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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Na fila da vacina - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 28 de janeiro de 2021

Vamos falar francamente: ainda neste ano, mais para o segundo semestre, hospitais e clínicas particulares estarão oferecendo vacina contra a Covid-19, em caráter suplementar ao Plano Nacional de Imunização – e tudo de acordo com a Constituição.  Um pouco de história: a Constituinte de 1988 tinha um viés claramente estatizante. Por isso temos o Sistema Único de Saúde – e o “único” aí não era apenas um modo de falar. A ideia era essa mesma: um sistema estatal, universal e gratuito. E obrigatório, vetando-se a medicina privada.

Só não ficou assim por dois motivos. Primeiro, porque seria preciso estatizar hospitais, clínicas e mesmo consultórios privados. E não havia dinheiro para isso – já que não se poderia simplesmente confiscar tudo, como se fosse uma ditadura. O segundo motivo vai na mesma linha: teria o Estado os recursos necessários para esse sistema gratuito? Está lá no artigo 196: que a “saúde é direito de todos e dever do Estado” e que será garantido “acesso universal e igualitário”.

Reconhecendo isso, os constituintes incluíram o artigo 199, dizendo que a assistência à saúde é “livre à iniciativa privada”. Como isso estava em contradição com o contexto, colocaram-se  várias ressalvas: essa atuação seria “complementar” e controlada pelo SUS, seria vedada a empresas estrangeiras e se daria preferência às instituições filantrópicas em relação àquelas com fins lucrativos.

O entendimento dos estatizantes era simples: com o tempo, dada a qualidade e gratuidade do SUS, o sistema privado desapareceria ou ficaria apenas para os poucos milionários. O mundo andou e como estamos hoje? Mais de 40 milhões de contratos particulares com planos e operadoras de saúde, muitas de capital estrangeiro. E um sistema privado de qualidade internacional.  Isso já funciona no caso da Covid. Os hospitais e clínicas particulares atendem os doentes e aplicam os testes. Aliás, os altos dirigentes da República se tratam nesses hospitais.

Por que, portanto, não podem vacinar?  Por questões econômicas, éticas e políticas. Na economia: ainda há escassez de vacinas em relação à demanda mundial. As farmacêuticas que já têm o imunizante estão vendendo apenas para governos e instituições multilaterais, como a OMS. A entrada do setor privado no negócio, no mundo, aumentaria ainda mais a demanda e elevaria os preços. Assim, se cairia onde os líderes mundiais de respeito tentam evitar: que os ricos passem na frente.

Mas, para falar francamente, de novo, ricos, no cenário mundial, estão tentando passar à frente
A União Européia encomendou 400 milhões de doses à AstraZeneca, para entrega neste primeiro trimestre. A farmacêutica avisou, nestes dias, que não conseguirá entregar nem metade disso. Qual a reação de parte dos líderes da União Européia. Proibir a AstraZeneca, que tem sede na Europa, de exportar sua vacina antes de atender toda a demanda da comunidade. [são a esses democratas de araque que os traidores brasileiros querem entregar a Amazônia do Brasil. Foram comprados para vender a ideia, aos incautos, que a democracia desses países é a democracia secular. 
União Europeia, Estados Unidos e outros do mesmo naipe cultivam a democracia em que eles possuem o controle, o domínio total.]

Ainda bem que líderes como a alemã Angela Merkel se opõem ao que consideram falta de solidariedade global. Mas, veremos. A questão ética vem na sequência. Não se pode vacinar os ricos, aqui e lá fora, antes dos grupos prioritários, pobres ou não.  A questão política decorre das anteriores. Claro que os hospitais e clínicas privadas, assim como as grandes empresas, poderiam estar no mercado comprando vacinas, se é que já não o fizeram. Mas não estão querendo vacinar neste momento justamente por temor da reação da sociedade, dos clientes e dos parceiros comerciais.

Tudo considerado, no momento, no Brasil e no mundo, cabe aos governos comprar e aplicar as vacinas, seguindo a fila dos mais para os menos vulneráveis.  Não há problema onde os governos estão cumprindo isso. Não é o caso do Brasil. Como o governo Bolsonaro desdenhou da doença, está muito atrasado na busca dos imunizantes. Se não fosse o governo paulista, tudo o que teríamos seriam dois milhões de doses vindas da Índia.[não podemos esquecer:  
dois milhões de doses vindas da Índia, vacinam dois milhões de pessoas, com eficácia de 71%;  
dois milhões de doses da vacina chinesa, vacinam um milhão de pessoas, com eficácia de 51%.
Estupidamente, a turma do Doria quer usar as doses destinadas a segunda aplicação, nos que já receberam a primeira, e deixar para realizar a segunda aplicação  mais para a frente. O problema é que a bula da CoronaVac - como recomenda a Anvisa o documento que deve ser seguido - determina que a segunda dose deve ser aplica na 3ª/4ª semana. Os milhões vacinados no estado de São Paulo, correm o risco de não receberem a segunda dose a tempo e passarem à condição de semi vacinados.
Cabe perguntar: os que receberem a segunda dose com atraso, passarão à condição de imunizados, ou terão que receber outra dose?]

Saída de momento? O setor privado financiar o público e, sobretudo, apoiar na organização. Quando o Plano Nacional estiver funcionando normalmente, aí vai aparecer a vacina no sistema privado. E se o governo nem assim conseguir vacinar? Aí os mais ricos vão se vacinar à sua maneira.

Carlos Alberto Sardenberg,  jornalista


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O trilhão duvidoso da Previdência - Míriam Leitão

O Globo

Proposta do Senado enfraquece reforma da Previdência 



A proposta do Senado desidratou o projeto à vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez. A retirada do BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.

As concessões feitas pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE) reduziram a economia em 10 anos em quase R$ 100 bilhões, e uma parte por supressões feitas no texto da emenda original, que sendo aprovada vai para sanção. O relator argumenta que, em compensação, haverá um aumento de receita de R$ 155 bilhões. Só que isso está na PEC paralela que passará pela Câmara e, portanto, é mais duvidoso. O setor agropecuário exportador passaria a recolher contribuição previdenciária, que hoje não paga. Já se tentou isso na Câmara, mas foi derrubado. Além disso, o relator retirou a isenção das entidades filantrópicas de educação e saúde, e incluiu a obrigatoriedade de as empresas do Simples recolherem o correspondente ao custo do acidente de trabalho. Essa receita só virá se a PEC paralela for aprovada.

O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas isenções. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte para a população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os exportadores do agronegócio dizem que não se pode exportar imposto. E até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.

O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, prevê aumento de carga tributária se o governo elevar a arrecadação com o INSS em R$ 155 bilhões em 10 anos. — Se tiver aumento real de arrecadação do INSS é óbvio que a carga tributária vai aumentar. É uma medida que vai na contramão da redução da carga prevista pelo governo — afirmou. Além disso, lembra que o Brasil está para discutir uma reforma tributária.

O relatório do Senado reduziu de 20 para 15 anos o tempo mínimo de contribuição de quem ainda não entrou no mercado de trabalho. Na tramitação da Câmara havia sido reduzido para quem já está no mercado de trabalho. O próprio texto mostra a contradição dessa decisão. “A idade mediana da população vai aumentar em 13 anos até 2050. O avanço será um dos maiores do mundo segundo a ONU. A título de comparação, será de somente 4 anos nos Estados Unidos e 8 anos na Argentina”. Ou seja, quem entrar no mercado de trabalho no ano que vem, por exemplo, e vai se aposentar só depois de 2050 — quando o Brasil terá aumentado tanto a expectativa de vida ainda assim terá que contribuir apenas 15 anos.  O problema de retirar da PEC o critério de renda para a concessão do BPC é que aumenta o risco de continuarem as decisões judiciais com valores maiores. Pelo texto da Câmara, é considerado miserável quem tem apenas um quarto de salário mínimo como renda familiar per capita. O custo da mudança, segundo o Senado, é “inferior a R$ 25 bilhões”.

Outra desidratação foi a mudança na pensão por morte. A proposta era de ela ser 60% do valor do benefício do cônjuge falecido, acrescido de 10% por filho menor de idade. O Senado passou para 20%. Com dois filhos, portanto, chega-se a 100%. Isso parece justo para uma viúva ou um viúvo pobre. Mas o verdadeiramente pobre nem tem esse direito porque o BPC não deixa pensão. O problema são os altos benefícios. Pensão por morte, diz o texto do relatório, nos dois regimes, custam R$ 150 bilhões e crescem 4% acima da inflação. Na Alemanha, o cônjuge recebe 30%, no Canadá, 40%. [perguntinha boba: com uma pensão de 60% de um salário mínimo, como fazer face aos custos com remédios? na Alemanha e Canadá, os gastos do cônjuge com saúde são inexistentes ou mínimos - no Brasil, alguns remédios custam mais de um salário mínimo.]

O que parecia ser um grande avanço, que foi a inclusão dos estados e municípios, também dependerá da Câmara, porque está na PEC paralela. Além disso, é só autorizativo. Exigirá a aprovação de um projeto de lei em cada assembleia. É mais fácil aprovar do que uma emenda, mas ainda precisará de muito esforço legislativo. O governo nada reclamou das mudanças. Está torcendo para que não haja mais desidratações no relatório durante a discussão no Senado.


Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo