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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O crime do Expresso do Oriente - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

André do Rap foi solto por todos pelos ministros do Supremo e  pelos parlamentares

Dizer que a essência da lei que o ministro seguiu ampara a libertação de um bandido como o chefão do PCC é uma demasia

O ministro Marco Aurélio Mello disse quase tudo“O juiz não renovou, o Ministério Público não cobrou, a polícia não representou para ele renovar. Eu não respondo pelo ato alheio, vamos ver quem foi que claudicou.” Quase tudo, porque quem soltou André do Rap, chefão do Primeiro Comando da Capital, condenado a 27 anos de prisão, foi Marco Aurélio Mello.

Dizer que essência da lei que o ministro seguiu ampara a libertação de um bandido como o chefão do PCC é uma demasia. Assim como foi uma demasia sua decisão de 2000, quando soltou o banqueiro Salvatore Cacciola, que viria a se escafeder (como André do Rap), até ser preso em Monte Carlo e recambiado para Bangu. Nesses casos, como em outros, iluminou-se na controvérsia.

Como no crime do Expresso do Oriente, André do Rap foi solto por todos, começando pelos ministros do Supremo Tribunal Federal que derrubaram a tranca para os condenados em segunda instância. Foi solto também pelos parlamentares que votaram um dispositivo escalafobético que permite a libertação de qualquer pessoa presa preventivamente há mais de 90 dias sem manifestação do juízo pela prorrogação do prazo. O ex-ministro Sergio Moro, com sua lógica angelical, diz que nada tem a ver com a girafa. De fato, ela não saiu do seu zoológico, mas o doutor botou a boca no mundo com um argumento de má qualidade: a exigência da renovação da preventiva a cada 90 dias sobrecarregaria os juízes. Quem entende do assunto estima que são, no máximo, cinco horas de trabalho por mês para um juiz de vara superpovoada. Foi o juiz Moro quem usou à saciedade o instrumento da preventiva como uma forma de pena antecipada. [a famosa prisão perpétua à brasileira = prisão preventiva com características de pena de prisão perpétua = se sabe quando começa e não se sabe se, e quando, termina.

Aliás, proibida pela Constituição Federal. Apesar de se tratando de bandido já condenado em duas instâncias, nada mais justo do que usar a condenação ratificada como argumento para estender a preventiva.] O ministro Gilmar Mendes cansou-se de denunciar essa astúcia. Os doutores do andar de cima soltaram André do Rap, e corre-se o risco de sobrar para o andar de baixo. O Brasil tem centenas de milhares de pessoas pobres, em geral jovens pobres e negros, encarceradas sem condenação. Do jeito que a libertação de André do Rap entortou, surge a impressão de que para evitar a “sobrecarga” dos juízes, deve-se apertar o parafuso da preventiva.

Em sua batalha pela restauração do habeas corpus, o grande Raymundo Faoro, presidente de uma OAB que não existe mais, explicava aos generais que o instituto não discute o mérito da acusação que há contra uma pessoa, mas uma ilegalidade pontual na conduta do Estado. Os generais entenderam. André do Rap não foi libertado porque é inocente, mas porque o STF decidiu que não se pode prender uma pessoa apenas com uma condenação em segunda instância. Ademais, a lei diz que os juízes devem se manifestar a cada 90 dias. Não é muito, sobretudo considerando que o cidadão está na cadeia há três meses. Refrescando a vida dos magistrados, arrisca-se deixar milhares de pessoas mofando nos cárceres.

O caso de André do Rap abriu a porta do armário das idiossincrasias cultivadas pelos 11 ministros do Supremo Tribunal.
O juiz americano Oliver Wendell Holmes dizia que sua Suprema Corte se parecia com nove escorpiões numa garrafa. 
No Supremo Tribunal Federal há 11. O choque dos ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello é apenas um asterisco desse ambiente irradiador de malquerenças.

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista 


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O Supremo encalacrou-se - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Egos inflados e idiossincrasias contribuem para colapso da colegialidade do tribunal


No caso da prisão depois da segunda instância, o STF está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo

Quem pode pagar advogado fica solto,quem não pode, rala [esta será  a JUSTIÇA BRASILEIRA - resultado da suprema INSEGURANÇA JURÍDICA, provocada pela suprema INDECISÃO do STF, se mudar o que decidiu em 2016 e soltar os condenados numa segunda instância.]

Pelo andar da carruagem o Supremo Tribunal Federal derrubará a prisão dos condenados numa segunda instância. Tradução: quem tem dinheiro para pagar advogados fica solto, quem não tem, rala. 

Uma banda do debate diz que deve ser assim porque isso é o que diz a Constituição. Não é. Se fosse, o mesmo Tribunal não teria decidido duas vezes que o condenado na segunda instância deve ficar preso

Acima da divergência entre os ministros está a perda da colegialidade dos onze escorpiões que vivem na garrafa da Corte. Quem chamou os juízes da Suprema Corte Americana de escorpiões engarrafados foi o grande Oliver Wendell Holmes, mas lá eles se cumprimentam com aperto de mão antes e depois de cada sessão. Aqui, em alguns casos, nem isso. 

O ministro Gilmar Mendes tem horror a comparações com o funcionamento da Corte Suprema, mas lá os nove ministros procuram harmonizar suas divergências. Quando um de seus juízes escreve o voto da maioria, ou a dissidência da minoria, circula seu texto entre os colegas e discute emendas ou supressões. Tudo isso é feito em sigilo, num trabalho que exige paciência e tolerância. Em raros casos, quando a Corte percebe que tomará uma decisão crucial, o presidente (cuja função é vitalícia) costura uma possível unanimidade. Às vezes consegue. 

No caso da prisão depois da segunda instância o Supremo está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo. No balcão da lanchonete entende-se esse critério, o que não se entende é que o time derrotado em fevereiro e outubro de 2016 por 7x4 e 6x5 possa mudar o resultado num replay. Afinal, futebol é coisa séria. 

Apesar dos esforços de alguns ministros, tudo indica que se caminha para um choque de absolutos. Numa discussão de botequim ou numa reunião de condomínio surgiria uma voz moderadora propondo uma válvula. Por exemplo: o condenado na segunda instância poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, que deveria julgar o caso em até 120 dias. Esse mecanismo daria uma folga à turma que tem dinheiro para pagar advogado, mas anularia a fé exclusiva nas manobras procrastinatórias. Até agora, nada feito. 

A rejeição da válvula indica um colapso da colegialidade do tribunal. Para isso contribuíram, entre outros fatores, egos inflados, idiossincrasias e concepções. Há cortes cujos juízes têm carros e motoristas pagos pela Viúva, mas não se sabe de outra na qual seus veículos usem três chapas, uma de bronze (“sabe com quem está chegando”) outra com fundo branco (indicativa do serviço público) e a terceira, igual à dos contribuintes, sugerindo que os ilustres passageiros são pessoas comuns, ou impedindo que se saiba que não o são. 

A Operação Lava-Jato perdeu a túnica de vestal que cobria o juiz Sergio Moro e o trabalho de seus procuradores, mas sua essência persiste: ela botou na cadeia gente que praticava crimes na certeza da impunidade. Revogada a segunda instância, restabelece-se o sistema que, há dez anos, num passe de mágica, esfarelou a Operação Castelo de Areia.
À época, o STJ blindou a empreiteira Camargo Correa e o Supremo ratificou a decisão. Passou o tempo, mudaram os modos e a Camargo foi a primeira vaca sagrada a colaborar com o governo. Hoje ela trabalha com outro compasso.


 
 
 

quinta-feira, 10 de março de 2016

O veneno da jararaca



Cobras não fazem política, porém lembram algumas de suas práticas. São répteis exclusivamente carnívoros que engolem suas vítimas inteiras. A ciência reconhece mais de 20 famílias, 465 gêneros e mais de 2.900 espécies. No Brasil, são quase 400 espécies diferentes, sendo mais de 60 peçonhentas.

A jararaca (em biologia, família Viperidae, gênero Bothrops) é robusta, porém menor que as outras do mesmo gênero. De enorme capacidade adaptativa, é a espécie mais comum na Região Sudeste brasileira. Troca de pele à medida que cresce, ao longo de toda sua vida. Parece político? [a troca de pele da jararaca nada mais é do que a ‘METAMORFOSE’ auto atribuída ao Lula quando se declarou ‘metamorfose ambulante – a fixação por serpentes é antiga no ‘nosso guia’, aliás, ele possui e pratica um dos principais atributos das serpentes: ataca traiçoeiramente.]

A maioria das espécies de jararacas vive em ambiente preferencialmente úmido, como a beira de rios, onde também se encontram ratos e sapos, seus pratos prediletos. Dorme durante o dia debaixo de folhagens, mas gosta de tomar sol. Com hábitos predominantemente noturnos ou crepusculares, tem comportamento agressivo ao ver se aproximar uma eventual vítima; suas presas inoculadoras de veneno se projetam no momento do bote.

Perigosíssima, é a responsável por mais de 90% das vítimas de cobras peçonhentas no Brasil. A maioria de suas picadas atinge os membros, e seu veneno produz dor no local, equimose, edema, hemorragia, necrose, podendo levar a paralisia dos rins. As vítimas devem ser internadas para receber o soro específico. Mesmo que atendido a tempo e num local que tenha experiência com esse tipo de problema, um por cento das vítimas morre. 

 Hoje morre mais gente de dengue e tuberculose!  No Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos, do Ministério de Saúde, que não é atualizado desde 2001, aprendemos que são notificados 20 mil acidentes ofídicos por ano, em geral trabalhadores no campo. Somente em 2014, surgiu outra publicação oficial, desta vez pela Fundação Ezequiel Dias, vinculada à Secretaria de Saúde do governo de Minas Gerais. Esse excelente manual, muito bem ilustrado, ensina até como se prevenir de acidentes com animais peçonhentos.

Sendo ora presas de gaviões, corujas e falcões e ora predadoras de diversos animais, inclusive ratazanas, as serpentes contribuem para o equilíbrio ecológico, não sendo adequado eliminá-las sistematicamente. Cabe ao homem se prevenir dos seus ataques, mas, se necessário, eliminá-las, para se defender. O ideal é capturá-las com técnica adequada, para que sejam utilizadas por cientistas na produção de soro contra seu veneno, para salvar vidas.

Recentemente, ao ouvir um político experiente se comparar a uma jararaca, fiquei preocupado com o simbolismo da metáfora.

No Brasil, o ecossistema e o sistema político estão em constante e progressivo desequilíbrio. As jararacas, escorpiões e aranhas têm seu inequívoco papel na ecologia. O que se espera é que os políticos tenham equilíbrio para não envenenar o país. Caso isso não aconteça, desculpem a metáfora, a cobra vai fumar, obedecendo a Constituição.

Por: Alfredo Guarischi