Há uma diferença enorme nas contas externas. Em 2002, Brasil era devedor em dólares. Hoje, é credor
Iniciado
o ano eleitoral de 2002, o dólar estava na casa de R$ 2,30. Oscilou bastante
desde então, mas sempre em tendência de alta. Em julho, bateu e superou os R$
3. No fim de setembro e início de outubro, foi negociado em alguns momentos
acima dos R$ 4.
Era o
medo de Lula. Ao longo do ano, ficou claro que Lula seria eleito presidente — e
tudo que o PT falava de política econômica indicava um desmonte do real, mais
calotes na dívida externa e interna. Logo, o negócio era comprar dólares e,
quem podia, deixar o mercado local.
Foi
quando Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro, comprometendo-se a manter toda
a política do real. Ou seja, prometeu ser ortodoxo em economia, e Antonio
Palocci circulava pelos mercados jurando que seria assim. A
mensagem pegou, e a prática do primeiro governo Lula, com a equipe econômica
mais ortodoxa da história recente, manteve a estabilidade das regras e dos
contratos. Nisso,
Lula iniciou seu governo com a moeda americana a R$ 3,50. No fim do primeiro
ano, já estava na casa de R$ 2,80. Concluído o primeiro mandato, dezembro de
2006, o dólar estava valendo R$ 2,13. Para encurtar a história, no fim do
segundo mandato, dezembro de 2010, a dólar valia um ridículo R$ 1,66.
Era a
farra das viagens internacionais (a bolsa Miami), o consumo acelerado, Lula pai
dos pobres e eleitor do poste Dilma. Não foi
apenas a política econômica, claro. Os países emergentes tiveram uma década de
ouro. Preços das commodities (petróleo, minério de ferro, alimentos, como a
soja) dispararam com o crescimento mundial e, especialmente, com a demanda
chinesa. Com as taxas de juros muito baixas nos países desenvolvidos,
investidores buscaram negócios no mais arriscado porém mais rentável mundo
emergente. Choveram dólares neste lado do mundo, as moedas locais se
valorizaram, dando aquela sensação de riqueza. A
indústria, o agronegócio e todos os produtores nacionais odiavam a taxa de
câmbio, mas os consumidores estavam adorando.
Aí vieram
a era Dilma e a nova matriz. Tendo iniciado com o dólar bem abaixo de R$ 2, a
ex-presidente deixou o poder com a moeda americana acima de R$ 3,50, tendo
batido nos R$ 4 em alguns momentos.
Agora,
estamos de novo em ano eleitoral, Lula está de novo na parada, de um modo ou de
outro, e o dólar voltou aos R$ 4. Está passando disso. Mas a
história hoje é diferente. Primeiro, os R$ 4 de 2002 valiam mais. Fazendo um
cálculo simples, considerando a inflação brasileira e a americana, a taxa de
câmbio equivalente seria hoje de R$ 7,20 por dólar. Comparando, pois, com o
ambiente de 2002, o dólar hoje a R$ 4 está, digamos, barato. O
estresse eleitoral é intenso, como antes. Mas há uma diferença enorme nas
contas externas. Em 2002, o Brasil era devedor em dólares. Hoje, é credor —
quer dizer que as reservas, US$ 380 bilhões, são superiores ao total da dívida
externa e muito mais que a dívida externa pública. Além disso, o comércio
externo tem saldo positivo, graças à recuperação dos preços de commodities.
O
problema do país está no desastre das contas públicas e isso explica boa parte
da falta de confiança. Mas não há falta de dólares. A subida
da moeda americana se explica, de um lado, pela alta dos juros nos EUA e, de
outro, pela incerteza eleitoral. Contra a
alta de juros lá, não há o que fazer a não ser adaptar-se. E a incerteza
eleitoral, bem está aí — e só vai passar quando despontar um candidato com uma
política econômica clássica e voltada para o controle das contas públicas. Mas,
acreditem, dólar a quatro, hoje, é menos complicado do que parece.
‘Competitivo’
Alguns
candidatos, como Ciro e Haddad, pregam uma taxa de câmbio competitiva. Eles não
dizem, mas isso quer dizer dólar caro ou real desvalorizado, para ajudar a
produção local. É curioso
que o PT volte a isso, à heterodoxia, quando o sucesso de Lula foi justamente o
dólar baratinho, o real superforte, que deu aquela inesquecível sensação de
bem-estar. O que também explica os 39%.
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