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domingo, 16 de abril de 2023

Dólar, yuan e idiotice - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Países, empresas e pessoas de todo o mundo não querem real, yuan nem peso argentino

O gênio de Millôr Fernandes deu ao Brasil o imortal Ministério das Perguntas Cretinas. 
Agora, neste governo Lula 3, torna-se urgente a criação do Ministério das Declarações Cretinas. Objetivo: receber e deixar registrada, com número de protocolo e tudo mais, a espetacular produção de frases idiotas por parte do presidente da República, seus ministros, sua mulher – enfim, todo mundo que tem alguma coisa a ver com o governo. Ele já não inventou 37 ministérios? Não custa inventar mais um; passaria a haver para o público, aí, a possibilidade de obter algum tipo de certificado oficial para atestar a estupidez das coisas que o governo não para de falar – e, eventualmente, se defender delas em alguma Vara da nossa Justiça.
 
É um vulcão em atividade máxima. Para ficar só nesta viagem à China, Lula disse quenão entende” por que o mundo “é obrigado a usar o dólar” no comércio internacional, em vez das moedas de cada país; pensa nisso toda noite. 
 Por que o Brasil e a China, diz ele, teriam de comerciar em dólar, e não em real e yuan – ou peso argentino, talvez? 
Não é preciso perder o sono por causa disso, presidente; ninguém obriga ninguém a usar o dólar em seus negócios.  
Os países, as empresas e as pessoas de todo o mundo usam o dólar porque essa é a moeda que eles querem, ponto final – não querem real, yuan nem peso argentino. Por que Lula não tenta comprar com seus reais, nesse tempo todo que passa no exterior, uma caixinha de chicletes? Ele iria ver, aí.

O presidente quer que o Brasil receba em yuans as exportações que faz para a China, e pague em reais as compras que faz lá. E a partir daí: o que ele vai fazer com esses yuans todos? 
Poderia, por exemplo, pagar com yuans um barril de petróleo da Arábia Saudita, ou um Boeing dos Estados Unidos, ou uma caixa de charuto cubano? Para isso tudo é preciso ter dólar; se não quer mais dólar, vai pagar com quê? 
Não se sabe, também, o que a China, ou qualquer país do mundo, faria com os reais de Lula – a não ser pagar os produtos que compra do próprio Brasil, o que, no fim das contas, nos deixaria sem dólar nenhum.
 
Lula também pediu “tolerância” dos credores com a Argentina. Como assim?
A Argentina não paga o que deve, pede mais dinheiro emprestado e está com inflação de 100% ao ano. 
O que ele quer que os credores façam?  
Sua mulher, visivelmente sem saber do que estava falando, festejou a volta dos impostos sobre as comprinhas mais modestas feitas na internet; ela acha, acredite se quiser, que são “as empresas”, e não os consumidores, que vão pagar. É isso, e só isso, o tempo todo. Poderiam falar menos – mas aí já é esperar demais.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 
 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Ataque ao Brasil feito por Trump é técnica para desviar a atenção - Míriam Leitão

O presidente Donald Trump continua a sua campanha de desinformação. Ele anunciou mais uma medida protecionista contra o Brasil. O aço brasileiro será sobretaxado porque, na visão dele, o país tem conduzido uma desvalorização da moeda. A Argentina também é alvo da medida.  “O Brasil e a Argentina têm liderado uma desvalorização maciça de suas moedas, o que não é bom para os nossos agricultores. Portanto, com efeito imediato, restaurarei as tarifas de todos os aços e alumínio enviados para os EUA a partir desses países”, escreveu Trump no Twitter. O meio tem sido usado para o disparo de fake news, modelo usado também no Brasil.

Trump ataca o mercado de aço porque, segundo ele, os produtores do agronegócio brasileiro estão levando prejuízo aos seus concorrentes americanos. A diplomacia terá que entrar em negociação para evitar mais tarifas contra o país.

Trump diz que vai elevar tarifa ao aço brasileiro

É uma interpretação estranha sobre a realidade acreditar que o Brasil quis derrubar a cotação do real para se tornar mais competitivo no agronegócio. Trump faz isso para desviar o foco. Ele é alvo de um processo de impeachment no Congresso americano.  O presidente Trump fala como se a alta cotação do dólar fosse controlada pelo Banco Central do Brasil. Mas a desvalorização do real não foi um ato de governo. Na semana, o BC até tentou conter o avanço da moeda americana. No caso do peso argentino, ele perde valor porque há desconfiança em relação ao novo governo eleito, o que leva investidores a tirar os recursos de lá.

O real desvalorizado, por exemplo, é um estímulo à exportação. O produtor recebe mais reais pelo produto embarcado. Isso aumenta a competitividade do país. Mas a desvalorização do real não veio de propósito, para prejudicar os produtores americanos. São as circunstâncias que estão levando à mudança no câmbio. O Brasil, entre outros fatores, tem um déficit em transações correntes.

Trump já havia elevado taxas contra o aço brasileiro, no passado. Ele agora cita também que o Brasil e a Argentina estão prejudicando o agronegócio americano. Os países são grandes competidores na produção de alimentos. O governo, que tenta uma aproximação com os americanos, precisa se lembrar disso. O dólar está se valorizando no mundo inteiro também por reação à política de Donald Trump, que agora reclama.  

Blog da Míriam Leitão, colunista - O Globo
 
 

terça-feira, 13 de agosto de 2019

O tango argentino - Nas entrelinhas

O peronista Alberto Fernández obteve ampla vantagem sobre o liberal Macri nas primárias para a Presidência, apesar do apoio de Bolsonaro à reeleição do presidente argentino


A derrota do presidente liberal Maurício Macri nas eleições primárias da Argentina pôs em xeque o acordo do Mercosul com a União Europeia, do qual o presidente argentino foi o principal artífice, e estressou as relações do Brasil com a Argentina, em razão da forte reação contrária do presidente Jair Bolsonaro ao resultado. Em solenidade em Pelotas, o presidente da República disse que os gaúchos deveriam se preparar para ser uma nova Roraima, numa alusão à fuga em massa de venezuelanos em razão da crise do regime de Nicolás Maduro. [é lamentável, mas, a declaração de Bolsonaro é profética - basta que o novo governo argentino dure mais que um ano;
para evitar danos ao acordo União Europeia x Mercosul, se em um ano o povo argentino não corrigir o erro que cometeram ao eleger a chapa Kirchner, a solução é expulsar os 'hermanos' do Mercosul.]

O peronista de centro-esquerda Alberto Fernández obteve ampla vantagem sobre Macri nas eleiçõesprimárias para a Presidência do país. Com 99,37% das urnas apuradas, com Cristina Kirchner como vice, teve 47,66% dos votos, e Macri, 32,08%. Roberto Lavagna aparece em 3º lugar, com 8,23% dos votos. O resultado também provocou pânico no mercado financeiro da Argentina: o peso argentino fechou em queda de 15,27%, cotado a 53,5 por dólar — no pior momento do dia, chegou a valer 65 por dólar. A bolsa de valores recuou 37,01%.

Alberto Fernández conseguiu capturar os votos da classe média insatisfeita com a recessão argentina e, com Cristina Kirchner na vice, manter o apoio dos sindicatos argentinos. Porém, sua candidatura não é comprometida com os ajustes econômicos necessários para equilibrar a economia, pelo contrário, é vista como a volta do projeto populista de esquerda.
Macri tenta fazer do limão uma limonada, usando a queda da bolsa e a desvalorização do peso para culpar o adversário: “Precisamos entender que o maior problema é que a alternativa kirchnerista não tem credibilidade no mundo, não gera confiança para que as pessoas venham investir. Eles deveriam fazer uma autocrítica”, disse, ao comentar a repercussão do resultado das prévias na economia. Criadas em 2009, as prévias de domingo foram estabelecidas para escolha dos candidatos de cada chapa, mas, como não houve disputa interna nos partidos, refletiu a atual correlação de forças entre governo e oposição, tendo em vista as eleições marcadas para 27 de outubro.

A situação da economia da Argentina é complicada. O país está em recessão e teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com uma inflação de mais de 55% depois de três anos de políticas de Macri. Mesmo assim, os investidores ainda preferem a reeleição do atual presidente à volta do peronismo. Cristina Kirchner governou entre 2007 e 2015 e adotou um modelo econômico que praticamente afundou a economia, provocando a recessão em que a Argentina ainda se encontra. Nacionalizou empresas, manipulou dados oficiais e causou repulsa aos investidores. Sua estratégia era um meio-termo entre a “nova matriz econômica” da ex-presidente Dilma Rousseff, sua amiga, e o bolivarianismo de Hugo Chávez, que resultou na crise do regime venezuelano de Nicolás Maduro.

Aliança tóxica
Após o resultado das prévias, Macri admitiu que existe uma bronca dos argentinos com sua política econômica, em razão do empobrecimento das famílias. Segundo ele, seu programa de reformas precisa de mais tempo para dar certo. O presidente argentino ainda acredita que poderá convencer os eleitores a apoiá-lo. Entretanto, o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que foi muito desejado por Macri, virou uma aliança tóxica, em razão das declarações polêmicas do chefe do Executivo brasileiro. Como a imagem de Bolsonaro no exterior não é boa, os peronistas passaram a associar todo o noticiário negativo do Brasil à imagem de Macri.

Os argentinos são orgulhosos e têm uma velha rivalidade com o Brasil, que estava confinada aos estádios de futebol, mas pode recrudescer em função da eventual interferência do governo brasileiro nas eleições. Um dos temas mais sensíveis, por exemplo, é o caso da tortura. A ditadura argentina foi das mais sanguinárias da América Latina e seus órgãos de segurança mantiveram estreita ligação com seus similares brasileiros durante o nosso regime militar. Cerca de 30 mil pessoas, num período de sete anos, foram sequestradas e mortas, ou seja, um em cada mil argentinos, a maioria jovens, foi assassinado pelos militares. Quatro juntas militares, a partir do último dos seis golpes militares, em 1976, fizeram desaparecer não somente os adversários, mas também seus filhos de até quatro anos, que eram adotados por familiares de militares.

Mães de desaparecidos que começaram a se reunir em 1977 na Praça de Maio para cobrar do governo notícias de seus filhos organizaram uma rede de informações que lhes permitiu localizar mais de uma centena de crianças sequestradas pela ditadura. As Mães da Praça de Maio se tornaram Avós da Praça de Maio. A ditadura acabou em 1983, com a economia do país em frangalhos, depois de uma desastrosa guerra contra o Reino Unido pela posse das Ilhas Malvinas. Com a democratização do país, todos os generais integrantes das juntas militares foram julgados e condenados por tortura, assassinato e morte dos milhares de argentinos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB