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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Judiciário brasileiro: o maior programa de redistribuição de renda da galáxia - Gazeta do Povo

Madeleine Lacsko

Privilégios
Embora as más línguas critique nossos programas de redistribuição de renda, somos os melhores em tirar do pobre para dar ao rico.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Muita gente reclama que o Brasil não consegue resolver a questão crônica da pobreza e redistribuição de renda. Programas como o Bolsa Família, por exemplo, têm resultados positivos mas recebem menos dinheiro do que o Bolsa Empresário Amigo de Governo, algo criado conjuntamente. No entanto, considero injusto dizer que não temos um programa de redistribuição de renda que funcione. Temos sim.

Talvez por falta de patriotismo você não saiba, mas o Brasil tem o mais eficiente programa de redistribuição de renda da galáxia. 
Redistribui do pobre para o rico e o rico ainda ganha o direito de chorar miséria e se dizer injustiçado. 
Chama-se Carreiras Jurídicas no Judiciário, MP e Defensoria. 
Nem deputado ganhou tanto benefício a mais na pandemia quanto estes bravos guerreiros.
 
Outro dia li a notícia de que os nobres desembargadores do Judiciário do meu estado querem aumento salarial porque estão trabalhando demais.  
Vocês sabem que eu já trabalhei no STF, assessorei associações de juízes e de promotores. 
Salvo raras e honrosas exceções, anônimas e lotadas no interior em sua maioria, difícil alguém que realmente pegue no pesado.

Fico pensando se resolvessem descontar das horas trabalhadas aquelas gastas em congressos nas cidades praianas ou dando entrevistas. 
Tem gente que, no final, iria ter trabalhado de verdade umas 4 horas por mês. O pessoal reclama da agenda do presidente, que tem menos compromisso do que minhas tias dondocas. Ficam xingando deputado que trabalha só de terça a quinta. Todo mundo aí tá trabalhando mais do que nossos bravos guerreiros da Justiça brasileira.

Obviamente é um privilégio para a casta da casta. Quem é trouxa dedicado acaba trabalhando em cidade pequena cheia de pobre e com ausência de outros órgãos do Estado.                                                      Daí, seja juiz ou promotor, vira uma espécie de faz-tudo.  Aliás, nesses casos nem ter a formação em Direito basta, o sujeito tem de ter CRM, CRO, CREA e, principalmente, CRP.     Vai resolver problema de todo mundo o tempo todo e ficar só com o salário mesmo, nada de penduricalhos mil nem folgas.

Anos atrás, o então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo defendeu de forma enérgica a necessidade de aumento de salários. Os juízes estariam até mesmo sem dinheiro para ir comprar terno em Miami. Absurdo! Um amigo que pegou uma comarca trabalhista tumultuadíssima no ABC me disse, talvez com inveja: "veja que esse deveria ser meu tipo de problema e eu pego só enrosco". Adivinha quem está pedindo aumento? O pessoal do terno em Miami, claro.

O amigo do ABC vive muito bem e vive agradecendo a Deus ter passado no concurso. Mas não chegou ao nível espiritual do terno em Miami nem de poder se ausentar do trabalho em função de dar entrevistas ou participar de convescotes. Durante a pandemia, o que ele ganhou foi processo disciplinar no CNJ. Saiu do sério numa audiência ao perceber que o empregado e o preposto da empresa estavam na mesma sala, escondendo do Judiciário que haviam feito acordo.

A renda do brasileiro caiu em torno de 10% durante a pandemia. Isso não quer dizer que cada um ganha 10% a menos, significa que tem gente absolutamente quebrada a ponto de gerar esse impacto na massa total de trabalhadores. Enquanto isso, viralizaram durante toda a pandemia as listas de quem recebeu salários de mais de R$ 100 mil na casta do Judiciário. Mas eles estão trabalhando demais e precisam de aumento. Será pago obviamente pelo pessoal que ficou mais pobre. Redistribuição de renda.

Esse gráfico é do Boletim Desigualdade das Metrópoles, da PUC/RS e mostra a variação da renda dos trabalhadores. Nada animador. Mas o dado mais interessante talvez seja o quanto é essa renda. Eu li em vários lugares que o baque econômico atingiu primeiro os pobres mas chegou já na classe média alta. Isso significa que a família ganha mais de R$ 3.100,00 per capita e está nos 10% mais ricos da população. Talvez você já esteja no clube dos bilionários sem saber.

Aqui está a prova cabal de que realmente temos, com as Carreiras Jurídicas do Judiciário e MP, o melhor programa de redistribuição de renda da Via Láctea. O vale-refeição dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Amapá é de R$ 3.500,00. 
Só isso já é R$ 400,00 a mais que a renda necessária para integrar a classe-média-alta brasileira, os 10% mais ricos. 
Leia essa coluna do Lucio Vaz e entenda por que eu luto tanto por uma nomeação no Judiciário brasileiro.

Obviamente não é em todos os tribunais que se tem tanto sucesso na redistribuição de renda. Os juízes do Tribunal de Justiça de Pernambuco recebem apenas R$ 1.561,80 de vale-refeição, o que deixa as refeições deles distantes da classe média alta. E veja a injustiça: só chegou nesse valor porque eles conseguiram um aumento de 46% no último mês de junho, em plena pandemia.

A coluna do Lucio Vaz traz os casos em que você é bem mais generoso com nossos bravos guerreiros da Justiça. Tem uma juíza que foi removida de um estado a outro e ganhou R$ 100 mil de auxílio-mudança. Eu achei que tinham aberto uma comarca na Lua quando vi o valor. 
De repente abriram mesmo, mas quem está lá é o desembargador do Rio de Janeiro que recebeu R$ 72.400,00 de indenização de transporte.       Por isso você teve de pagar a conta de celular de R$ 17.300,00 de um desembargador de Goiás, ligou para a nova comarca na Lua.

Mas eu estou preocupada mesmo é com a saúde de diversos desembargadores pelo Brasil
No Amapá, um deles recebeu R$ 163.000,00 de auxílio-refeição. 
Avalie o quando a Excelência precisou comer para chegar nesse valor, um perigo para a saúde. 
É por essas e outras que, no Maranhão, nós precisamos pagar R$ 334.000,00 de auxílio saúde para uma desembargadora. Ambiente insalubre o deles.

Em dezembro, 20 dos 26 desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas receberam salários de mais de R$ 100.000,00. O que recebeu mais teve rendimentos de R$ 237.067,45. Mas não é tudo salário.                                                                                                            São R$ 35.462,22 de salário, R$ 9.960,26 de indenizações, R$ 4.964,71 de direitos pessoais e R$ 186.680,26 de direitos eventuais. Eu não sei o que são direitos eventuais mas, se quiserem me pagar, também aceito.

Você pode achar os salários nababescos. Mas são cargos importantíssimos e que exigem muito preparo e estudo. Na verdade, o que o pessoal do Amazonas ganha não é suficiente para muitas coisas. Por mim, eles adotariam o auxílio-livro, à semelhança do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. São dois salários extras por ano, cerca de R$ 70.000,00. Como não têm a verba, os desembargadores do Amazonas passam perrengues como o da queda da estante de livros falsa na audiência virtual.

Tomara que o desembargador não ouça a jornalista porque é bem capaz de querer processar o vendedor do cenário por danos morais de verdade. As juízas que foram para o aeroporto errado e perderam o voo por isso processaram a companhia aérea e ganharam uma bolada, por que não? Quem vive nesse mundo é que julga os eventuais conflitos e disputa do país em que rico ganha menos que vale-refeição de juiz. É um sistema que definitivamente não tem como dar certo.
 

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Doria chamou a prefeita de Bauru de 'vassala' de Bolsonaro. Tem cabimento? O Estado de São Paulo

J R Guzzo

É esquisito
Tem cabimento o governador João Doria, oficialmente a autoridade pública número 1 do Estado de São Paulo, sair batendo boca com um prefeito municipal, em pleno decorrer de uma entrevista coletiva à imprensa? Mais: está certo o governador ofender publicamente a sua vítima, que além de ter sido eleita ainda outro dia para o cargo, é mulher e negra?  
O fato é que foi exatamente isso que Doria fez: chamou a prefeita de Bauru, Suéllem Rossim, que não pensa da mesma maneira que ele sobre a covid, de "vassala" do presidente Jair Bolsonaro. O delito de Suéllem, que propõe uma quarentena menos radical em sua cidade, foi ter tido uma audiência com o chefe da nação, durante uma visita a Brasília. Que mal há nisso? Ao que se saiba, é perfeitamente legal para qualquer prefeito brasileiro falar com o presidente do seu próprio país. Não precisa ser insultado por fazer o que tanta gente faz, todos os dias. 
 

