Bolsonaro avança contra [sic] marcos
democráticos como liberdade de expressão e direitos humanos alegando
estar defendendo essas mesmas liberdades, desconstruindo as palavras
numa novilíngua que pretende transformar o indefensável em palatável, a
anormalidade em novo normal.
O governo jogou tanta força da sua
capacidade de mobilização nas manifestações que pode haver uma realidade
contrária. Estão esperando muita gente — Bolsonaro chegou a falar em 2
milhões de pessoas nas ruas —, o que deve ser decepcionante para ele.
Esse exagero numérico já o coloca como perdedor, pois, pelas modernas
técnicas de medição do número de pessoas por metro quadrado, muitos
eventos monumentais já foram desmoralizados. [detalhe: a mídia militante cuidará de minimizar o número de participantes pró Bolsonaro e maximizar o dos inimigos do Brasil. Desenhando: se 1.000.000 comparecerem aos atos em apoio ao presidente Bolsonaro e 200.000 assumirem posição contrária ao Brasil, os números serão manipulados de forma a que a narrativa registre 300.000 pró Bolsonaro = a favor do Brasil = e 700.000 contra Bolsonaro.]
Então a situação de
Bolsonaro começará a ficar insustentável. Mas nada disso é admissível
numa verdadeira democracia. Não é aceitável que se tenha de medir forças
nas ruas para saber que rumo o país terá, fora do resultado de eleições
diretas. O que Bolsonaro está fazendo é querer levar o resultado das
urnas em 2022 para um plebiscito antecipado.
A intenção declarada
é ter uma foto da multidão para mostrar ao mundo sua força popular,
como se essa suposta força fosse suficiente para autorizá-lo a
transgredir a lei. A minoria barulhenta e arruaceira que apoia Bolsonaro
é o oposto da maioria nem tão silenciosa que se opõe a seu desgoverno. E
também oposta à maioria que irá às ruas hoje, querendo participar de
manifestação pacífica que pode se transformar em tragédia insuflada por
radicais. Essa minoria quer impor sua vontade como se majoritária fosse,
transformar a democracia representativa em letra morta.
Nem que
fosse maioria, poderia impor sua vontade, pois a democracia tem
mecanismos para proteger as minorias. Mas não as minorias que querem
tomar o poder à força. Esse é o paradoxo que temos de enfrentar, uma
minoria antidemocrática que não aceita os poderes que impõem a ela os
limites democráticos.
O engano vem de longe, de quando Bolsonaro
foi eleito com quase 58 milhões de votos e incorporou a seus apoiadores
todos os que votaram nele, mesmo sem gostar. [novidade: !!! agora ao se votar em determinado candidato, devemos informar se votamos naquele candidato, ainda que a contragosto?]Ser antipetista não
significa ser bolsonarista, e tanto um grupo quanto o outro têm de
respeitar a regra democrática. Estamos numa situação-limite. Depois das
manifestações, teremos uma visão clara do que pode acontecer no país.
Merval Pereira, colunista - O Globo