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quarta-feira, 5 de maio de 2021

Aposta equivocada - Folha de S. Paulo

Quebrar patentes de vacinas não tornará mais célere a imunização no país

Se não há dúvidas quanto ao imperativo da imunização célere contra a Covid-19, a quebra de patentes das vacinas não se mostra, no entanto, uma aposta acertada. Após um vaivém na pauta, a proposta de rompimento temporário da garantia de exploração comercial exclusiva das farmacêuticas foi aprovada pelo Senado. O próximo passo se dará na Câmara.

Ocorre que uma eventual quebra de patentes não garante os ingredientes, a expertise e, tampouco, os equipamentos e tecnologias necessários para produzir vacinas. De alta complexidade, os imunizantes desenvolvidos pela Pfizer e pela Moderna (ambas dos EUA) empresas centrais na discussão da quebra de patentes— usam um pedaço de material genético (RNA) do novo coronavírus para levar à resposta imune do organismo. São vacinas de última geração. Dificilmente poderiam ser reproduzidas, mesmo nos laboratórios mais sofisticados do mundo, sem a devida transferência de tecnologia.

No Brasil, as duas vacinas contra a Covid-19 em produção —a Coronavac e a Oxford/Astrazeneca— derivam de técnicas conhecidas há um certo tempo. A primeira usa o vírus inativado para levar à produção de anticorpos, mesma estratégia usada para fabricar as vacinas contra a gripe. Já a segunda se baseia em um adenovírus de chimpanzé capaz de infectar células humanas, mas que, como não forma novos vírus, impede que a infecção progrida.

Os dois produtos foram viabilizados por meio de acordos de transferência de tecnologia. O país, no entanto, ainda patina para acelerar a produção em massa. O processo de imunização também padece de falta de campanhas, de orientação e de acompanhamento do Ministério da Saúde. São iniciativas bem mais simples do que quebrar patentes. Como noticiou a Folha, mais de meio milhão de vacinados com a Coronavac no primeiro mês de imunização no país perdeu o prazo da segunda dose. E pelo menos 16,5 mil vacinados tomaram doses de fabricantes diferentes —o que é considerado um erro vacinal, comprometendo a imunização.

A própria sinalização de intenção de quebra de patente pelo governo federal pode paralisar negociações de compra de imunizantes em andamento. Mais importante é aumentar a capacidade de produção dos produtos já acordados e avançar em compras, além de investir em pesquisa científica.

Opinião - Folha de S. Paulo

 

 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O presidente do Poder Judiciário: Gilmar Mendes

Ele está no posto porque sabe entender e atender melhor que ninguém os interesses materiais da casta que manda — de verdade — na vida pública do Brasil

Há hoje no Brasil um cargo que não está previsto em nenhum dos 250 artigos da Constituição Federal, nem em nenhuma de suas mais de 100 emendas, mas vale tanto como se estivesse, ou possivelmente mais: é o cargo, ou a função, de presidente do Poder Judiciário nacional.

Não se trata da cadeira de presidente do Supremo Tribunal Federal, que é preenchida por um sistema de rodízio e vai sendo ocupada por qualquer um dos onze ministros, mas qualquer um mesmo, à medida que chega sua vez. O cargo de presidente do Poder Judiciário é outra coisa, muitíssimo diferente: foi criado pouco a pouco, ao longo dos últimos anos, e serve para dar ao seu ocupante a tarefa de realmente mandar no STF e, por tabela, no resto do sistema de Justiça do país. Esse presidente do Judiciário é o ministro Gilmar Mendes.
Tudo o que tem alguma relevância para o Brasil, hoje em dia, depende dele — pois os dois outros poderes, progressivamente, foram entregando a sua autoridade para o STF, aceitaram uma posição explícita de subordinação e agora suas decisões não valem nada, ou o equivalente a nada, enquanto não forem aprovadas pelo Supremo. 
No caso do Congresso, essa submissão foi voluntária. 

No caso do Executivo não houve alternativa ou baixa a cabeça ou tem de virar a mesa. No fim das contas, dá na mesma. O que interessa na vida real é o seguinte: como é o ministro Gilmar quem de fato decide as coisas importantes no Tribunal, é nele que vale a pena prestar atenção. O resto é o resto.

Já não basta ao presidente da República, no Brasil de hoje, negociar com os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados para governar o país; mais do que com eles, é preciso negociar com Gilmar Mendes. Poucas vezes essa nova realidade ficou tão evidente como no caso da indicação do ministro que vai ocupar a vaga que acaba de ser aberta no STF. O presidente Jair Bolsonaro teve de ir à casa de Gilmar, como um solicitante, e obter a sua aprovação para o nome escolhido; é algo sem precedentes na história brasileira. O fato é que o dr. Kássio, o nome que Bolsonaro foi encontrar no Piauí e no Centrão para a vaga, e que conta com as orações mais devotas dos inimigos da Lava Jato e do seu combate contra a corrupção, só existe com a bênção de Gilmar.

Pouco interessa a opinião dos dez outros ministros — que, de qualquer forma, não têm autoridade legal nessa escolha ou do Senado, a quem cabe, oficialmente, aceitar ou recusar a indicação do presidente da República. O voto que conta, mesmo, é o de Gilmar. Ele ganhou, é verdade, um probleminha inesperado: o dr. Kássio, como se soube menos de uma semana após seu nome vir a público, copiou trechos inteiros do texto escrito por um amigo e advogado do Piauí naquilo que apresentou como a sua “tese” de doutorado na “Universidade Autônoma de Lisboa” — que, aliás, não tem nada a ver com a verdadeira Universidade de Lisboa, mas é um empreendimento particular que cobra “propinas” (é assim que eles chamam as anuidades) de uns € 4 mil por ano, ou coisa do gênero, de quem queira fazer algum curso por lá. Não é nada que o ministro Gilmar não possa resolver, é claro. Também é fato que o Senado engole qualquer coisa — aceitaria um chimpanzé para o STF, se recebesse a ordem de aceitar. Mas, ainda assim, será mais uma prova de seu comando a aprovação de um nome desses para ficar no Supremo pelos próximos trinta anos. Se consegue colocar lá dentro até o dr. Kássio, o que ele não conseguiria?

Os ministros do STF não foram colocados lá pelo Parlamento da Nova Zelândia

O ministro Gilmar não foi nomeado para o cargo de presidente do Poder Judiciário; também não foi imposto por ninguém, nem chegou lá por meio de alguma ilegalidade. Está no posto porque sabe entender e atender melhor que ninguém os interesses materiais da casta que manda — de verdade — na vida pública do Brasil. Ela é formada pelos políticos, sobretudo os que têm problemas com o Código Penal, a OAB e seus escritórios milionários de advocacia criminalista, os devedores do Erário, as empreiteiras de obras, o consórcio esquerda-direita-centrão, o alto funcionalismo público, os intelectuais orgânicos, a ladroagem em geral, a elite em seu modo mais extremo, a turma do ex-presidente Fernando Henrique, que o colocou no Supremo — enfim, vai pondo. Gilmar é, no fundo, o homem que realmente pode resolver os problemas dessa gente toda — e agora, como se comprovou com a indicação do novo ministro, também os problemas do presidente Bolsonaro. É o herói de todos eles porque se tornou, mais do que qualquer outra coisa, o garantidor número 1 da impunidade neste país — tem mandado soltar, como se fosse uma questão de princípio, qualquer acusado de corrupção que lhe passe pela frente, por conta daquilo que considera “ilegalidades processuais”. Fechou o jogo pelos quatro cantos.

O STF brasileiro, com esses onze ministros que estão lá hoje, não é fruto de um azar da natureza, como os terremotos e enchentes — é fruto das escolhas políticas que vêm sendo feitas no Brasil nos últimos trinta anos, das eleições dos presidentes da República às eleições de senadores e deputados federais. Seus ministros não foram colocados lá pelo Parlamento da Nova Zelândia. São o resultado direto e inevitável da vida política brasileira; é dali que saem, como Eva saiu da costela de Adão. Lula, Dilma, Bolsonaro? Temer, Aécio, Rodrigo Maia? Renan Calheiros, Davi Alcolumbre? Dá tudo na mesma. O STF que está aí é o STF que eles quiseram, e que a maioria dos políticos eleitos no Brasil quis. Não adianta achar que os responsáveis são outros — da mesma maneira que não adianta imaginar que o Supremo teria um comportamento decente se não fosse comandado por Gilmar. Os outros dez são mais ou menos iguais a ele — a diferença é que não sabem agir com a mesma eficácia.

Cada dia é um dia, é claro, e não existe nada definitivamente seguro debaixo da luz do sol. Mas a experiência tem mostrado que o homem decisivo é o ministro Gilmar. O novo presidente do STF, Luiz Fux, recém-chegado ao cargo, dá a impressão de estar tentando algo diferente — acaba de transferir para o plenário, por exemplo, a decisão sobre casos de corrupção hoje entregues à notória “Segunda Turma”, onde Gilmar reina diretamente. Levou o troco na hora. “Não faz sentido chegar do almoço e receber a notícia que tem [sic] uma reforma regimental que será votada”, disse Gilmar. “Não é assim que se procede.” Fazer isso, no seu entender, seria como baixar um “Ato Institucional”. Foi uma bronca e tanto; vamos ver, a partir de agora, até onde o ministro Fux vai chegar com sua independência. Um que tentou antes foi o ministro Luís Roberto Barroso — chegou a dizer em plenário que Gilmar era “uma pessoa horrível” e “uma desonra para todos nós”. De lá para cá, parece que baixou o facho; não se ouviu mais nada de relevante em que tivesse se colocado contra o presidente do Judiciário.

O ministro Gilmar Mendes não é nenhuma anomalia de circo, como a mulher barbada ou o bezerro de duas cabeças. É o retrato exato deste STF que está aí — e da Justiça brasileira tal como ela funciona hoje.


J.R. Guzzo, jornalista - Revista Oeste


quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Apertem os cintos - O Estado de S.Paulo

William Waack

Ninguém gosta de turbulência, mas não é uma grande causa de queda de avião

A maior lição de humildade para integrantes da minha profissão é o já clássico livro Superprevisões – a arte e a ciência de antecipar o futuro”, publicado em 2016 por Philip Tetlock e Dan Gardner. Uma das célebres conclusões da obra, apoiada em mais de 20 anos de material empírico, é a de que jornalistas (especialmente os de televisão) acertam na média menos prognósticos do que um chimpanzé atirando dardos numa parede onde estão escritas respostas para perguntas como “qual será o preço do barril do petróleo no fim do ano?(a taxa de acerto aleatória está em torno de 18%).

Claro que previsões só têm validade se respeitarem um limite de tempo – é fácil acertar a previsão “o mundo vai acabar”; a questão é acertar quando. Com toda humildade vamos, então, a alguns prognósticos para temas que devem ocupar espaço no noticiário. Donald Trump deve perder o voto popular nas eleições de novembro (Hillary Clinton já o havia derrotado por 3 milhões de votos em 2016), mas conseguirá se reeleger. Os eleitores anti-Trump já vivem em colégios eleitorais democratas como Nova York ou Califórnia. Portanto, seu voto é “desperdiçado” e a verdadeira batalha é em colégios eleitorais menores, no Meio-Oeste, onde dificilmente Trump decepciona os mesmos eleitores que lhe garantiram a vitória quase quatro anos atrás.

Brexit deve chegar a um acordo comercial com a União Europeia, que terá dois grandes desafios. Um deles é razoavelmente previsível: Angela Merkel não conseguirá segurar sua frágil coligação, complicando a difícil questão de como dar um “reset” na relação com a Rússia, uma forma que o presidente francês vem propondo para redefinir o papel da Europa frente ao que foi (e promete continuar sendo) o fenômeno Trump + populistas (vão continuar fortes). Se parecer melhor, o prognóstico é mais do mesmo.

Vale também para a grande relação geopolítica do século, entre China e Estados Unidos, na qual a guerra comercial é apenas uma manifestação de uma pergunta para a qual ninguém até agora conseguiu produzir uma resposta convincente: o surgimento de uma super potência como a China, contestando o papel hegemônico dos Estados Unidos, será pacífico ou acompanhado (como historiadores clássicos sugerem) por confronto militar? Mas não é nada difícil prever que a China se tornará (se já não é) a principal potência das telecomunicações, com sérias consequências para o resto do mundo.

Protestos, descontentamentos e turbulência devem prosseguir na América Latina. A frustração e as manifestações mais ou menos violentas não escolheram ou pouparam perfis ideológicos dos diversos governos, no que parece ser uma expressão de ampla insatisfação de populações que “percebem” seu atraso relativo frente ao resto do mundo e consideram que seus mandatários não são capazes de dar respostas convincentes e em prazo rápido a demandas populares.

E o Brasil? Meu prognóstico é mais do mesmo. A economia vai andar melhor, o que é pouco para o grande desafio de um País aprisionado na armadilha da renda média. A onda disruptiva de 2018 partiu-se em suas diversas correntes, o que promete um cenário político “estável” no fracionamento das forças políticas e, portanto, na incapacidade de um só grupo se afirmar como dominante. O esforço de levar adiante reformas será grande e caminhará de forma lenta tanto pela notória resistência oferecida pelas corporações que tomaram o Estado brasileiro mas, em boa medida, também pela opção política do governo de não consolidar uma base tipo “tropa de choque” no Congresso.

Será turbulento. Apertem os cintos e um bom voo para todos nós em 2020. Turbulência não costuma derrubar avião.
 
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo