Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo prometendo 'pacificação'. Ninguém poderia supor que sua conduta provocaria tantos incêndios
A promessa de Toffoli era parolagem, mas ninguém esperava tantos incêndios
O ministro José Antonio Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo
Tribunal Federal prometendo “pacificação” na corte e oferecendo um
“pacto” aos demais poderes. Era parolagem típica de Brasília, mas
ninguém poderia supor que sua conduta posterior provocasse tantos
incêndios. Conflagrou o tribunal, confrontou-se com a Procuradoria-Geral
da República e se tornou um defensor da censura com argumentos
conceitualmente desastrosos e factualmente inconsistentes.
Como diria Lula, nunca na história deste país um ministro do Supremo
Tribunal Federal defendeu a censura com tamanha insistência e
indigência. Nem quando o STF sacramentava a censura dos generais, pois
os ministros pouco falavam. Graças aos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, a piromania foi
contida. O ministro Alexandre de Moraes revogou a censura ao site O
Antagonista e à revista Crusoé, e é de se esperar que Toffoli sossegue
em sua pregação desconexa. Fica faltando limar a truculência de um
inquérito escalafobético que saiu por aí apreendendo computadores nas
casas dos outros.
O ministro Moraes constrangeu um cidadão argumentando que ele fez
propaganda de “processos violentos e ilegais para a alteração da ordem
política e social”. Uau. Quem seria esse Che Guevara? Era o general da
reserva Paulo Chagas, que “defendeu a criação de um tribunal de exceção
para julgamento dos ministros do STF ou mesmo para substituí-los”. Chagas tem suas ideias e foi candidato ao governo do Distrito Federal.
Teve 110 mil votos (7%), ficou em quarto lugar e não foi ao segundo
turno. O que ele propôs é farofa no bufê dos ventos políticos de hoje.
Um filho do presidente já disse que para fechar o STF bastam “um cabo e
um soldado”. (Em janeiro, Chagas postou que “o Brasil não é uma
monarquia e a família Bolsonaro não é a família imperial”.)
[apesar das inúmeras afirmações, até mesmo provas, de que no Brasil atual o cidadão tem liberdade de expressar suas opiniões, há exceções.
As imagens abaixo são eloquentes:
Comunismo e esquerda mataram mais de 100.000.000 de inocentes
A FOICE E O MARTELO SÍMBOLOS DO PIOR FLAGELO DA HUMANIDADE.
REPRESENTAM A OPRESSÃO A TORTURA E MORTE
DE BILHÕES DE SERES HUMANOS AINDA HOJE E NO BRASIL EXISTEM HORDAS DE
COMUNISTAS TRAMANDO PELA QUEDA DA NOSSA DEMOCRACIA EM PROL DESTA TIRANIA
ASSASSINA E MENTIROSA.
Tudo isso são opiniões e ouvi-las (ou não) é o jogo jogado. Durante a
ditadura do século passado que Chagas defende, a Justiça Militar mandou
para a cadeia o historiador Caio Prado Jr. por ter dado uma entrevista
inócua a um jornalzinho de estudantes. Na época, o que a ditadura queria
era intimidar o meio acadêmico. A crise do Supremo das últimas semanas teve uma peculiaridade. Pela
primeira vez ela saiu de dentro do tribunal, contaminando o meio
externo. Em todas as outras ocasiões a encrenca, grande, vinha de fora.
Agora havia um mal-estar lá dentro e a partir dele criou-se a crise. Não
se pode dizer que fosse um problema dos 11 ministros. Seriam três ou
quatro, no máximo. Em algum lugar há uma fonte emissora de
radioatividade. Nada melhor que a luz do sol para procurá-la.
PAPÉIS DE BOBOS
Pode-se fazer tudo para ajudar a turma da Lava Jato, menos papel de bobo.
Quando o juiz Marcelo Bretas prendeu o ex-presidente Michel Temer,
noticiou-se que a procuradora Fabiana Schneider revelou o seguinte: “Foi
identificado pelo Coaf que houve uma tentativa de depósito de R$ 20
milhões em espécie na conta da Argeplan. Esse fato ainda precisa ser
investigado e apurado. (...) É um indicativo que a organização criminosa
continua atuando”.
A Argeplan pertence ao coronel da reserva da PM João Baptista Lima,
amigão de Temer. Ficou no ar a cena de um cidadão entrando numa agência
bancária com duas malas de dinheiro, cada uma pesando cerca de 25
quilos.
Passou-se um mês e o Ministério Público Federal informou que a cena
nunca aconteceu. O gerente financeiro da Argeplan quis transferir
eletronicamente R$ 20 milhões, que estavam no Bradesco, para três novas
contas numa agência do Santander. Como o polivalente coronel ganhou esse
dinheiro, não se sabe. [com certeza a Receita Federal - instituição a qual o cidadão, de ofício, informa sobre seu patrimônio - sabe; ] Também não se sabe por que pretendia trocar a
titularidade da grana. Sabe-se, contudo, que o Bradesco tentou se livrar
da conta e ele foi à Justiça, conseguindo mantê-la no banco.
A tal cena cinematográfica de um magano querendo depositar semelhante
ervanário “em espécie” era uma fantasia. Uma tentativa de depósito de R$
20 milhões em dinheiro vivo, sem origem documentada, é uma coisa.
Transferência eletrônica, bem outra, pois o banco onde está o dinheiro
registra os depósitos que recebeu. Quem deu crédito à cinematografia fez papel de bobo.
(Registre-se que o juiz Bretas não mencionou o episódio na sua decisão de prender Temer.)
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita que estão fazendo uma injustiça com o
ministro Dias Toffoli ao insinuarem que ele é o “amigo do amigo” do pai
de Marcelo Odebrecht.
Pura fake news, o “amigo do amigo” de Emílio Odebrecht é ele, Eremildo.
O cretino é amigo dos amigos de todos os empreiteiros e muito agradeceria a Toffoli [que é ainda mais amigo de empreiteiros que o idiota] se ele lhes fizesse saber disso.
LIMITE DO PODER
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acharam que podem muito.
(...)
LIÇÃO DE DELFIM
O professor Delfim Netto deu mais uma lição de economia, em apenas 15 palavras:
“É o valor do frete que determina o valor do caminhão, e não o contrário.”
Enquanto isso não for entendido, a questão dos caminhoneiros continuará encruada na economia e na ordem pública nacionais. [enquanto ministro de Estado fornecer informações privilegiadas a caminhoneiro (ou a qualquer outra categoria profissional) o presidente da República para adotar qualquer medida que possa contrariar interesses da categoria bem informada, terá que soltar 'balões de ensaio'.]
BOLA DENTRO
O pai e empresário do jogador Neymar, a quem a Receita Federal cobra um
espeto milionário, foi ao presidente Bolsonaro tratar de seus
interesses. [no momento em que um sonegador tem acesso ao Palácio do Planalto - tais pessoas devem ter acesso a delegacias de polícia, por intimação ou condução coercitiva - tira fotos com o presidente da República, está ocorrendo algum aviltamento, que com certeza não atinge o sonegador.]
O capitão recebeu-o e tirou retrato, mas o caso ficou com o ministro da
Economia, Paulo Guedes. O Ministério da Economia informou que “todo o
encaminhamento da questão ocorrerá no âmbito do processo e observará
todas as premissas legais aplicáveis”. Ou seja, por enquanto, nada
feito.
(...)
REGISTRO
Na semana passada, não houve sessão plenária no Supremo Tribunal Federal.
Na segunda, porque nesse dia ele não se reúne. Na terça, sabe-se lá
porque, não se reuniu. Na quarta, começava o feriado da Semana Santa
para o Judiciário. [outro registro: há coisa de uns dois meses o Supremo desperdiçou duas semanas do seu precioso tempo para decidir se gostar ou não de gay deve ser crime -= e tudo que decidiu, foi deixar para decidir em outra ocasião.
Foi melhor assim.
Já pensou se eles decidem que é crime e em outra assentada decidem que banheiro unissex é ilegal - vai ser aquele rolo, já que o cidadão que se recusar a deixar que sua filha de 10 anos entre em um dos tais banheiros, poderá ser preso por homofobia - afinal estará contrariando duas supremas sentenças.]
Do jeito que iam as coisas, foi melhor assim.
A partir de terça-feira, novidades.
Elio Gaspari, jornalista - O Globo e Folha de S. Paulo
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