Romário teria ocultado patrimônio milionário para driblar credores; senador nega
Justiça identifica bens do senador em nome de terceiros; objetivo era burlar dívidas
[Com pequenas diferenças Romário se espelha em Lula: quando questionado diz que os imóveis não são dele; outras vezes diz que a dívida não é da pessoa física Romário Faria e sim de suas empresas.]
O senador
Romário (Podemos-RJ) ocultou uma parcela milionária do seu patrimônio
nos últimos anos para evitar o pagamento de dívidas reconhecidas
pela Justiça. Dois apartamentos na Praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio,
já foram identificados em juízo e vão ser usados para amortizar parte do que é
devido pelo ex-jogador. Uma casa em um condomínio de luxo no mesmo bairro e um
carro importado deverão ser os próximos da lista. Os bens mapeados — todos
estiveram ou ainda estão oficialmente registrados em nome de terceiros — são
avaliados em R$ 9,6 milhões.
Romário segue o exemplo de Lula ao declarar que os imóveis e carros não são seus - só que com Lula não está dando certo e com Romário também não vai funcionar
Um
levantamento feito pelo GLOBO nas ações, em cartórios e junto à Procuradoria da
Fazenda Nacional revela que Romário e duas de suas empresas são cobrados por
pelo menos R$ 36,7 milhões em dívidas com a União, outras empresas e pessoas
físicas. O mecanismo para esconder bens e burlar credores foi explicitado pela
juíza Érica de Paula Rodrigues da Cunha, da 4ª Vara Cível da Barra, ao analisar
o caso dos imóveis localizados na orla da Barra. “O expediente é tal flagrante
que não pode ser ignorado. Não é preciso maior dilação para se concluir pela
ocultação de patrimônio para fraudar credores”, escreveu a magistrada em
despacho de outubro do ano passado.
Documento da Justiça - reprodução
Os dois
apartamentos em questão foram comprados pelo senador em 2005 e quitados em
2008. Até 2016, no entanto, permaneceram registrados em nome da construtora
Cyrela. Instada por um dos credores de Romário, a Justiça determinou que a
empresa revelasse a identidade do real proprietário. A Cyrela, então, informou
que os imóveis pertenciam à Romário Sports Marketing, firma que tem o senador
como principal sócio. Só depois do questionamento judicial as certidões dos
apartamentos foram atualizados em cartórios, citando um contrato de gaveta de
2005 que celebrava a venda para Romário. A Cyrela ajudou o senador em eleições.
Somadas as campanhas de 2010, quando foi eleito deputado federal, e 2014,
quando virou senador, Romário recebeu R$ 100 mil em doações de empresas que têm
a construtora entre as sócias.
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A Cyrela
disse, em nota, que caberia ao comprador do imóvel solicitar o registro. A
empresa acrescentou que prestou as informações à Justiça e, sobre as doações
eleitorais, afirmou que foram realizadas “dentro dos ditames legais”. No fim do
ano passado, os dois apartamentos foram leiloados para quitar parte da dívida
do senador com a Koncretize, empresa que prestou serviços para o extinto
restaurante Café do Gol, que Romário manteve na Barra entre o final dos anos
1990 e o início dos anos 2000. Em dezembro, um empresário arrematou ambos: um
por R$ 1,4 milhão, e o outro por R$ 1,46 milhão. Em resposta aos
questionamentos, o senador afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que a
reportagem estava “confundindo a pessoa jurídica Romário Sports Marketing com a
pessoa física Romário de Souza Faria”. Ele acrescentou: “Como vocês próprios
falaram, os imóveis não são meus, pertenciam à empresa”.
No
documento público mais recente a respeito de seus bens — a declaração enviada
em 2014 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) —, o senador afirmou ser dono de
99% do capital da Romário Sports Marketing. Ele estipulou em R$ 99 mil o valor
de sua participação na empresa — só os dois imóveis que compunham o patrimônio
da firma valiam R$ 2,86 milhões, de acordo com o valor arrecadado no leilão. O
senador, na época da campanha, fixou em R$ 1,3 milhão o valor total dos seus
bens.
Em outra
movimentação no mercado imobiliário, Romário, já no Senado, comprou uma casa em
um condomínio fechado na Barra. O imóvel foi vendido no final de 2015 por
Adriana Sorrentino Borges, ex-mulher do ex-jogador Edmundo. Ela não revelou os
valores envolvidos na transação — a prefeitura avalia o bem em R$ 6,4 milhões,
de acordo com uma certidão obtida em cartório. No entanto, ao ser perguntada se
vendeu a casa para o senador, não deixou dúvida. — Eu
vendi para ele (Romário) — disse Adriana, por telefone.
Ela afirmou
que o imóvel está registrado em seu nome porque a compra ainda não foi quitada.
A Justiça deverá notificar Adriana nas próximas semanas para que ela, de
maneira oficial, informe para quem vendeu a casa. Segundo o vizinho do imóvel,
o senador tem usado a casa para eventos. — Ao
fazer 50 anos, o senador Romário fez uma festa grande aqui — lembrou o
empresário Francisco Cesare, citando um episódio de janeiro de 2016.
Cesare
também se queixa dos prejuízos que a obra provocou em seu próprio imóvel, como rachaduras.
A prefeitura abriu um processo administrativo e identificou que uma ampla
reforma começou a ser feita sem que houvesse licenciamento. A obra, que estava
em pleno andamento no último dia 15, quando o condomínio foi visitado pela
reportagem, chegou a ser embargada, mas a proibição foi ignorada. O vizinho
contou que procurou Adriana para alertá-la dos transtornos provocados, e ela
disse que falaria com um “assistente do senador”.
Documentos
anexados a este procedimento administrativo na prefeitura vinculam ainda mais a
casa ao senador. Comprovantes revelam que parcelas do IPTU de 2017 foram pagas
por Zoraidi de Souza Faria, irmã de Romário. O dinheiro foi transferido por
meio de uma conta no Banco do Brasil da qual Zoraidi é a titular. A agência em que
a conta está registrada fica em Brasília, no térreo do edifício principal da
Câmara dos Deputados. Por meio de uma procuração consignada no cartório do 18º
Ofício de Notas, na Barra, em abril de 2015, Zoraidi deu a Romário “amplos,
gerais e ilimitados poderes” para movimentar a conta.
ROMÁRIO:
“A CASA NÃO É MINHA”
Apesar
das evidências, Romário nega ser o proprietário: “Eu não adquiri nenhum imóvel.
Não comprei a casa e nem estou comprando. Não há o que se falar em pagamentos
feitos por mim”. Ao ser perguntado sobre o motivo de o IPTU estar sendo pago
pela irmã, o senador se esquivou: “Se está no nome da Zoraidi, como vocês
alegam, a pergunta deveria ser feita a ela e não a mim”.
O senador
também foi perguntado sobre o motivo de uma obra que não foi licenciada pela
prefeitura estar em andamento na casa. “A casa não é minha, como vou saber?”,
retrucou.
O Porsche em nome da irmã
Colecionador
de carros vigorosos — já usou uma Ferrari e um jipe Hummer para circular pelo
Rio —, o senador Romário (Podemos-RJ) tem na frota atual um Porsche Macan
Turbo, ano 2014, avaliado em cerca de R$ 350 mil. O veículo está registrado em
nome de Zoraidi de Souza Faria, irmã de Romário, e é parte do patrimônio oculto
que poderá ser usado para saldar as dívidas do ex-jogador.
Desde
dezembro de 2014, o carro já recebeu 67 multas no Rio, a maioria por excesso de
velocidade. Do total de infrações, 53 foram registradas na Barra da Tijuca,
bairro onde Romário fica quando está na cidade. Nos últimos cinco anos, prazo
máximo de consulta disponível no site do Detran-RJ, Zoraidi acumulou 710 pontos
na carteira de habilitação — a suspensão do direito de dirigir acontece quando
20 pontos são obtidos no período de um ano. Nos últimos 12 meses, foram 46
pontos.
Em
consequência do vasto repertório de irregularidades no trânsito, o sistema do
Detran-RJ aponta oito notificações para que Zoraidi entregasse a habilitação.
Não havia, no entanto, em uma consulta feita no site do órgão na sexta-feira,
registro de que ela tenha entregue o documento sequer uma vez. Em agosto
do ano passado, o jornal “Extra” fotografou Romário saindo de uma boate na
Gávea, Zona Sul, e entrando no carro que está em nome da irmã. O senador foi
questionado sobre o motivo de usar um carro registrado em nome da irmã e alegou
que não há nada que vede a prática: “Há algum impedimento de usar o carro
emprestado da minha irmã? Não há nada que impeça ou proíba andar ou dirigir
carro de terceiros”, afirmou, por meio da assessoria de imprensa.
Na ação a
que responde por prejuízos causados a um antigo vizinho, quando morava no
condomínio Golden Green, na Barra, Romário chegou a ser multado por ter
transferido uma Ferrari para o nome da então mulher quando já havia sido
condenado e a forma de pagamento da dívida estava sendo discutida. O senador
conseguiu uma medida cautelar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendendo
a multa, mas o mérito da questão ainda não foi discutido na corte.