Bauru, com os seus quase 400.000 habitantes, suas tradições e a glória de ter visto Pelé nascer para o futebol, é sem dúvida uma cidade notável – a começar por seus filhos ilustres, como o imortal inventor do sanduíche “bauru”, o jornalista Reali Jr. e o primeiro (e único) astronauta brasileiro, o atual ministro da Ciência e Tecnologia, além de muito mais gente boa. Mas, mesmo com tudo isso, Bauru continua sendo apenas um entre os 645 municípios de São Paulo; não há razão, assim, para mobilizar tão intensamente as atenções do governador do Estado, nem de levantar tanta ira de sua parte. É esquisito; não se espera que um governador de Estado, sobretudo do Estado mais importante do País, ande por aí procurando briga com um prefeito de cidade do interior, não é mesmo?

O grande problema, pelo que deu para entender, está no fato, lembrado em público por muita gente, que São Paulo tem mais mortos pela covid do que o Brasil como um todo, se forem levadas em conta as mortes a cada grupo de 1 milhão de habitantes. 
O Brasil, no momento em que Doria brigou com Suéllem, tinha 1.025 mortos por milhão; 
São Paulo estava com 1.185. 
Fica, então, uma pergunta de ordem prática: se o desempenho do governo federal tem sido uma calamidade tão absoluta ao longo da epidemia, como sustenta há meses o governador, por que os números de São Paulo, que ele diz ter uma gestão de altíssima competência no combate à covid, são piores que os do Brasil?
Esses números da covid, desde o começo, têm sido uma dor de cabeça permanente, para quem faz os cálculos e para quem lê; até hoje não existe um consenso sobre eles. O fato de haver mais mortes per capita, neste ou naquele país, também não quer dizer que a culpa seja dos seus governos
 
Afinal, a Inglaterra, a Itália e a França têm mais mortos por milhão de habitantes que o Brasil, e ninguém está dizendo que os governos de qualquer um deles esteja matando gente. De mais a mais, os números, segundo o critério usado, mudam a cada cinco minutos; também variam conforme quem faz os cálculos, quem publica as listas e qual o partido político dos calculadores. Não há razão, portanto, para achar que a doença leva em consideração o que as autoridades civis, militares e eclesiásticas acham a seu respeito, nem como contabilizam as suas mortes. 

O Estado de São Paulo, o mais rico do País, com mais leitos de UTI, mais hospitais, mais médicos, mais oxigênio, mais equipamento técnico de primeira linha, mais recursos e mais tudo, já teve acima de 50.000 mortos por causa da covid; os números paulistas, proporcionalmente, estão piorando os números do Brasil. Não dá para dizer que o responsável é o governador. Também não adianta nada brigar com a prefeita de Bauru.

JR Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo 

domingo, 15 de dezembro de 2019

Derrota de lavada da esquerda britânica tem algo a ensinar para o Brasil - Folha de S. Paulo

 Vinicius Torres Freire

PIB e situação social do Reino Unido vão mal, mas conservadores ganham de lavada     

Bem-estar social e economia não parecem ter sido os motivos da lavada do Partido Conservador na eleição britânica. “Economia”, de resto, é conceito amplo demais para servir de motivo de explicação, entre outros problemas.  Seja como for, explicar escolhas políticas tem andado mais difícil do que de costume nesta década de revoltas e reviravoltas. O nosso Junho de 2013 é um caso exemplar; o Reino Unido dá o que pensar para o Brasil de 2019 e para os Estados Unidos e sua crucial eleição de 2020.

Desde 2010, início da sequência de governos conservadores, a economia do Reino Unido cresceu à metade do ritmo registrado sob os governos trabalhistas deste século. A desigualdade de renda aumentou ligeiramente, mais visível na perda de renda dos 20% mais pobres e no aumento da renda dos 10% mais ricos.  Sob os conservadores, o gasto per capita em saúde pública cresceu 0,6% ao ano desde 2010, ante 3,3% da média desde o fim da Segunda Guerra. O gasto por estudante da escola fundamental caiu 8% desde 2010 e ainda mais no ensino médio. São dados oficiais compilados pela “Health Foundation” e pelo “Institute of Fiscal Studies”.

A situação obviamente não está boa e os britânicos estão revoltados, em especial trabalhadores de renda baixa, muitos agora ex-eleitores dos trabalhistas. Essa revolta, porém, se transforma em voto pelo brexit, contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. É um cenário conhecido e reconhecível em muitos países do mundo ocidental. Voltaram as “guerras culturais”, o debate de costumes, nacionalismos e outros mitos mais ou menos monstruosos que pareciam ao menos contidos desde a catástrofe da Segunda Guerra. Quase sempre os partidos à esquerda são derrotados quando as batalhas são disputadas nesses campos. Mas não parecem tão óbvios o motivo da preferência pela direita, da importância revivida das “guerras culturais” e da desimportância da discussão político-econômica.

É preciso lembrar que:
a) o aumento da produtividade nas economias avançadas está sendo capturado pelos mais ricos, nas últimas três ou quatro décadas, com quase estagnação no salário mediano real, com aumento de desigualdades e desesperança social;

b) os partidos da centro-esquerda em geral foram perdendo a identidade desde o começo dos anos 1990, virando sensaborias políticas e elitismos tecnocráticos: lembrem-se das Terceiras Vias, a versão zumbi da social-democracia.

Ou seja, as “guerras culturais” ocupam o espaço esvaziado de programas de esquerda, em particular daqueles que cheirem a naftalina dos anos 1970. Os guerreiros culturais oferecem explicações ou conforto para o ressentimento dos desvalidos e largados da economia do século 21, quando não criam diversionismos loucos e autoritários.

A esquerda não tem o que dizer ao povo miúdo nas guerras culturais ou econômicas. O que a isolada esquerda no Brasil tem a dizer ao crescente precariado, a outras massas de trabalhadores sem organização e aos “autônomos” em geral?
Essas pessoas desconfiam do Estado, que cobra imposto, azucrina ou impede o pequeno negócio ou bico, confisca mercadorias, leva propina, espanca, mata ou deixa que o traficante ou miliciano matem e roubem. Estado que, apesar desse policiamento fiscal ou terminal, não oferece escola ou hospital decentes.


A esquerda perdeu o trem ou o Uber do recomeço da história.

 Vinicius Torres Freire, colunista - Folha de S.Paulo


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O trilhão duvidoso da Previdência - Míriam Leitão

O Globo

Proposta do Senado enfraquece reforma da Previdência 



A proposta do Senado desidratou o projeto à vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez. A retirada do BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.

As concessões feitas pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE) reduziram a economia em 10 anos em quase R$ 100 bilhões, e uma parte por supressões feitas no texto da emenda original, que sendo aprovada vai para sanção. O relator argumenta que, em compensação, haverá um aumento de receita de R$ 155 bilhões. Só que isso está na PEC paralela que passará pela Câmara e, portanto, é mais duvidoso. O setor agropecuário exportador passaria a recolher contribuição previdenciária, que hoje não paga. Já se tentou isso na Câmara, mas foi derrubado. Além disso, o relator retirou a isenção das entidades filantrópicas de educação e saúde, e incluiu a obrigatoriedade de as empresas do Simples recolherem o correspondente ao custo do acidente de trabalho. Essa receita só virá se a PEC paralela for aprovada.

O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas isenções. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte para a população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os exportadores do agronegócio dizem que não se pode exportar imposto. E até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.

O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, prevê aumento de carga tributária se o governo elevar a arrecadação com o INSS em R$ 155 bilhões em 10 anos. — Se tiver aumento real de arrecadação do INSS é óbvio que a carga tributária vai aumentar. É uma medida que vai na contramão da redução da carga prevista pelo governo — afirmou. Além disso, lembra que o Brasil está para discutir uma reforma tributária.

O relatório do Senado reduziu de 20 para 15 anos o tempo mínimo de contribuição de quem ainda não entrou no mercado de trabalho. Na tramitação da Câmara havia sido reduzido para quem já está no mercado de trabalho. O próprio texto mostra a contradição dessa decisão. “A idade mediana da população vai aumentar em 13 anos até 2050. O avanço será um dos maiores do mundo segundo a ONU. A título de comparação, será de somente 4 anos nos Estados Unidos e 8 anos na Argentina”. Ou seja, quem entrar no mercado de trabalho no ano que vem, por exemplo, e vai se aposentar só depois de 2050 — quando o Brasil terá aumentado tanto a expectativa de vida ainda assim terá que contribuir apenas 15 anos.  O problema de retirar da PEC o critério de renda para a concessão do BPC é que aumenta o risco de continuarem as decisões judiciais com valores maiores. Pelo texto da Câmara, é considerado miserável quem tem apenas um quarto de salário mínimo como renda familiar per capita. O custo da mudança, segundo o Senado, é “inferior a R$ 25 bilhões”.

