A proposta do Senado desidratou o projeto à
vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número
vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo
Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as
reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela
Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez
. A retirada do
BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.
As concessões feitas pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE)
reduziram a economia em 10 anos em quase R$ 100 bilhões, e uma parte por
supressões feitas no texto da emenda original, que sendo aprovada vai
para sanção. O relator argumenta que,
em compensação, haverá um aumento
de receita de R$ 155 bilhões.
Só que isso está na PEC paralela que
passará pela Câmara e, portanto, é mais duvidoso. O setor agropecuário
exportador passaria a recolher contribuição previdenciária, que hoje não
paga. Já se tentou isso na Câmara, mas foi derrubado. Além disso,
o
relator retirou a isenção das entidades filantrópicas de educação e
saúde,
e incluiu a obrigatoriedade de as empresas do Simples recolherem o
correspondente ao custo do acidente de trabalho. Essa receita só virá
se a PEC paralela for aprovada.
O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas
isenções
. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à
elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou
bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus
funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está
pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte
para a
população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os
exportadores do agronegócio dizem que
não se pode exportar imposto. E
até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação
(IBPT), João Eloi Olenike,
prevê aumento de carga tributária se o
governo elevar a arrecadação com o INSS em R$ 155 bilhões em 10 anos.
— Se tiver aumento real de arrecadação do INSS é óbvio que a carga
tributária vai aumentar. É uma medida que vai na contramão da redução da
carga prevista pelo governo — afirmou. Além disso, lembra que o Brasil
está para discutir uma reforma tributária.
O relatório do Senado reduziu de 20 para 15 anos o tempo mínimo de
contribuição de quem ainda não entrou no mercado de trabalho. Na
tramitação da
Câmara havia sido reduzido para quem já está no mercado de
trabalho. O próprio texto mostra a
contradição dessa decisão. “A idade
mediana da população vai aumentar em 13 anos até 2050. O avanço será um
dos maiores do mundo segundo a ONU. A título de comparação, será de
somente 4 anos nos Estados Unidos e 8 anos na Argentina”. Ou seja, quem
entrar no mercado de trabalho no ano que vem, por exemplo, e
vai se
aposentar só depois de 2050 — quando o Brasil terá aumentado tanto a
expectativa de vida —
ainda assim terá que contribuir apenas 15 anos. O problema de
retirar da PEC o critério de renda para a concessão do
BPC é que aumenta o risco de continuarem as decisões judiciais com
valores maiores. Pelo texto da Câmara
, é considerado miserável quem tem
apenas um quarto de salário mínimo como renda familiar per capita. O
custo da mudança, segundo o Senado, é
“inferior a R$ 25 bilhões”.
Outra desidratação foi a mudança na pensão por morte. A proposta era
de ela ser 60% do valor do benefício do cônjuge falecido, acrescido de
10% por
filho menor de idade. O Senado passou para 20%.
Com dois filhos,
portanto, chega-se a 100%. Isso parece justo para uma viúva ou um viúvo
pobre.
Mas o verdadeiramente pobre nem tem esse direito porque o BPC
não deixa pensão. O problema são os altos benefícios.
Pensão por morte,
diz o texto do relatório,
nos dois regimes, custam R$ 150 bilhões e
crescem 4% acima da inflação. Na
Alemanha, o cônjuge recebe 30%, no
Canadá, 40%. [perguntinha boba: com uma pensão de 60% de um salário mínimo, como fazer face aos custos com remédios? na Alemanha e Canadá, os gastos do cônjuge com saúde são inexistentes ou mínimos - no Brasil, alguns remédios custam mais de um salário mínimo.]
O que parecia ser um grande avanço, que foi a inclusão dos estados e
municípios, também dependerá da Câmara, porque está na PEC paralela.
Além disso, é só autorizativo
. Exigirá a aprovação de um projeto de lei
em cada assembleia. É mais fácil aprovar do que uma emenda, mas ainda
precisará de muito esforço legislativo. O governo nada reclamou das
mudanças. Está torcendo para que não haja mais desidratações no
relatório durante a discussão no Senado.
Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo