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domingo, 21 de abril de 2019

O 'Pacificador' pôs fogo no STF

Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo prometendo 'pacificação'. Ninguém poderia supor que sua conduta provocaria tantos incêndios 

A promessa de Toffoli era parolagem, mas ninguém esperava tantos incêndios

O ministro José Antonio Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal prometendo “pacificação” na corte e oferecendo um “pacto” aos demais poderes. Era parolagem típica de Brasília, mas ninguém poderia supor que sua conduta posterior provocasse tantos incêndios. Conflagrou o tribunal, confrontou-se com a Procuradoria-Geral da República e se tornou um defensor da censura com argumentos conceitualmente desastrosos e factualmente inconsistentes.

Como diria Lula, nunca na história deste país um ministro do Supremo Tribunal Federal defendeu a censura com tamanha insistência e indigência. Nem quando o STF sacramentava a censura dos generais, pois os ministros pouco falavam. Graças aos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, a piromania foi contida. O ministro Alexandre de Moraes revogou a censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé, e é de se esperar que Toffoli sossegue em sua pregação desconexa. Fica faltando limar a truculência de um inquérito escalafobético que saiu por aí apreendendo computadores nas casas dos outros.

O ministro Moraes constrangeu um cidadão argumentando que ele fez propaganda de “processos violentos e ilegais para a alteração da ordem política e social”. Uau. Quem seria esse Che Guevara? Era o general da reserva Paulo Chagas, que “defendeu a criação de um tribunal de exceção para julgamento dos ministros do STF ou mesmo para substituí-los”. Chagas tem suas ideias e foi candidato ao governo do Distrito Federal. Teve 110 mil votos (7%), ficou em quarto lugar e não foi ao segundo turno. O que ele propôs é farofa no bufê dos ventos políticos de hoje. Um filho do presidente já disse que para fechar o STF bastam “um cabo e um soldado”. (Em janeiro, Chagas postou que “o Brasil não é uma monarquia e a família Bolsonaro não é a família imperial”.)
 
[apesar das inúmeras afirmações, até mesmo provas, de que  no Brasil atual o  cidadão tem liberdade de expressar suas opiniões, há exceções.
As imagens abaixo são eloquentes: 
 

Comunismo e esquerda mataram mais de 100.000.000 de inocentes

A FOICE E O MARTELO SÍMBOLOS DO PIOR FLAGELO DA HUMANIDADE.  
 
 REPRESENTAM A OPRESSÃO A TORTURA E MORTE DE BILHÕES DE SERES HUMANOS AINDA HOJE E NO BRASIL EXISTEM HORDAS DE COMUNISTAS TRAMANDO PELA QUEDA DA NOSSA DEMOCRACIA EM PROL DESTA TIRANIA ASSASSINA E MENTIROSA.
 
 

O NAZISMO MATOU 6 MILHÕES DE PESSOAS, O COMUNISMO MATOU 100 MILHÕES E CONTINUA MATANDO... PORQUE A SUÁSTICA ESTA PROÍBIDA E A FOICE E O MARTELO CONTINUAM LIVRES???]

Tudo isso são opiniões e ouvi-las (ou não) é o jogo jogado. Durante a ditadura do século passado que Chagas defende, a Justiça Militar mandou para a cadeia o historiador Caio Prado Jr. por ter dado uma entrevista inócua a um jornalzinho de estudantes. Na época, o que a ditadura queria era intimidar o meio acadêmico. A crise do Supremo das últimas semanas teve uma peculiaridade. Pela primeira vez ela saiu de dentro do tribunal, contaminando o meio externo. Em todas as outras ocasiões a encrenca, grande, vinha de fora. Agora havia um mal-estar lá dentro e a partir dele criou-se a crise. Não se pode dizer que fosse um problema dos 11 ministros. Seriam três ou quatro, no máximo. Em algum lugar há uma fonte emissora de radioatividade. Nada melhor que a luz do sol para procurá-la.

