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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Calma que o dólar é manso



Há uma diferença enorme nas contas externas. Em 2002, Brasil era devedor em dólares. Hoje, é credor

Iniciado o ano eleitoral de 2002, o dólar estava na casa de R$ 2,30. Oscilou bastante desde então, mas sempre em tendência de alta. Em julho, bateu e superou os R$ 3. No fim de setembro e início de outubro, foi negociado em alguns momentos acima dos R$ 4.
Era o medo de Lula. Ao longo do ano, ficou claro que Lula seria eleito presidente — e tudo que o PT falava de política econômica indicava um desmonte do real, mais calotes na dívida externa e interna. Logo, o negócio era comprar dólares e, quem podia, deixar o mercado local.

Foi quando Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro, comprometendo-se a manter toda a política do real. Ou seja, prometeu ser ortodoxo em economia, e Antonio Palocci circulava pelos mercados jurando que seria assim.  A mensagem pegou, e a prática do primeiro governo Lula, com a equipe econômica mais ortodoxa da história recente, manteve a estabilidade das regras e dos contratos. Nisso, Lula iniciou seu governo com a moeda americana a R$ 3,50. No fim do primeiro ano, já estava na casa de R$ 2,80. Concluído o primeiro mandato, dezembro de 2006, o dólar estava valendo R$ 2,13. Para encurtar a história, no fim do segundo mandato, dezembro de 2010, a dólar valia um ridículo R$ 1,66.

Era a farra das viagens internacionais (a bolsa Miami), o consumo acelerado, Lula pai dos pobres e eleitor do poste Dilma. Não foi apenas a política econômica, claro. Os países emergentes tiveram uma década de ouro. Preços das commodities (petróleo, minério de ferro, alimentos, como a soja) dispararam com o crescimento mundial e, especialmente, com a demanda chinesa. Com as taxas de juros muito baixas nos países desenvolvidos, investidores buscaram negócios no mais arriscado porém mais rentável mundo emergente. Choveram dólares neste lado do mundo, as moedas locais se valorizaram, dando aquela sensação de riqueza. A indústria, o agronegócio e todos os produtores nacionais odiavam a taxa de câmbio, mas os consumidores estavam adorando.
Aí vieram a era Dilma e a nova matriz. Tendo iniciado com o dólar bem abaixo de R$ 2, a ex-presidente deixou o poder com a moeda americana acima de R$ 3,50, tendo batido nos R$ 4 em alguns momentos.

Agora, estamos de novo em ano eleitoral, Lula está de novo na parada, de um modo ou de outro, e o dólar voltou aos R$ 4. Está passando disso.  Mas a história hoje é diferente. Primeiro, os R$ 4 de 2002 valiam mais. Fazendo um cálculo simples, considerando a inflação brasileira e a americana, a taxa de câmbio equivalente seria hoje de R$ 7,20 por dólar. Comparando, pois, com o ambiente de 2002, o dólar hoje a R$ 4 está, digamos, barato.  O estresse eleitoral é intenso, como antes. Mas há uma diferença enorme nas contas externas. Em 2002, o Brasil era devedor em dólares. Hoje, é credor — quer dizer que as reservas, US$ 380 bilhões, são superiores ao total da dívida externa e muito mais que a dívida externa pública. Além disso, o comércio externo tem saldo positivo, graças à recuperação dos preços de commodities.

O problema do país está no desastre das contas públicas e isso explica boa parte da falta de confiança. Mas não há falta de dólares.  A subida da moeda americana se explica, de um lado, pela alta dos juros nos EUA e, de outro, pela incerteza eleitoral. Contra a alta de juros lá, não há o que fazer a não ser adaptar-se. E a incerteza eleitoral, bem está aí — e só vai passar quando despontar um candidato com uma política econômica clássica e voltada para o controle das contas públicas. Mas, acreditem, dólar a quatro, hoje, é menos complicado do que parece.

‘Competitivo’
Alguns candidatos, como Ciro e Haddad, pregam uma taxa de câmbio competitiva. Eles não dizem, mas isso quer dizer dólar caro ou real desvalorizado, para ajudar a produção local. É curioso que o PT volte a isso, à heterodoxia, quando o sucesso de Lula foi justamente o dólar baratinho, o real superforte, que deu aquela inesquecível sensação de bem-estar. O que também explica os 39%.



quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Justiça penhora casa de R$ 6,4 milhões de Romário para dívidas

 Romário tem casa na Barra penhorada para pagar dívida

Candidato não declarou ser dono de imóvel; R$ 6,4 milhões da compra saíram de conta que ele movimenta para a irmã



A Justiça determinou a penhora de uma casa do candidato do Podemos ao governo do Rio, Romário, como garantia do pagamento do montante devido a um credor. O imóvel, comprado por R$ 6,4 milhões, fica em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Também foram penhorados R$ 4,8 milhões que Zoraidi de Souza Faria, irmã do senador e também ré no processo, mantém em um plano de previdência privada no Banco do Brasil.

Procurado na segunda-feira, via assessoria, Romário não respondeu. Ele tem negado irregularidades. No início do mês, ao se lançar candidato ao governo, ele citou as suspeitas de ocultar patrimônio:  — O dinheiro é meu, consegui com meu suor. O meu dinheiro dou para quem quiser. Dou para minha irmã, para minha mãe, para o meu irmão. Não tem R$ 1 de dinheiro público aí. Está tudo declarado no Imposto de Renda da minha mãe e da minha irmã — afirmou.

A casa não aparece na lista de bens entregue pelo senador ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi declarada por Zoraidi à Receita Federal. Quando a existência do imóvel foi divulgada pelo GLOBO, em fevereiro, a antiga proprietária, a advogada Adriana Sorrentino, contou que tinha feito a venda para Romário. Um vizinho também relatou que o imóvel, que foi reformado, pertence ao candidato. 

O dinheiro foi transferido a Adriana por meio de uma conta de Zoraidi em uma agência do Banco do Brasil em Brasília Romário tem uma procuração para movimentar a conta. As cotas do IPTU também vêm sendo pagas da mesma maneira. Um relatório de maio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, identificou indícios de lavagem de dinheiro em operações financeiras do senador. O documento aponta a suspeita de que ele administra a conta em nome da irmã com o “intuito de ocultar” a própria movimentação de recursos.  Sobre o plano de previdência de Zoraidi, a Justiça entendeu que os recursos são do próprio Romário, como parte da estratégia de ocultação do patrimônio para evitar o pagamento de dívidas. Em 2015 e 2016, Zoraidi recebeu R$ 10 milhões em empréstimos: R$ 4 milhões do senador e R$ 6 milhões da RSF, empresa cujos donos no papel são a mãe e o pai de Romário.

O candidato declarou à Justiça eleitoral um patrimônio de R$ 5,5 milhões — com a casa, os bens cresceriam em 116%. O senador também tem participações societárias, um apartamento e créditos de empréstimos —não está especificado quem são os devedores dos recursos.


APARTAMENTOS LEILOADOS
Em um dos processos a que Romário responde, a dívida com o credor está em cerca de R$ 20 milhões. O mérito da questão já foi decidido, e a ação está na fase da execução do pagamento. Com a dificuldade para encontrar bens em nome do senador e recursos em contas bancárias dele, o cerco judicial se ampliou. Dois apartamentos na orla da Barra da Tijuca, no mesmo condomínio onde Romário mora, já foram leiloados, arrecadando R$ 2,8 milhões. Os imóveis ainda estavam em nome da construtora que os vendeu ao candidato.
Cinco carros de luxo, em nome da mãe e da irmã do senador, também já foram penhorados, em um total de R$ 1,4 milhão — dois destes veículos foram apreendidos no mês passado. A Justiça ainda penhorou uma lancha, registrada por Zoraidi, que fica na Marina da Glória.

 

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Vãs tentativas

A última tentativa da defesa do ex-presidente Lula no julgamento do recurso contra sua condenação  por corrupção passiva e lavagem de dinheiro é pedir, alternativamente à absolvição, a prescrição dos crimes, que teriam acontecido em 2009.  No entanto, na sentença condenatória, o Juiz Sérgio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho. 

Foi, portanto, escreveu Moro,um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente. Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime.  A defesa já fizera uma tentativa de sustar o julgamento devido à penhora do triplex do Guarujá por uma juíza de Brasília, que é exemplar da maneira como o caso está sendo politizado pela defesa.A juíza Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execuções de Títulos Extrajudiciais do Distrito Federal, apresentada pelos blogs petistas como apoiadora nas redes sociais do PSDB e, portanto, isenta na decisão que supostamente dava uma prova inconteste de que o triplex não era de Lula, e sim da OAS, teve que divulgar uma nota oficial para colocar as coisas em seus devidos lugares.

Começou esclarecendo que
“a penhora do imóvel triplex, cuja propriedade é atribuída ao ex-presidente da República na Operação Lava Jato, atendeu a pedidos dos credores em ação de execução proposta contra a OAS Empreendimentos SA e outros devedores”.

 Ela ressalta em sua nota que “(...) que cabe ao credor, e não ao Judiciário, a indicação do débito e bens do devedor que serão penhorados e responderão pelo pagamento da dívida, conforme o atual Código de Processo Civil.”  Esse procedimento, evidentemente, não pode ser desconhecido pelos advogados de Lula, que mesmo assim decidiram levar adiante a farsa como se a Juíza tivesse escolhido, entre os imóveis da construtora OAS, aqueles que seriam penhorados.

A Juíza explicou em sua nota que “tal decisão não emitiu qualquer juízo de valor a respeito da propriedade, e nem poderia fazê-lo, não possuindo qualquer natureza declaratória ou constitutiva de domínio. Trata-se de ato judicial corriqueiro dentro do processo de execução cível, incapaz de produzir qualquer efeito na esfera criminal”.   Esse também é um esclarecimento que não precisaria ser dado a advogados minimamente competentes.  Além de tudo, o imóvel não é nem mais da OAS, pois foi confiscado na sentença de condenação do ex-presidente pelo Juiz Sérgio Moro, está sequestrado criminalmente, sequer poderia ter sido penhorado. Por isso, já foi retirado da lista de imóveis passíveis de penhora.

Como se sabe, a acusação contra o ex-presidente não é de que a propriedade formal do triplex seja dele, e sim que, ao contrário, ele seria o proprietário de fato, com situação encoberta por artifícios justamente para esconder o produto de um crime. Daí a condenação por lavagem de dinheiro. Mesmo assim, os advogados do ex-presidente apresentaram o termo de penhora e a matrícula atualizada do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá onde consta certidão sobre o empenho, como se esses documentos reforçassem a tese de que a “propriedade do imóvel não apenas pertence à OAS Empreendimentos — e não ao ex-presidente Lula —, como também que ele responde por dívidas dessa empresa na Justiça”.

Outra prova (sem trocadilho) de que os apoiadores de Lula estão tontos, em busca de uma saída contra a condenação, é a mudança do mantra que vinham repetindo há meses. Agora, em vez de “cadê as provas?”, histericamente brandido como argumento irrefutável, afirmam simplesmente que “não há crime”.  Deram-se conta tardiamente de que argumentar que não há provas implicitamente é uma admissão da possibilidade de que Lula não seja inocente, apenas não se consegue apanhá-lo por falta de provas.

Por fim, há os que alegam que um triplex no Guarujá, quase um imóvel do programa popular Minha Casa, Minha Vida, como o próprio Lula já o classificou, seria muito pouco para justificar a condenação de um ex-presidente da República, um líder popular como Lula. Ora, Al Capone também foi preso por sonegação do imposto de renda, e não pelos seus maiores crimes. Além disso, Lula responde por vários outros processos, e não apenas em Curitiba. 


Merval Pereira - O Globo