Zoraidi
foi procurada por dois dias e não retornou aos recados. Na sexta-feira,
desligou o telefone quando o repórter se identificou. Por mensagem, ela foi
informada sobre o tema da reportagem. Em 2016, a irmã de Romário conseguiu um
emprego na Organização Social Ecos, que administrava uma Vila Olímpica da
Prefeitura do Rio. A responsável pelo contrato era a Secretaria Municipal de
Esporte, cujo titular à época era Marcos Braz, indicado por Romário.
Outro lado
O GLOBO
enviou perguntas ao senador Romário na sexta-feira, dia 16 de fevereiro. Veja a
seguir as respostas enviadas pela assessoria de imprensa do senador por e-mail.
Romário
negou ser proprietário de uma casa em condomínio na Barra da Tijuca e afirmou
que doou um imóvel (leiloado posteriormente) para a filha Ivy. Não há documento
público que faça referência à transferência.
O GLOBO: Documentos públicos oficiais
mostram que o senador Romário era dono, desde 2005, de dois apartamentos em
condomínio localizado na Praia da Barra da Tijuca. No entanto, os dois imóveis
só foram transferidos da construtora Cyrela para a empresa Romário Sports
Marketing em 2016. Por que o senador demorou 11 anos para incorporar
oficialmente os dois imóveis ao seu patrimônio?
ROMÁRIO:Vocês estão confundindo a pessoa
jurídica Romário Sports Marketing com a pessoa física Romário de Souza Faria.
Como vocês próprios falaram, os imóveis não são meus. O imóvel pertencia à
empresa Romário Sports Marketing.
O GLOBO: Em um despacho de um dos
processos movidos pela Koncretize contra o senador Romário, a juíza afirma o
seguinte: "Sendo certo que apenas em 2016 foram localizados dois imóveis
adquiridos em 2005 por Romário Marketing Ltda, representada pelo segundo
executado, que, apesar da quitação do preço, continuaram em nome de terceiros,
evidenciando a intenção de fraudar credores". A demora em transferir os
imóveis para o patrimônio do senador teve, como afirmou a juíza, a intenção de
evitar o pagamento de valores que já haviam sido determinados pela Justiça?
ROMÁRIO: O imóvel foi doado para Ivy
(filha de Romário) antes das penhoras. Totalmente legalizado.
O GLOBO: O senador Romário tem outros
imóveis no mesmo condomínio localizado na Praia da Barra da Tijuca?
ROMÁRIO: O imóvel não é meu e nunca foi.
Pertence às empresas.
O GLOBO: Em 2016, o senador Romário comprou
uma casa localizada em outro condomínio na Barra da Tijuca. Há uma obra em
andamento, e testemunhas dizem que Romário passou o último réveillon na casa.
Por que esse imóvel ainda está em nome da ex-proprietária, a senhora Adriana
Sorrentino Borges de Souza?
ROMÁRIO: Eu não adquiri nenhum imóvel.
O GLOBO: Por que o IPTU desta casa está
sendo pago pela senhora Zoraidi de Souza Faria, irmã do senador Romário?
ROMÁRIO: Como já foi dito, não possuo
qualquer relação com esta casa. Portanto, não tenho como responder nenhuma
pergunta relacionada a este imóvel. Se está no nome da Zoraidi, como vocês
alegam, a pergunta deveria ser feita a ela e não a mim.
O GLOBO: Como o senador fez o pagamento
referente à compra da casa? À vista? Algum valor foi parcelado? Quais os
valores e as datas de quitação das parcelas?
ROMÁRIO: Não comprei a casa e nem estou
comprando. Não há o que se falar em pagamentos feitos por mim.
O GLOBO: Um processo administrativo da
prefeitura do Rio mostra que a obra foi embargada, em função da falta de
licenciamento, mas uma vistoria posterior registrou que o embargo não foi
respeitado. Por que não houve o pedido de licenciamento para que a obra pudesse
ser feita?
ROMÁRIO: A casa não é minha, como vou
saber?
O GLOBO: Por que um dos veículos usados
pelo senador Romário, o Porsche placa KQT 6226, está registrado no nome da irmã
do senador, a senhora Zoraidi de Souza Faria?
ROMÁRIO: Há algum impedimento de usar
carro emprestado da minha irmã? Não há nada que impeça ou proíba andar ou
dirigir carro de terceiros.
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