PAPÉIS DE BOBOS
Pode-se fazer tudo para ajudar a turma da Lava Jato, menos papel de bobo.

Quando o juiz Marcelo Bretas prendeu o ex-presidente Michel Temer, noticiou-se que a procuradora Fabiana Schneider revelou o seguinte: “Foi identificado pelo Coaf que houve uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em espécie na conta da Argeplan. Esse fato ainda precisa ser investigado e apurado. (...) É um indicativo que a organização criminosa continua atuando”.

A Argeplan pertence ao coronel da reserva da PM João Baptista Lima, amigão de Temer. Ficou no ar a cena de um cidadão entrando numa agência bancária com duas malas de dinheiro, cada uma pesando cerca de 25 quilos.

Passou-se um mês e o Ministério Público Federal informou que a cena nunca aconteceu. O gerente financeiro da Argeplan quis transferir eletronicamente R$ 20 milhões, que estavam no Bradesco, para três novas contas numa agência do Santander. Como o polivalente coronel ganhou esse dinheiro, não se sabe. [com certeza a Receita Federal - instituição a qual o cidadão, de ofício, informa sobre seu patrimônio - sabe; ] Também não se sabe por que pretendia trocar a titularidade da grana. Sabe-se, contudo, que o Bradesco tentou se livrar da conta e ele foi à Justiça, conseguindo mantê-la no banco.

A tal cena cinematográfica de um magano querendo depositar semelhante ervanário “em espécie” era uma fantasia. Uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo, sem origem documentada, é uma coisa. Transferência eletrônica, bem outra, pois o banco onde está o dinheiro registra os depósitos que recebeu. Quem deu crédito à cinematografia fez papel de bobo.

(Registre-se que o juiz Bretas não mencionou o episódio na sua decisão de prender Temer.)

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita que estão fazendo uma injustiça com o ministro Dias Toffoli ao insinuarem que ele é o “amigo do amigo” do pai de Marcelo Odebrecht.

Pura fake news, o “amigo do amigo” de Emílio Odebrecht é ele, Eremildo.

O cretino é amigo dos amigos de todos os empreiteiros e muito agradeceria a Toffoli [que é ainda mais amigo de empreiteiros que o idiota] se ele lhes fizesse saber disso.

LIMITE DO PODER
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acharam que podem muito. 
 
(...)
 

LIÇÃO DE DELFIM
O professor Delfim Netto deu mais uma lição de economia, em apenas 15 palavras:

“É o valor do frete que determina o valor do caminhão, e não o contrário.”

Enquanto isso não for entendido, a questão dos caminhoneiros continuará encruada na economia e na ordem pública nacionais. [enquanto ministro de Estado fornecer informações privilegiadas a caminhoneiro (ou a qualquer outra categoria profissional) o presidente da República para adotar qualquer medida que possa contrariar interesses da categoria bem informada, terá que soltar 'balões de ensaio'.]

BOLA DENTRO
O pai e empresário do jogador Neymar, a quem a Receita Federal cobra um espeto milionário, foi ao presidente Bolsonaro tratar de seus interesses. [no momento em que um sonegador tem acesso ao Palácio do Planalto - tais pessoas devem ter acesso a delegacias de polícia, por intimação ou condução coercitiva - tira fotos com o presidente da República, está ocorrendo algum aviltamento, que com certeza não atinge o sonegador.]

O capitão recebeu-o e tirou retrato, mas o caso ficou com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O Ministério da Economia informou que “todo o encaminhamento da questão ocorrerá no âmbito do processo e observará todas as premissas legais aplicáveis”. Ou seja, por enquanto, nada feito. 
(...)

REGISTRO
Na semana passada, não houve sessão plenária no Supremo Tribunal Federal.

Na segunda, porque nesse dia ele não se reúne. Na terça, sabe-se lá porque, não se reuniu. Na quarta, começava o feriado da Semana Santa para o Judiciário. [outro registro: há coisa de uns dois meses o Supremo desperdiçou duas semanas do seu precioso tempo para decidir se gostar ou não de gay deve ser crime -= e tudo que decidiu, foi deixar para decidir em outra ocasião.
Foi melhor assim.
 
Já pensou se eles decidem que é crime e em outra assentada decidem que banheiro unissex é ilegal - vai ser aquele rolo, já que o cidadão que se recusar a deixar que sua filha de 10 anos entre em um dos tais banheiros, poderá ser preso por homofobia - afinal estará contrariando duas supremas sentenças.]

Do jeito que iam as coisas, foi melhor assim.

A partir de terça-feira, novidades.

Elio Gaspari, jornalista - O Globo e Folha de S. Paulo

 

domingo, 13 de janeiro de 2019

A colaboração está virando jabuticaba



O instituto que começou como uma arma contra malfeitores aos poucos tornou-se uma barafunda que os favorece 

Condenado a 12 anos de prisão, Palocci cumpriu menos de dois e está em casa, de tornozeleira

 Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e Dilma, quindim da banca enquanto mandou, fechou seu terceiro acordo de colaboração, desta vez com o Ministério Público Federal em Brasília. Condenado a 12 anos de prisão, cumpriu menos de dois e está em casa, de tornozeleira. Como de hábito, o que vazou de suas confissões é uma mistura de notícias velhas com aulas de ciência política.
Quando juiz, no calor da campanha eleitoral, Sergio Moro divulgou um dos anexos da colaboração de Palocci à Polícia Federal. Espremendo-a, dela resultou que Lula chamou-o para uma reunião no Palácio da Alvorada e mandou que organizasse uma caixinha com os fornecedores  de sondas para a Petrobras.  Grande revelação, desde que em outros anexos, ainda desconhecidos, ele tenha contado a quem mordeu, quanto arrecadou e como passou o dinheiro adiante. Sem isso, o anexo é o que foi: um instrumento de campanha política.

O instituto da colaboração de malfeitores está contaminado desde 2015, quando um procurador de Curitiba formulou a doutrina da “bosta seca”, segundo a qual, havendo colaborações conflitantes, não se aprofunda a investigação.  Aceita-se a palavra do delator e, mais tarde, sentenças baseadas nelas caem nas instâncias superiores. Essa jabuticaba faz a fortuna de uma nova geração de criminalistas.
Ainda neste ano o Supremo Tribunal Federal decidirá se mantém ou revoga o acordo feito por Rodrigo Janot com os donos da JBS. Os irmãos Batista estão na frigideira, mas Janot, a outra ponta de um acordo tão astucioso quanto escalafobético, vai bem, obrigado.

Com a ida do astro-rei Sergio Moro para o Ministério da Justiça, talvez se possa começar a duvidar da eficácia da doutrina da “bosta seca”. Estima-se que, de cada dez anexos de colaboração, só a metade resulte em investigações ou sindicâncias.
Para ficar num exemplo que entrará nos anais da diplomacia, o Itamaraty de Lula deu agrément ao doutor Choo Chiau Beng, para a posição de embaixador de Cingapura no Brasil. Ele não pertencia ao serviço público, nunca chefiou a embaixada em Brasília e não deixou de ser o CEO do estaleiro Keppel, que  fornecia sondas à Petrobras.

(...)

Parente do general
Refrescando a memória para a “nova era” do governo Bolsonaro:
Em 1964, o general Ernesto Geisel, chefe do Gabinete Militar de Castello Branco, encontrou-se com um sobrinho. Economista e funcionário do Banco do Brasil, pretendia trabalhar no gabinete do  ministro do Planejamento,  Roberto Campos. O general abateu-o em voo: “Não vá, porque eu vou dizer ao Roberto  que mande você embora”.
Já o marechal Castello Branco demitiu o irmão Lauro da Diretoria de Arrecadação do Ministério da Fazenda porque ele aceitou um automóvel de presente.
(...)

Otimismo
Coisas boas também acontecem.
No dia 4 de março a Mangueira entrará na avenida cantando “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”.

Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo