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quarta-feira, 19 de julho de 2023

Banco Central - Real Digital: Projeto de moeda eletrônica estatal permite cancelamento financeiro dos cidadãos - Ideias

Ideias - Roberta Ribeiro

Segundo análise de desenvolvedor, o piloto do Real Digital dá poderes totais ao Banco Central para congelar, transferir, criar e destruir ativos financeiros| Foto: Pixabay

O piloto do Real Digital, projeto do Banco Central para criar uma moeda eletrônica estatal brasileira, dá poder inédito ao governo sobre os ativos financeiros da população: acesso a todos os investimentos, gastos, financiamentos e outros serviços financeiros. 
O Real Digital, conforme está estruturado atualmente, ainda permite que o governo transfira quantias para outras contas, desconte impostos diretamente de rendimentos, decida por quanto tempo os recursos podem ser guardados ou simplesmente congele todo o patrimônio digital sem a permissão do efetivo dono do dinheiro.

O conjunto de programações da moeda digital brasileira foi compartilhada, no dia 3 de julho, pelo Banco Central do Brasil (Bacen) no GitHub, uma plataforma para desenvolvimento e compartilhamento de softwares.

Ao contrário do que ocorre em sistemas de moedas virtuais, nos quais os usuários têm autonomia e liberdade para gerir suas carteiras sem intermediações institucionais, o proposto pelo Bacen possibilita controle total pela autoridade financeira ou pelas instituições por ela designadas sobre os usuários e seus ativos.

O sistema também não apresenta quaisquer restrições para a criação das moedas digitais, o que equivaleria a imprimir notas indefinidamente, mesmo sem lastro. 
Outro aspecto importante é que o projeto piloto oferece uma capacidade praticamente instantânea de rastreamento e acesso a toda e qualquer informação de seus usuários. 
Ou seja, acesso e controle a toda sua vida financeira com apenas um clique.

É bom lembrar que fora do Brasil já se tornou comum restrições financeiras motivadas por visões políticas. A plataforma de pagamentos digitais PayPal, por exemplo, encerrou em 2022 a conta da Free Speech Union (União da Liberdade de Expressão), organização britânica que defende acadêmicos críticos e pessoas que perderam seus trabalhos por expressar opiniões, sem dar maiores explicações.

Durante protestos de caminhoneiros contra o passaporte vacinal da Covid-19, no início de 2022, o primeiro-ministro Justin Trudeau deu ordens para que bancos parassem de “oferecer quaisquer serviços financeiros a pessoas relacionadas aos protestos”, incluindo congelamento de contas, cancelamento de cartões e sequestro de fundos.

Mesmo no Brasil, medidas semelhantes já foram tomadas.
Em agosto do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a desmonetização de 14 canais de direita hospedados no YouTube investigados por "comprovadamente" propagarem desinformação sobre as eleições.

Controle total
A descoberta das "funcionalidades" do protótipo do Bacen, que não deixa de se assemelhar a sistemas de controle imaginados em distopias totalitárias, é de Pedro Magalhães, desenvolvedor especialista em Blockchain e cofundador da Iora Labs, empresa que presta serviços de verificação de contratos digitais.

Ele afirma que, atualmente, não há um sistema de moedas digitais semelhante ao proposto pelo Banco Central. "No Bitcoin e no Ethereum [as duas principais moedas virtuais] você tem a chave para controlar a sua carteira [uma espécie de conta-corrente]. Também há regras específicas sobre como essas moedas podem ser criadas. Mas, no caso do Real Digital, tudo isso pode ser controlado pelo Banco Central, o que não existe em nenhum outro sistema".

A descoberta de Magalhães foi primeiramente divulgada pelo Portal do Bitcoin. Diante das alegações, o portal pediu a outros desenvolvedores que confirmassem a existência dessas funcionalidades no projeto piloto do ativo digital brasileiro, e a resposta foi afirmativa.

Blockchain
Mychel Mendes, contador e especialista em criptomoedas consultado por esta reportagem, disse que, do modo como está proposto, o projeto piloto do Real Digital praticamente não mudaria a forma como os usuários já utilizam os serviços de bancos digitais para fazerem transferências, pix, compras online ou pagar boletos. "As facilidades para os usuários do Real Digital não vão mudar em nada."

O que muda drasticamente são os benefícios e o controle que o Banco Central e as autoridades financeiras passam a ter ao incorporar as funcionalidades de redes de Blockchain ao sistema. "É um ganho tecnológico gigantesco, mas não para a gente (os usuários), e sim para o Banco Central. A Blockchain é mais segura, mais barata e mais fácil de se conectar, você pode enviar recursos diretamente para outros países, por exemplo, na mesma velocidade em que a gente faz um pix".

A Blockchain pode ser entendida como uma rede de negócios em que todos os registros, gravados de forma imutável, são compartilhados, o que facilita o processo das transações e de rastreamento de ativos, conforme está explicado no site da IBM. 
Além disso, como a rede é também mantida de forma conjunta - todos os usuários podem fornecer poder computacional para sua sustentação.


Por essas razões, as redes Blockchain são mais seguras e ágeis do que as redes bancárias convencionais, cujos dados ficam estocados em servidores. Essa alocação dificulta o acesso às informações, o que não ocorre quando são mantidas em rede, além de facilitar ataques de hackers, já que os dados ficam centralizados em um único local – da mesma forma que é mais fácil assaltar um único banco que roubar 100 agências de uma única vez.

Cancelamento digital
Outra característica que garante a segurança das redes Blockchain é que, para realizar mudanças na sua condução e nos processos, é preciso que elas sejam aprovadas por grande parte de seus usuários. No entanto, no caso do Real Digital essa premissa não é válida. "O Real Digital dá ainda mais controle para o Banco Central. Se eles quiserem dizer que essa conta é de um CNPJ e que vou descontar os tributos de tudo o que ele movimentar, eles podem fazer. Se eles quiserem dizer que você não pode armazenar o dinheiro por tanto tempo, porque o dinheiro parado é um problema para o banco, eles podem definir isso. Eles podem criar qualquer regra para o dinheiro", afirma Mendes.

Além disso, como no Blockchain o acesso aos dados é simples e praticamente imediato, é mais fácil que esse controle também seja exercido por outros órgãos, como Receita Federal. O Poder Judiciário poderia, por exemplo, bloquear o acesso de um cidadão a seus próprios recursos, uma espécie de cancelamento financeiro. "O risco é vender como criptomoeda o que não é. Esse modelo torna ilimitado o poder do Estado sobre o dinheiro", conclui Mendes.

O economista norte-americano Robert Wenzel tem opinião semelhante. Em 2020, quando o Federal Reserve (Fed – o Banco Central dos EUA) anunciou o lançamento de sua versão de moeda digital, a Fedcoin, ele comentou que “uma moeda digital criada pelo Fed poderia ser um dos passos mais perigosos tomados por uma agência do governo. Colocaria, nas mãos do governo, a possibilidade de criar uma moeda digital com a capacidade de rastrear todas as transações em uma economia — e proibir transações por algum motivo. Em termos de liberdade individual no futuro, isso seria um pesadelo”, afirmou e economista, segundo reportado pelo site Money Times.

Apenas testes
Conforme mencionado pelo Portal do Bitcoin, o Bacen afirmou que uma das razões de ser do projeto piloto é receber feedback de desenvolvedores e programadores para alterá-lo ou atualizá-lo em face das fragilidades encontradas. Ainda disse que o piloto tem uso destinado apenas para ambiente de testes e que não deve ser reproduzido para operações reais.[será???]

A respeito das descobertas de Magalhães, o Banco Central admitiu que é possível executar essas funções. “O Bacen e instituições já dispõem de funcionalidades similares no ambiente atual de sistemas como SPB e Pix, sendo seu uso regido por lei e regulamento”.

Para Pedro Magalhães, a proposta atual para o Real Digital se assemelha a "dar as chaves da sua casa para que alguém possa ter total acesso e controle dela". Mesmo que essas funcionalidades sejam reguladas por leis, a possibilidade de que tamanho controle seja exercido não deixa de ser uma ameaça à propriedade privada e às liberdades individuais.

Procurado pela Gazeta do Povo para comentar sobre o Real Digital e seu projeto piloto, o Banco Central não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
  

Roberta Ribeiro, colunista - Ideias - Gazeta do Povo 

 

domingo, 15 de setembro de 2019

Criptomoeda: o futuro chegou - Moedas digitais revolucionaram os negócios e em breve estarão no seu dia a dia - Isto É


Criptomoeda: o futuro chegou

Conhecidas até recentemente apenas como ativos para investimento, as criptomoedas ganham novas funções para promover o comércio de bens e serviços

Moradora de uma cidadezinha da região amazônica, Neusa começou a usar cartão de crédito quando era estudante do ensino médio. Adquiria produtos que chegavam até sua casa após uma jornada de barco que terminava no cais, onde retirava as mercadorias já pagas. Hoje, faz compras com criptomoedas. Seu uso não exige o intermédio de uma operadora de cartão de crédito. Com a criptomoeda, ela também envia um dinheirinho para o filho sem pagar taxas bancárias. O mais velho faz intercâmbio no exterior e troca a criptomoeda por moeda corrente. Neusa é cabeleireira, mas poderia ser advogada, balconista, médica, faxineira, executiva, funcionária pública. Recebe por seus serviços também com outro tipo de criptomoeda, que ganha espaço concorrendo com os meios de pagamento tradicionais. Por enquanto fictício, este cenário está para se materializar no Brasil e no resto mundo com a consolidação das moedas virtuais, que revolucionam a forma como nos relacionamos economicamente. É o que almejam desde executivos gigantes, como David Marcus, CEO do Libra, a moeda virtual do Facebook, até empreendedores digitais, como o brasileiro Pedro Alexandre, CEO da Wiboo e criador do Wibx, moeda nacional direcionada ao varejo.


As criptomoedas ficaram famosas com o Bitcoin, que teve uma valorização meteórica em 2017 quando sua cotação passou de US$ 960 para US$ 20 mil. Depois de cair, voltou a se valorizar este ano, e atualmente está cotado em cerca de US$ 10 mil. Essa moeda começou de forma experimental e hoje é negociada em todo o mundo com um valor de mercado de US$ 180 bilhões. No Brasil, a incorporadora Tecnisa foi uma das pioneiras em trabalhar com ela, aceitando-a nas negociações de imóveis. Segundo a empresa, foi a primeira construtora listada em bolsa do mundo a aceitar a criptomoeda. Essa trajetória fez vários investidores se familiarizarem com as novas moedas, cuja compra e venda é realizada principalmente nas chamadas exchanges (corretoras). Mas agora, com as chamadas criptomoedas de segunda geração, as funções se ampliaram. É o caso do Wibx, que representa três modelos de negócio: é um criptoativo, uma moeda para o varejo e um meio de fidelização. Essas novas funções estão fortalecendo e ampliando o mercado, diz Fabrício Tota, diretor de OTC em grandes clientes no Mercado Bitcoin, umas das maiores corretoras do País, que negocia as principais moedas como Bitcoin, Litecoin e Ethereum. Só essa exchange tem 1,6 milhão de clientes cadastrados, contra 1,2 milhão no final do ano passado. O volume negociado em 2019 já alcança R$ 3,5 bilhões. “O mercado está crescendo de forma sustentada. É uma cadeia, não uma explosão. A alta ocorre até num momento de maior estabilidade, como vivemos agora, com volatilidade pequena”, diz.
Criptomoedas ficaram famosas com o Bitcoin, que teve valorização meteórica. Hoje, crescem de forma sustentada

No caso do Wibx, o objetivo é entregar valorização, recompensa ao usuário (como os programas de fidelidade) e promover a descentralização da publicidade (como fazem as redes sociais, por meio do engajamento). Assim que houver a possibilidade de conversão (a troca da criptomoeda por dinheiro), ela estará apta para ser aceita também no varejo. “O celular se tornou a ferramenta mais poderosa do planeta. Com ele, as pessoas vão se tornar seus próprios bancos”, diz Alexandre. Diferente de outras criptomoedas mais antigas, como o Bitcoin, que funciona como um ativo de investimento, mas não possui penetração no varejo, a nova moeda virtual brasileira quer ser uma parceira das empresas de meios de pagamento (as maquininhas). “Seremos um integrador com outras plataformas, o que deve incluir também serviços de streaming, telefonia móvel em um modelo ponto-a-ponto”, diz Alexandre. “O Wibx beneficia o varejista porque estimula que as pessoas usem para comprar. Fomenta a economia real”, diz Guga Stocco, co-fundador da Domo Invest e um dos conselheiros da Wiboo.

POPULARIZAÇÃO Sucesso das criptomoedas levou o comércio a adotar a novidade. No Brasil, o Wibx será parceiro da Cielo (Crédito:Weedezign)
(...)

Para apoiar o negócio, algumas iniciativas de impacto estão em curso. A Cielo, uma das principais plataformas de meios de pagamento do Brasil, será parceira. O Wibx também vai ser empregado para aquisição de produtos licenciados nos Jogos Pan-Americanos Masters, no Rio de Janeiro, em setembro do ano que vem. A expectativa é que 15 mil atletas amadores participem do evento. Uma das primeiras ações da empresa foi fechar uma parceria com a Associação Nacional de Restaurantes, oferecendo integração com as grandes redes.

No mundo, as iniciativas se multiplicam e atraem as novas gerações. “Vamos chegar onde as moedas correntes não chegam”, afirma Fernando Barrueco, diretor jurídico da Bolsa de Moedas Virtuais Empresariais de São Paulo (Bomesp), que defende o potencial desse novo ecossistema. Graças à rastreabilidade, as criptomoedas podem reduzir custos. É o caso de cinco grandes indústrias farmacêuticas brasileiras, que gastam até R$ 230 milhões ao ano com a distribuição de 200 mil amostras grátis de remédios — cerca de 5% do faturamento. Com a adoção das moedas, esses laboratórios vão distribuir “cupons” virtuais aos médicos, que os repassarão aos pacientes. Ao serem retirados nas redes de farmácias, a indústria saberá quem e como seus produtos são usados, já que os médicos não têm a obrigação de prestar relatórios aos fabricantes.
As corretoras tradicionais buscam seu espaço nesse imenso campo de possibilidades. A B&T Câmbio criou a Z.ro Bank para liquidação de moedas virtuais. Eles pretendem ser o elo final de uma cadeia que vai da grande marca ao motorista de aplicativo. “As plataformas [de pagamento] ainda não estão preparadas”, afirma o CEO Edísio Pereira Neto. A empresa pretende dar rapidez às operações de conversão, que vão demorar segundos, permitindo que o dinheiro de verdade caia na conta em poucas horas. Hoje, a demora é um dos problemas de algumas corretoras, o que provoca desistências de consumidores e empresas.

O negócio do dinheiro virtual poderá movimentará centenas de bilhões de dólares nos próximos anos. Só nos EUA há mais de 1 bilhão de dólares reservados por empresas americanas que buscam investimentos de risco em criptomoedas. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, até 2027 10% do PIB global será armazenado na forma de criptoativos. Essa nova economia foi sacudida este ano com a notícia de que o Facebook iria lançar sua própria moeda, o Libra, em 2020. Com uma base de 2,3 bilhões de usuários, a rede social tem o potencial de mudar a dinâmica de como o mercado funciona. Lastreado no dólar, euro, iene, libra esterlina e dólar de Cingapura, o Libra chamou a atenção dos Bancos Centrais do mundo inteiro. O temor é que possa desestabilizar moedas internacionais. Como o Libra é registrado na Suíça, o governo americano pressiona o CEO David Marcus, temendo manipulações chinesas com o yuan. O Facebook, por seu lado, disse que vai colaborar com as autoridades. “Ainda há muitas perguntas a serem respondidas e preocupações a serem abordadas, mas, mesmo assim, avançamos”, diz Marcus.
Com o Libra e uma base de 2,3 bilhões de usuários, o Facebook pode mudar  a dinâmica de como o mercado funciona

Enquanto a moeda do Facebook não se concretiza — o plano inicial era ser lançada em junho do próximo ano —, autoridades se debruçam sobre formas de driblar os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, por exemplo. No Brasil, por determinação da Receita Federal, operações com criptomoedas passaram a ser informadas a partir de agosto. Já as operações realizadas em corretoras no exterior e as feitas entre as próprias pessoas físicas ou jurídicas sem intermédio de corretoras precisam ser reportadas pelos usuários. O imposto é sobre operações, indo de 15% a 22% sobre o lucro na venda, a partir de R$ 35 mil ao mês. O Banco Central já determinou que o dinheiro virtual é uma commoditie digital passível de entrar em balanços, deixando o mercado se desenvolver – o que contraria nossa lógica histórica de intervencionismo. “Estamos no início, mas as perspectivas são de valorização. Há muito potencial e o governo se mostra aberto”, diz Safiri Felix, diretor-executivo da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto). Ou seja, acostume-se com as moedas digitais: muito em breve, você ainda vai ter uma.

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