“O alinhamento proposto por Bolsonaro é o eixo político
representado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu”
O traço mais marcante da posse dos novos ministros ontem foi a
cordial e diplomática transmissão de cargo entre os ministros que
assumiram suas funções e a equipe do ex-presidente Michel Temer, mesmo
em setores onde mudanças estruturais acabaram com ministérios
importantes. O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann foi
tratado com toda a deferência pelo novo ministro da Justiça, Sérgio
Moro, assim como o ex-ministro Torquato Jardim. A exceção foi a sucessão
no Itamaraty, onde o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira fez um longo
discurso em defesa das melhores tradições da diplomacia brasileira e foi
calorosa e longamente aplaudido pelos diplomatas presentes, muito mais
do que o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
É muito raro o ministro que sai ser muito mais aplaudido do que o
ministro que entra, ainda mais num ambiente cujo cerimonial é dos mais
rigorosos e as disputas ocorrem com punhos de renda.
Araújo, porém, foi
corajoso. Num discurso no qual não conseguia esconder a tensão, misturou
São João Batista com Renato Russo e pregou uma política externa
missionária, anti-iluminista e antiglobalista, nacionalista e
assumidamente de cunho religioso
. “Não mergulhemos nessa piscina sem
água que é a ordem global”. Segundo ele, o Itamaraty
“existe para o
Brasil e não para a ordem global”. O alinhamento proposto por Bolsonaro é
o eixo político representado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Mesmo
diante de uma plateia que aproveitou a solenidade para mandar um recado
malcriado ao novo chanceler, Araújo não deixou nenhuma dúvida de que vai
realmente chacoalhar o Itamaraty.
O problema da nova política externa, porém, não é a sintonia com o
discurso de Bolsonaro, mas a necessidade de se posicionar
estrategicamente em relação ao comércio exterior, à política nacional de
defesa e ao contato com os vizinhos, num mundo no qual o eixo do
comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico.
O Brasil não
pode entrar de cabeça na guerra comercial dos Estados Unidos contra a
China, que se transformou no nosso maior parceiro comercial, ainda mais
sem ganhar nada em troca.
A propósito, a medida provisória do presidente Jair Bolsonaro
publicada ontem no Diário Oficial
respalda Araújo na guinada à direita
na política externa brasileira. Mudar não somente o estilo, mas o eixo
de atuação da nossa diplomacia. A MP altera trecho da lei que define o
regime jurídico dos servidores do Serviço Exterior Brasileiro. Abriu
espaço para que não diplomatas possam exercer chefia.
A Lei nº 11.440,
de 29 de dezembro de 2006, determinava que
“o Serviço Exterior
Brasileiro, essencial à execução da política exterior do Brasil,
constitui-se do corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento
efetivo, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das
Relações Exteriores, no Brasil e no exterior, organizados em carreiras
definidas e hierarquizadas”. O novo texto ressalva nomeações para
“cargos em comissão e funções de chefia, incluídas as atribuições
correspondentes, nos termos do disposto em ato do Poder Executivo.”
Congresso
Além disso,
embora não dependa da medida provisória, pois o cargo é
de livre nomeação da Presidência,
essa mudança robusteceu as
especulações de que um dos filhos do presidente da República, o deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
pode vir a ser nomeado o novo
embaixador em Washington. Deputado mais votado do país,
[pouco mais de 1.800.000 votos, desde a proclamação da república - sendo bolsonarista de raiz, me sinto à vontade para comentar que falta ao deputado Eduardo Bolsonaro aquela, digamos, finesse típica da Casa de Rio Branco.] é um dos
porta-vozes da nova política externa e esteve nos
Estados Unidos logo
após as eleições, para estreitar as relações do pai com o governo
norte-americano, atropelando o Itamaraty. Além disso, foi um dos
principais padrinhos da indicação de Araújo, alinhado às teses do
filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da família Bolsonaro.
Eduardo Bolsonaro é homem de confronto e não de conciliação. No
momento, não é indispensável na Câmara, pois o que predomina na relação
do novo governo com a Casa é a composição. Ontem, o presidente do PSL,
deputado Luciano Bivar (PE), anunciou o apoio da bancada de seu partido à
candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ), adesão que praticamente consolida
seu favoritismo, porque pode unificar a base governista e dividir a
oposição. O adversário mais forte é o vice-presidente da Casa, Fábio
Ramalho (MDB-MG), muito querido entre os colegas.
Tudo indica que o acordo foi uma operação casada muito além da
garantia de que o PSL terá o controle da Comissão de Constituição e
Justiça da Casa, uma vez que Bivar também anunciou a candidatura do
senador Major Olímpio à Presidência do Senado. Com grande votação em São
Paulo, pode vir a ter o apoio dos senadores do DEM e outros partidos da
base do governo. Mesmo assim, o favorito na disputa pelo comando do
Senado é Renan Calheiros (MDB-AL), que já presidiu a Casa por quatro
vezes, mas até agora não admitiu sua candidatura. Renan não teme a
disputa, teme uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Marco Aurélio inviabilizando sua candidatura.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - CB