Considerado um dos principais narcotraficantes em atuação no Brasil, André do Rap foi posto em liberdade em outubro de 2020, depois de Marco Aurélio conceder um habeas corpus a seu favor. Ele estava preso desde 2019, após investigações da Polícia Civil de São Paulo o apontarem como um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Na direção da maior organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios brasileiros, André do Rap era o gerente do envio de grandes remessas de cocaína para a Europa.
Enquanto traficantes de grande porte conseguem pagar advogados para reverterem suas prisões, a maior parte dos detidos no sistema carcerário brasileiro não consegue esse tipo de benefício
Outros beneficiários da canetada suprema
O Primeiro Comando da Capital não foi a única organização criminosa beneficiada com a liberdade de seus integrantes por meio de decisões assinadas enquanto Marco Aurélio compunha a Corte. Antônio Ilário Ferreira, o Rabicó, chefe do tráfico no Complexo do Salgueiro, no Rio de Janeiro, também conseguiu um habeas corpus que lhe garantiu a liberdade, em 2019.
Ainda que os arbítrios dos ministros que colocam integrantes de organizações criminosas em liberdade sejam tomados com embasamentos legais, eles geram divergências, sobretudo por deixar ainda mais fragilizada a estrutura social, ampliando a criminalidade no país. Enquanto traficantes de grande porte conseguem pagar advogados para reverterem suas prisões, a maior parte dos detidos no sistema carcerário brasileiro não consegue esse tipo de benefício.
Até mesmo entre as mulas, como são conhecidas as pessoas presas por transportar drogas, as diferenças são visíveis. Quanto maior o peso da carga, mais acessível fica a saída das pessoas da prisão.
Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) revelam que 28% das pessoas detidas no país foram levadas para trás das grades pelo tráfico de drogas. Ainda que a Lei Antidrogas estabeleça que, enquanto a posse de substâncias ilícitas para uso pessoal é considerada um delito ínfimo, com potencial ofensivo, e o tráfico de drogas é um delito passível de punição maior, a proporcionalidade em relação ao peso não costuma ser regra para a liberdade.
Um exemplo ocorreu em fevereiro de 2021, quando a Segunda Turma do STF manteve uma decisão do ministro Gilmar Mendes que substituiu a prisão de um homem preso com 188 quilos de cocaína por medidas cautelares. Na decisão, o ministro alegou que o homem é réu primário e tem bons antecedentes.
“Trata-se de réu primário e com bons antecedentes. Embora efetivamente a quantidade de droga apreendida seja expressiva, nos termos da jurisprudência da Segunda Turma do STF, isso, por si só, não afasta a aplicação do redutor de tráfico privilegiado, se o caso caracterizar uma situação de ‘multa’, o que pode ser a hipótese dos autos”, afirmou Mendes, na decisão. “Assim, resta desproporcional a imposição de prisão preventiva”.
À reportagem, o ministro afirmou que a decisão ocorreu com base em alegações que já haviam sido defendidas também pelo Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O homem chegou a ficar 13 meses detido. “O próprio MPF reconheceu, no STJ, que era uma mula e que não deveria estar preso”, afirmou Mendes.
Outro traficante colocado em liberdade, esse com carga ainda maior, foi o piloto de avião Nélio Alves de Oliveira. Depois de ter sido condenado, em 2014, por tráfico internacional de cocaína, ele foi solto em 2018, por uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski. De volta à ativa, cometeu o mesmo crime. Em 2020, Oliveira foi preso novamente, após caças da Força Aérea Brasileira interceptarem uma aeronave que ele pilotava, com 516 quilos de cocaína, em Mato Grosso do Sul.
Além de piloto e traficante, Nélio foi vereador nos anos 1980, em Ponta Porã, período em que presidiu a Câmara dos Vereadores. Também foi vice-prefeito da cidade. Em 1998, posou em uma foto ao lado do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, hoje pré-candidato do PT à Presidência. Na foto, também aparece o ex-governador do Estado Zeca do PT, que neste ano deve concorrer a deputado estadual pela legenda.
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