Outra desidratação foi a mudança na pensão por morte. A proposta era de ela ser 60% do valor do benefício do cônjuge falecido, acrescido de 10% por filho menor de idade. O Senado passou para 20%. Com dois filhos, portanto, chega-se a 100%. Isso parece justo para uma viúva ou um viúvo pobre. Mas o verdadeiramente pobre nem tem esse direito porque o BPC não deixa pensão. O problema são os altos benefícios. Pensão por morte, diz o texto do relatório, nos dois regimes, custam R$ 150 bilhões e crescem 4% acima da inflação. Na Alemanha, o cônjuge recebe 30%, no Canadá, 40%. [perguntinha boba: com uma pensão de 60% de um salário mínimo, como fazer face aos custos com remédios? na Alemanha e Canadá, os gastos do cônjuge com saúde são inexistentes ou mínimos - no Brasil, alguns remédios custam mais de um salário mínimo.]

O que parecia ser um grande avanço, que foi a inclusão dos estados e municípios, também dependerá da Câmara, porque está na PEC paralela. Além disso, é só autorizativo. Exigirá a aprovação de um projeto de lei em cada assembleia. É mais fácil aprovar do que uma emenda, mas ainda precisará de muito esforço legislativo. O governo nada reclamou das mudanças. Está torcendo para que não haja mais desidratações no relatório durante a discussão no Senado.


Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Levy recorre ao Facebook para reforçar aperto fiscal e volta a falar em aumento de impostos - Riscos de a profecia se realizar



Durante bate-papo na página do Portal Brasil, novo ministro da Fazenda afirmou que o governo precisa controlar gastos
Em sua primeira semana como ministro da Fazenda, Joaquim Levy aproveitou um debate promovido pelo Portal Brasil na rede social Facebook nesta sexta-feira para reforçar que sua prioridade na nova posição é diminuir os gastos públicos. Em respostas a internautas ele falou que o ajuste fiscal é o primeiro passo para o controle da inflação e a promoção do crescimento. "Para a gente segurar a inflação, é preciso que o governo não gaste demais. 

Se a gente fizer isso agora, vamos poder ter a inflação caindo no ano que vem", escreveu, depois de dizer que janeiro promete ser um mês de alta de preços, mas que, o Banco Central, "guardião" do dinheiro do brasileiro, em suas palavras, vai cuidar para que ela não ultrapasse o teto da meta de 6,5% em 2015 e convirja para 4,5% em 2016. "Para a economia voltar a crescer, temos de fazer algumas arrumações e isso pode mexer em alguns preços. Os economistas chamam isso de mudança nos preços relativos e ela é importante para acomodar a economia em um novo caminho de crescimento. Mas o mais importante é que o Banco Central, que é o guardião do valor do seu dinheiro, está atento e vai continuar cuidando para que a inflação esteja no caminho de não só ficar abaixo do teto, como expliquei acima, até o final de 2015, mas também para ela voltar para o objetivo de não passar de 4,5% em 2016", respondeu a um das 422 questões que os internautas enviaram. 

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2014 em 6,41%, conforme divulgado nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os custos com habitação, em especial energia elétrica, e alimentação foram os que mais pesaram no bolso do consumidor no ano passado. O resultado ficou bem próximo do teto da meta oficial (6,5%). [claro que ocorreram várias ações de maquiagem de preços, contenção de aumentos – caso dos combustíveis; se deixam o mercado funcionar, sem subterfúgios, sem contabilidade criativa o resultado teria superado em muito o apresentado como verdadeiro.] 

Em outra resposta Levy fala sobre a necessidade de "acertar algumas coisas, para retomar o crescimento e mesmo o aumento do emprego". Depois, mencionou a importância de fortalecer "a convicção de que o governo não pode gastar mais do que arrecada". Também cita a possível diminuição do volume de empréstimos com juros baratos para algumas empresas. "Empréstimo barato também é pago pelo contribuinte e tem que ser dado só em situações muito especiais", comentou. 

Ele explicou que o corte de gastos anunciado na quinta-feira se dará especialmente na máquina pública, mas não respondeu se o cronograma de concursos públicos, ou a convocação de quem já passou nas provas, sofrerá alterações em 2015. 

Impostos - O ministro da Fazenda voltou a falar sobre o possível aumento de impostos neste ano. "A gente provavelmente terá que pensar em rebalancear alguns impostos, até porque alguns foram reduzidos há algum tempo. E essa receita está fazendo falta", afirma. Ele tenta, porém, ponderar a notícia dizendo que se houver alguma mudança na carga tributária, ela será feita com "cuidado" e "depois de esgotadas outras possibilidades". [é preciso atenção e evitar que esse ministro não venha com ideia de recriar a CPMF e lembrar que quando aquela maldita contribuição foi extinta o governo aumentou exageradamente o IOF – cujas alíquotas podem ser alteradas por decreto, sem interferência do Congresso – e até hoje não reduziu.
Certamente o senhor Levy se lembra da extinção da CPMF quando menciona receitas que faz falta, mas finge não lembrar que o aumento do IOF, que era para ser transitório, permanece.]

Levy também comentou que agora a equipe econômica está fazendo seu dever de casa. "Estamos no caminho certo e, dessa vez a gente está tentando acertar as coisas bem antes de estar numa crise. Como diz um amigo meu, estamos podendo consertar o telhado em dia de sol."

Impossível, pelo menos por enquanto, saber até onde Dilma terá de bancar cortes e restrições de gastos para dissolver as desconfianças
A surpresa provocada pela escolha da nova equipe econômica ainda não foi totalmente assimilada. Nos discursos, entrevistas e, sobretudo, nos primeiros atos dos economistas nomeados, a linha ortodoxa adotada dá sinais de prevalência na condução das questões da economia. Mas, tanto entre a oposição política à presidente reeleita Dilma Rousseff quanto entre aliados mais à esquerda, a impressão é a de que não se acredita que essa pretensa nova linha de conduta terá vida longa.

Com a escolha de Joaquim Levy para chefiar a Fazenda, economista com antecedentes tucanos que serviu no primeiro governo Lula, Dilma entupiu o discurso econômico oposicionista, apropriando-se da proposta de instalação de um ciclo de austeridade na economia, central no discurso da oposição. Restou desconfiar de que a conversão de Dilma não era nem um pouco sincera, depois de tudo o que declarou e praticou em quatro anos de governo e, sobretudo, nas reiterações contrárias do marketing de sua campanha eleitoral.

Um reforço do argumento da desconfiança veio logo nas primeiras horas do segundo mandato. Dilma obrigou seu novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que anunciara estudos para rever a fórmula de reajuste do salário mínimo, a divulgar nota com um desmentido formal de que haveria mudança no cálculo. Dobraram, a partir do episódio, as apostas na brevidade da presença da dupla Levy-Barbosa no Ministério e, em consequência, da linha de austeridade prometida.

Na disputa política instalada depois das eleições de 2014, haverá espaço, diante dos “antecedentes” de Dilma, para se considerar que a qualquer momento o “bom caminho” deixará de ser trilhado, por mais que as ações do governo se mantenham na linha anunciada. Um dos principais problemas desse raciocínio está no conceito de “bom caminho”. E trapalhada em torno da regra de correção do salário mínimo é ilustrativa.  

A regra atual determina que o reajuste se dê pela combinação da variação da inflação com a do PIB dois anos antes. Barbosa tentou lançar a discussão sobre a substituição da fórmula atual, vigente até 2015, por uma outra que trocasse a variação do PIB pela da produtividade ou pela variação do PIB per capita. Qualquer das regras, no entanto, mantém, na pior das hipóteses, uma atualização real do salário mínimo — seu valor, em todas as variantes, seria reajustado minimamente pela inflação.

Contudo, não prosperou, a partir do episódio que contrapôs Dilma e Barbosa, um debate, talvez necessário, sobre a conveniência econômica da manutenção de uma regra fixa para o reajuste do mínimo. A regra atual e as propostas são todas pró-cíclicas — o mínimo sobe mais quanto mais cresce a economia —, mas é de se pensar se uma fórmula rígida é o melhor e, em caso afirmativo, se a fórmula não deveria ser contracíclica.

O que, enfim, prevaleceu na história do reajuste do salário mínimo nem foi o fato de que a fórmula preferida por Dilma é a que, pelo menos até 2017, na comparação com as sugestões de Barbosa, tende a produzir a menor correção do mínimo, sendo, portanto, a mais “austera”. A marca do evento foi a intervenção de Dilma, desautorizando seu ministro e reforçando a impressão de que a surpreendente conversão da presidente à austeridade ortodoxa não seria para valer.

É visível que está armado um ambiente propício à disseminação de uma espécie de profecia autorrealizadora — algo que acaba acontecendo porque se espera que aconteça. Impossível, pelo menos por enquanto, saber até onde Dilma terá de bancar cortes e restrições de gastos para dissolver as desconfianças em relação à sinceridade de seus propósitos de reequilibrar a economia. E evitar que todo o esforço nesse sentido acabe sendo em vão.

Fonte: Revista VEJA e O Globo