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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Sob sombra de Flávio Bolsonaro, STF começa a votar limites em ‘caso Coaf’ - Com Reuters

Corte avaliará condições para que entidades de controle financeiro repassem dados suspeitos

STF julga uso de dados do Coaf em inquéritos como o do caso Flávio


O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, a partir das 9h30 desta quarta-feira, 20, se impõe limites à atuação de órgãos de controle, como o extinto Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), no repasse de informações sem autorização do Poder Judiciário sob a sombra do caso que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

O caso diz respeito se o ex-Coaf, a Receita Federal e o Banco Central podem repassar dados como movimentação financeira de pessoas ao Ministério Público ou à Polícia Federal, por exemplo, sem que a Justiça conceda uma autorização específica desse pedido.  Esse julgamento é o último de destaque na pauta do STF deste fim de ano e também tem como pano de fundo críticas feitas a atuação desses órgãos de controle por ministros da corte e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro - já chegou a falar em “devassa fiscal” feita pela Receita contra familiares.

Após o Supremo ter derrubado a prisão de condenados em segunda instância, decisão criticada pela operação Lava Jato, o chamado “caso Coaf” pode repercutir internacionalmente na avaliação do Brasil em termos de atuação na prevenção e combate à corrupção.

Regras Gerais
Em julho, o presidente do STF e relator do caso, Dias Toffoli, suspendeu liminarmente uma investigação contra Flávio Bolsonaro e outros em que houve compartilhamento individualizado de dados do Coaf sem aval do Judiciário. Agora o Supremo vai analisar se fixa regras gerais para esse tipo de repasse de informações em qualquer tipo de caso.  O impacto da liminar de Toffoli foi grande em investigações. Em nota pública divulgada nesta segunda, câmaras do Ministério Público Federal das áreas criminal, de combate à corrupção e do Meio Ambiente revelaram que ela resultou na paralisação de ao menos 935 inquéritos em todo o país. Não se tem uma conta na esfera estadual.

O ministro Marco Aurélio Mello, que já falou em promiscuidade no acesso a esses dados, deverá se posicionar a favor de limitação de acesso. Mas ele preferiu não fazer um prognóstico. “Vamos aguardar o julgamento”, disse ele à Reuters. Segundo uma fonte, a expectativa é que haja uma proposta de modulação do acesso a esse tipo de informação. Não está claro, contudo, qual linha de corte será adotada por ministros e se há maioria para isso.

O caso concreto que tramita sob sigilo e vai a julgamento é um recurso do MPF de 2017 contra uma decisão da Justiça anterior que anulou uma ação penal contra donos de postos de combustíveis que questionam o fato de a Receita ter repassado a procuradores, sem autorização judicial, dados bancários. Em entrevista à Reuters concedida em setembro, Toffoli afirmou que o Coaf estava usurpando as suas competências ao repassar diretamente a órgãos de investigação o levantamento da movimentação financeira de “alvos específicos” sem autorização do Poder Judiciário e garantiu que o STF iria buscar uma solução para impedir o Estado de perseguir indivíduos.

O presidente do STF justificou à época que a decisão sobre Flávio Bolsonaro foi em defesa da “cidadania” e da “sociedade”, quando perguntado se ela tinha por objetivo salvá-lo.
“Esses órgãos passaram a pedir diretamente ao Coaf para que ele levantasse a movimentação financeira de alvos específicos, na verdade, subvertendo aquilo que eles deveriam pedir ao Judiciário. O Coaf passou a agir em substituição ao Poder Judiciário, uma usurpação de competência. Então, o que é que foi feito: foi feito a suspensão desses casos, dessas irregularidades”, disse.

Também à Reuters em outubro, o ministro Gilmar Mendes – outro crítico da atuação desses órgãos de controle– afirmou não ter “a menor dúvida” de que houve vazamento de informações dessas instituições para constranger a ele e a sua família –em fevereiro noticiou-se que uma análise fiscal da Receita apontariam supostas práticas de crimes atribuídas a ele e Toffoli, além de parentes de cada um.  Procuradores da Lava Jato de Curitiba já negaram essas acusações em nota pública. Procurada pela reportagem para comentar o assunto e outros pontos referentes ao combate à corrupção, a força-tarefa não se manifestou de imediato.

Em memorial entregue ao Supremo nesta terça-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que uma das consequências de uma decisão desfavorável do STF será descumprimento das recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF).  Entre os reflexos, estão a inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas, a aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar à sua exclusão do Gafi, do G20, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. [o combate à corrupção deve continuar sendo feito, intensificado, mas, não pode deixar que órgãos de outros países balizem a conduta do Brasil.
É assim, aos poucos,que uma Nação Soberana pode também pouco a pouco perder sua SOBERANIA de fato.]
“Esse tipo de sanção pode ter relevância na aferição dos riscos para investimentos no Brasil e para a checagem da credibilidade de seu mercado. Assim, para além de danos político-diplomáticos, as consequências de impacto imediato são relacionadas a restrições econômico-financeiras ao país”, advertiu Aras.

Risco de ‘overdose’
O pesquisador da Fundação Getulio Vargas Fabiano Angélico, que tem experiência nacional e internacional em temas ligados à transparência governamental, disse que seria “muito ruim” se o Supremo decidir impor restrições “draconianas” no sistema de compartilhamento de informações, que deve agir de forma célere e sem obstáculos porque o crime para esse tipos de delito age de forma rápida.
“É claro que é preciso que os órgãos públicos tenham cuidado com essas informações”, disse, ao fazer a seguinte comparação. “É preciso ter algum remédio. Pelo que se noticiou na imprensa houve sim algum abuso da Lava Jato, mas se a dose é elevada, dá overdose e mata o paciente”, completou.

Para o especialista, há pessoas politicamente expostas – como familiares de autoridades – cujos órgãos de controle tem a obrigação legal de um olhar mais apurado para elas. “Isso não quer dizer que se esteja imputando crime. Ninguém está acima da lei”, frisou.
Fabiano Angélico disse que o Supremo precisa ao máximo passar a impressão de impessoalidade em suas decisões. Para ele,o saldo este ano mostraria um “desmonte” no sistema de prevenção e de combate à corrupção no país, não só por decisões do Supremo, mas também Legislativo e pelo Executivo.
O pesquisador afirmou que isso deve ter consequências para o Brasil no pleito de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e também em relação à participação do país no Gafi/FATF, que também avalia a situação.

Nova tensão
O próprio Toffoli ajudou a elevar a tensão em torno do tema ao pedir o envio à corte de relatórios elaborados pelo antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira do Banco Central.  Depois disso, o presidente do Supremo negou duas vezes pedido da Procuradoria-Geral da República para revogar essa decisão.  O procurador-geral da República tinha sustentado “demasiadamente interventiva” uma determinação de Toffoli para que o BC enviasse à corte todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) e das Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) realizados nos últimos três anos e que poderia colocar em risco informações privadas de mais de 600 mil pessoas.

O presidente do Supremo rechaçou a alegação de que o STF seria invasivo no caso, ao argumentar que o processo corre sob segredo de Justiça. E na resposta ainda fez uma série de pedidos a órgãos que tiveram acesso a esses tipos de relatórios, como MPF e UIF. Contudo, houve um reviravolta após uma reunião na segunda-feira com a presença de Toffoli, Aras, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o advogado-geral da União, André Nascimento. O presidente do STF revogou sua decisão que lhe dava acesso a todos esses relatórios.

VEJA - Reuters


terça-feira, 3 de setembro de 2019

Papai Noel existe - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Em vez de brigar com os dados e só ouvir os áulicos, Bolsonaro devia ouvir mais Terezas Cristinas

Quando os jornalistas perguntaram ontem ao presidente Jair Bolsonaro sobre a preocupante erosão de sua popularidade, com aumento bem fora da curva dos índices de rejeição, ele voltou-se para um deles e desdenhou, com seu jeitão “simples e transparente”: “Você acredita em Papai Noel?”. Não, presidente, acreditamos nas pesquisas de opinião, como no IBGE, Inpe, Ibama, Fiocruz, ICMBio, Ancine, na ciência, nas universidades, na educação que vai além do ensino, na diplomacia dos bons modos, nos direitos humanos e, claro, na defesa do meio ambiente.

[qual o valor de pesquisas faltando mais de três anos para as próximas eleições presidenciais? 

um ponto digno de ser evitado, desde agora,  pelo nosso presidente Jair Bolsonaro é insistir em medidas desagradáveis para os eleitores, entre elas a TENTATIVA da volta da CPMF - se voltar Bolsonaro perde as eleições de 2022 - o fim de deduções no IR e outras 'bondades'.

A demissão sumária do Marcos Cintra seria uma forma do presidente mostrar - fazendo, não dizendo - quem manda no governo.]

Todos os presidentes, em diferentes épocas, reagem mal a dados negativos sobre seu governo e sua popularidade e preferem se trancar nos palácios, ouvir os áulicos cheios de elogios ou circular em ambientes francamente favoráveis – como os militares e evangélicos, no caso de Bolsonaro. É uma fuga da realidade. Quem mais perde é o próprio presidente, além do seu governo. Melhor do que filhos, generais, assessores e a legião de “amigos” que frequentam palácios e melhor do que multidões selecionadas, seria o presidente chamar políticos experientes e de bom senso, com coragem e independência, para lhe dizer as verdades que ele não gosta de ouvir e os outros não admitem falar.

Um exemplo é a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Na crise doméstica e internacional das queimadas, ela jogou um balde de serenidade para apagar as labaredas reais e de comunicação. Enquanto outros atiçavam o fogo e as guerras do presidente, ela lembrou os danos que isso causaria à imagem e aos produtos brasileiros e sugeriu: em vez de botar mais lenha na fogueira, por que não apresentar soluções práticas e agir? Bolsonaro mudou de tom, convocou um gabinete de crise, chamou as Forças Armadas e o governo passou a anunciar providências. Lucraram todos, principalmente ele e a própria Amazônia. E a guerra particular contra Macron? Bem, é outra história, que foge à alçada de Tereza Cristina. Ela não pode tudo.

É preciso que mais Terezas Cristinas se aproximem do presidente, fazendo um contraponto aos que só dizem amém e debatendo os dados do Datafolha com seriedade e vontade de captar os recados, aprender e corrigir. Pela pesquisa, a rejeição a Bolsonaro disparou para 38%, um recorde absoluto para presidentes nessa fase de mandato. Pela primeira vez, a rejeição (ruim e péssimo) ultrapassou o regular e a aprovação (bom e ótimo), quebrando o equilíbrio anterior entre os três. Mas o mais importante é que essas conclusões não surpreenderam os analistas. Logo, não deveriam surpreender o Planalto e muito menos serem rechaçadas pelo presidente.

É só enumerar os absurdos que Bolsonaro diz, como a história do cocô, ou faz, como indicar o próprio filho, o “garoto”, para a principal embaixada do planeta. E o “herói” Brilhante Ustra? E remoer a dor do presidente da OAB diante da tortura e “desaparecimento” do pai? E as picuinhas contra a imprensa? E a manipulação, até emocional, de Sérgio Moro? E o ex-Coaf, a Receita, a PF? A cada uma delas, é natural que as pessoas se espantem e que a popularidade caia. Só o presidente e seu entorno poderiam achar que esse conjunto não afetaria sua popularidade.

Bolsonaro não admite que está errando. Ao contrário, dá de ombros, diz que ele “é assim mesmo” e tenta capitalizar a imagem de “transparência” e “simplicidade”. Como se vê, não está funcionando, mas o presidente, em vez de frear, mete o pé no acelerador, sob aplausos de quem parece que está ajudando, mas só está pensando no seu carguinho e em se manter nas graças do presidente. Assim como Bolsonaro muitas vezes não ajuda e só atrapalha seu governo, essa posição cômoda de muitos do governo não ajuda Bolsonaro, só piora as coisas.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo