Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador mausoléu. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mausoléu. Mostrar todas as postagens

domingo, 12 de janeiro de 2020

O bunker do Rio Tigre - O bunker dos EUA em Bagdá - O Globo

Dorrit Harazim 

Embaixada dos EUA em Bagdá é um mastodonte, que ocupa uma área maior que a do Vaticano

No meio do caminho entre os Estados Unidos e o Irã tem mais do que uma pedra. Tem um país inteiro, o Iraque, à deriva entre esses dois graúdos senhores de sua autonomia. Não é de hoje que as fronteiras, identidade, paz ou governo iraquianos são movediços. O que muda são os protagonistas. “Ó povo de Bagdá, lembre-se que ao longo de 26 gerações vocês sofrem sob tiranos estrangeiros dedicados a insuflar árabes contra árabes e se beneficiar dessas dissensões”, proclamara já em 1917 o comandante em chefe das tropas britânicas, coronel Stanley Maude, ao capturar a capital Bagdá dos turcos e alemães, em nome dos aliados na Primeira Guerra Mundial.

Nada de que os próprios iraquianos precisassem ser lembrados, é claro. Tampouco agora precisam ser lembrados da fragilidade de sua soberania, quando foguetes iranianos atacam bases americanas no Iraque, e os EUA usam seu espaço aéreo para matar o general mais poderoso do Irã. Ainda na sexta-feira, o primeiro-ministro interino Adel Abdul-Mahdi reiterou cauteloso pedido a Washington visando a estabelecer algum mecanismo para a efetiva retirada das tropas americanas de seu solo. Como esta questão tem potencial para alterar todo o tabuleiro geopolítico da região, nada de imediato é esperado, sobretudo em tempos de alta tensão.


Em algum momento da história, porém, um último militar dos Estados Unidos haverá de embrulhar a bandeira e deixar a terra invadida e ocupada em 2003. E ficará em solo iraquiano um mausoléu do governo George W. Bush tão ilustrativo dessa era quanto o delirante palácio presidencial de Saddam Hussein, cujas entranhas de luxo e barbárie foram expostas à curiosidade mundial após a deposição do dono. Trata-se da Embaixada dos Estados Unidos em Bagdá. 

Quem a definiu em termos absolutos foi o britânico Martin Kemp, professor emérito de História da Arte na Universidade de Oxford. “A embaixada não deve ser olhada como ‘arquitetura’. Ela é um insulto a uma cidade de grande histórico cultural visual. Suas paredes são pontuadas por olhos sem alma. Seus ouvidos são surdos para o mundo. Trata-se de um monstro”, resumiu em artigo para o “New York Times” pouco após a inauguração do complexo, em 2009.

Kemp referia-se ao mastodonte emparedado de 21 edificações às margens do Rio Tigre, que ocupa uma área maior do que o Vaticano. Inaugurada ao final da fase militar da ocupação americana do Iraque, o empreendimento feito sem licitação teve o custo original de meio bilhão de dólares aumentado para U$ 750 milhões (equivalentes a R$ 3,02 bilhões) por um erro de cálculo elementar: nem o Pentágono nem o Departamento de Estado imaginaram que os 16 mil eventuais ocupantes do complexo (10% funcionários diplomáticos, 10% administradores, 30% pessoal terceirizado para serviços, 50% pessoal de segurança) não se sentiriam seguros sequer para circular pelo perímetro mais bem protegido de Bagdá a chamada Zona Verde que abriga tanto as embaixadas quanto o governo iraquiano. Resultado: foi construído um mundo estanque. Um bunker dentro de um bunker.

Hoje ocupado por apenas 1.000 funcionários regulares (descontando serviçais e aparato de segurança), ele tem desde restaurante à prova de morteiro e foguete até cinemas, shopping e escolas; de usinas elétrica e hidráulica a tratamento de esgoto e lixo, unidade de bombeiros, de fuzileiros navais, comissariado, nomes de ruas como Main Street e Broadway — ah, e a chancelaria, é claro. Os manifestantes pró-iranianos de dias atrás conseguiram invadir apenas um primeiro cinturão de acesso ao complexo, sem chegar à embaixada propriamente dita.

Há muito embaixadas deixaram de ser um intocável oásis de território soberano cravado mundo afora para abrigar a diplomacia e interesses comerciais, enquanto as bases militares tratavam do grosso. Adaptaram-se aos novos tempos, como demonstra Jane C. Loeffler no interessantíssimo “The Architecture of Diplomacy: Building America’s Embassies” (sem edição no Brasil). Para a historiadora, a arquitetura da embaixada de Bagdá transmite ausência de confiança dos Estados Unidos nos iraquianos, e portanto escassa esperança quanto ao futuro independente e soberano do país.

“Até quando esta fortaleza em solo estrangeiro vai poder ficar de pé sem ofender ou enfurecer a população?”, perguntava uma década atrás o coronel reformado Douglas Macgregor, que serviu na primeira Guerra do Golfo. Peter Van Buren, funcionário do Departamento de Estado e integrante da equipe do programa de reconstrução do Iraque, também narrou sua experiência em livro. O titulo é interminável — “Tínhamos boas intenções: como ajudei a perder a guerra pelos corações e mentes do povo iraquiano”. Seu autor não deve ter mudado de opinião sobre o mamute do Rio Tigre:
“É uma fortaleza destinada a manter o povo e a realidade do lado de fora”. Também uma pedra no caminho.
Dorrit Harazim, colunista - O Globo
 
 

sexta-feira, 15 de junho de 2018

O ópio do povo

Apropriando-se de uma máxima do idealizador do comunismo Karl Marx, que dizia que a religião é o ópio do povo, o genial Nelson Rodrigues acusava os esquerdistas modernos de acharem que o futebol, sim, é o ópio do do povo. Bem quisera Vladimir Putin que a frase de Nelson, não a de Marx, fosse verdadeira na Rússia de hoje, quando começa para valer a última etapa do seu projeto de “soft power” em relação à Copa do Mundo de futebol.

Sem grandes expectativas por parte da população, descrente da seleção depois de uma série de derrotas, Putin sabe que o objetivo não pode ser entregar a Taça ao capitão russo Akinfeev, já considerado o pior goleiro da Liga dos Campeões, mas sim entregar ao mundo uma Copa bem organizada e sem problemas de violência, comuns aos torcedores russos, e riscos para a segurança das delegações e de milhares de autoridades e turistas que vão chegando à Rússia.

O fracasso da seleção russa é tamanho que um famoso jornalista de televisão iniciou campanha de autoestima denominada “o bigode da esperança” com base no bigode do técnico Stanislav Cherchesov.  Atribui-se a Putin uma improvável manobra no sorteio das chaves da Copa para que o jogo inicial fosse contra um time inofensivo. Deu Rússia e Arábia Saudita, a única seleção que tem piores resultados que os dos anfitriões. 

Coincidência ou não, esta será apenas uma das três Copas em que o jogo de abertura não tem um país campeão em campo. Em se tratando de FIFA e de Putin, tudo é possível, no entanto. Além da Arábia Saudita, a chave dos anfitriões tem ainda o Egito, dois países de maioria muçulmana que se encontram em posições distintas na guerra da Síria em relação à Rússia, que apóia a Bashar Al Assad: enquanto a Arábia Saudita opõe-se ao líder sírio, o Egito tem posição mais cautelosa. O Egito, no entanto, pode causar danos irreversíveis a Putin na Copa do Mundo. Como uma das duas vagas do grupo deve ficar com o Uruguai, a disputa da segunda ficará provavelmente entre Rússia e Egito, que tem no jogador Salah um diferencial que pode eliminar a seleção anfitriã ainda nas oitavas. [Atualizando: Egito perdeu para o Uruguai, 1 a 0 e a Rússia venceu a Arábia Saudita por 5 a 1.]

Cercado de símbolos capitalistas, o passado comunista da União Soviética que Putin ajudou a enterrar cisma de estar presente, como em frente ao estádio de Lujiniki, onde uma estátua de Lenin tem que conviver com uma grande propaganda da Coca-Cola. Em tudo semelhante ao filme alemão “Adeus Lenin”, que conta as dificuldades de um filho que tenta mudar a realidade para proteger a mãe, uma comunista radical que sai do coma após um ano, e não suportaria visões chocantes para ela, como a queda do Muro de Berlim e um grande cartaz da Coca-Cola em frente a seu prédio.

Na Rússia de hoje, essa convivência não é evitada, ao contrário, tornou-se mais um atrativo turístico. Foi-se a época em que Yeltsin queria retirar da Praça Vermelha o mausoléu de Lenin, para enterrar literalmente esse passado. Putin, ao contrário, mandou restaurar a múmia e a recolocou novamente onde os turistas possam visitá-la. A festa de abertura da Copa terá a presença de Ronaldo Fenômeno, na impossibilidade de Pelé comparecer devido a problemas no quadril. Putin, aliás, apostava muito na presença de Pelé, com quem se abraçou na cerimonia de sorteio das chaves da Copa do Mundo. A abertura será a cerimonia mais breve das últimas Copas no estádio de Lujiniki, reformado ao custo de R$ 1,4 bilhão, com acusações de superfaturamento. O mesmo que aconteceu com o nosso Maracanã.


Merval Pereira - O Globo