, o simbolismo era óbvio, mas velado. Neste domingo (3), Bolsonaro encheu a boca para colocar as Forças Armadas no mesmo bloco que pedia a cabeça do presidente a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ataques ao Supremo e, de quebra, espancava jornalistas no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Isso abraçando na rampa do Planalto as bandeiras de Israel e dos EUA, além da brasileira, numa cacofonia caótica emulada pelas carreatas da morte vistas em algumas cidades do país.

A terceira leitura, aí feita por políticos, é a especulação acerca do entusiasmo dos militares com aventuras totalitárias. Isso hoje é improvável. Não se imagina a atual cúpula militar brasileira apoiando fechamento de Poderes, para ficar na caracterização de golpe. Além disso, não há apoio maciço ao governo na elite econômica, na imprensa e mesmo entre todos os ramos das Forças: Força Aérea e Marinha não têm o mesmo senso de comprometimento com a figura de Bolsonaro que o Exército, fiador de um capitão reformado e renegado.

Pior, os aviadores podem perder o único quinhão a que têm direito no governo, o Ministério da Ciência e Tecnologia, para o PSD, dentro da barganha comandada por Bolsonaro para afastar o fantasma do impeachment. Ainda assim, a contemporização feita por alguns oficiais ouvidos pela reportagem, de que Bolsonaro se excede sem consequências, fica cada dia mais difícil de ser aceita.

Um oficial-general disse confiar que a população em geral não vê os militares como radicais do bolsonarismo. Talvez, mas a fronteira está cada vez mais turva: ele mesmo admite que a associação é provável. Para complicar o enredo, um item altamente explosivo no cenário voltou a circular entre os observadores do panorama militar: a substituição do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. O assunto foi discutido por Bolsonaro em sua reunião no sábado com os comandantes.

Nem tanto por uma troca em si, de resto estranha com o comandante tendo pouco mais de um ano no posto, mas por quem seria o indicado por Bolsonaro: Luiz Eduardo Ramos. O general, que segue na ativa enquanto exerce a função no Palácio do Planalto, era talvez o mais bolsonarista dos integrantes do Alto Comando do Exército, a elite da elite militar.  Amigo de Bolsonaro quando ambos eram cadetes, dividindo dormitórios, ele sempre foi o número 2 de Azevedo, hoje ministro da Defesa e pivô da ala militar do governo.

Mas sua vinculação sempre foi especial com Bolsonaro. Sua eventual ida para o comando criaria exatamente o oposto do que o general otimista relatou: a ideia de um Exército liderado por uma aliado ideológico do presidente. Procurado, Ramos negou veementemente a informação. “Não sei de onde isso saiu. Tem uns seis generais mais longevos do que eu na fila”, disse à Folha.

De fato, o general só entra no quesito longevidade para poder assumir a Força no ano que vem. Isso não foi problema no passado: Eduardo Villas Bôas não era o mais longevo ao ser escolhido comandante do Exército por Dilma Rousseff (PT) em 2015. A retórica inflamada do presidente também tem a ver com o momento específico de seu governo, acumulando 7.000 mortos pelo novo coronavírus e sentindo a brisa do impeachment no ar. Espectro esse que ronda o Planalto, para ficar na figura de linguagem marxista tão ao gosto do bolsonarismo raiz.

Como disse um almirante, há incertezas demais para garantir que o presidente não será alvo de um processo de impedimento, apesar de seu um terço de apoio no eleitorado.  O nome da equação se chama Sergio Moro. O depoimento de quase nove horas do ex-ministro da Justiça a ouvintes bastante familiarizados com os métodos do ex-juiz da Lava Jato apavora os bolsonaristas. [depoente nervoso, tenso, e que não apresentou provas dos relatos que apresentou.] 

Qualquer pessoa que já tenha trocado uma mensagem de WhatsApp com Bolsonaro sabe que vulgaridades e sem-cerimônia são o padrão. 
Provas que o incriminem talvez estejam no rol também, a depender de como forem interpretadas as conversas. Isso, somado aos sortilégios que apurações sobre milícias e fake news insinuam sobre o clã presidencial, além do comportamento na condução da crise do coronavírus, alimentam o discurso de Bolsonaro.

O uso feito por Bolsonaro dos militares, ainda mais depois de estar cercado deles, explicita o real drama para a os fardados: a intrínseca conexão com a política, algo que conseguiram evitar durante boa parte do período pós-redemocratização.  O preço de imagem ainda é insondável, mas apenas o fato de serem questionados acerca de seus desígnios evidencia o tamanho do gênio que permitiram sair da garrafa ao se alinhar a Bolsonaro. Os militares terão de responder sobre o discurso golpista do presidente. [sic] 

Igor Gielow,  coluna na Folha de S. Paulo