Os eventuais candidatos jamais aceitarão a designação de poste
Até agosto
do ano que vem, de duas uma: o Tribunal Federal de Porto Alegre derruba a
sentença do juiz Sergio Moro e Lula disputa a eleição presidencial ou
os três desembargadores confirmam a condenação e ele fica inelegível
para a eleição presidencial. Ele precisa de um plano B, para ser
desfechado no dia seguinte à confirmação de sua fritura. Até essa hora,
Lula e o PT não admitirão a hipótese de que ele venha a indicar um
poste. Os eventuais candidatos jamais aceitarão a designação de poste.
Fica
o registro que Lula é ruim de postes. Desgraçou-se indicando Dilma
Rousseff e arranhou-se elegendo Fernando Haddad para a prefeitura de São
Paulo. Até a metade do ano que vem, ficará aberto o balcão de
apostas. Para animar a conversa, aqui vão quatro nomes, por ordem
alfabética.
Ciro Gomes: O ex-ministro e
ex-governador do Ceará já é candidato pelo PDT. Nunca pôs o pé no PT e
sua relação com Lula teve altos e baixos. Ciro foi o herdeiro de Tasso
Jereissati na politica cearense, para desconforto do protetor.
Fernando Haddad:
Seria o poste petista. Sabendo-se que o PSDB ceva dois candidatos
paulistas, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria, seria
temerário arriscar com a candidatura de um companheiro derrotado no
primeiro turno em 2016.
Joaquim Barbosa: É uma
mistura de candidato a poste e azarão. Já teve pelo menos uma conversa
de periquito com um comissário petista. O ex-ministro do Supremo,
ferrabrás do mensalão, daria a Lula a oportunidade (se é que ele a
deseja) de se livrar do PT.
Marina Silva: É
apenas meio poste, pois disputou a Presidência duas vezes e, em 2014,
teve 22 milhões de votos, perdendo a vaga no segundo turno para Aécio
Neves. Marina elegeu-se vereadora, deputada e senadora pelo PT. Lula
nomeou-a ministra do Meio Ambiente.
A provável fritura de Lula não é certa
Ganha
uma viagem a Caracas quem for capaz de casar seu patrimônio apostando
que Lula nunca foi dono do tríplex do Guarujá. Num tribunal americano,
ele já teria sido mandado para a cadeia. Contudo, as leis brasileiras
são diferentes das americanas, e há uma grande encrenca armazenada na
estrutura das sentenças da Lava-Jato, fortemente influenciadas por
colaborações premiadas às vezes defeituosas, conflitantes ou mal
negociadas. É como se alguém desse um salto stiletto de Christian
Louboutin a um jogador de futebol. O pé não cabe e, se couber, vai doer.
A sentença do juiz Sergio Moro foi bem trabalhada, mas tem duas vulnerabilidades.
A
primeira é a falta da prova definitiva da propriedade do apartamento.
Existe algo parecido, mas se refere a outro apartamento, muito menor. As
informações reunidas pelo Ministério Público e listadas por Moro provam
que Lula e sua mulher eram donos do apartamento e cuidaram da sua
reforma. Isso e mais o depoimento de Léo Pinheiro, da OAS, mas ele
sempre repetirá que o apartamento não era dele.
A segunda
vulnerabilidade, mais maluca que a primeira, está na falta da prova
documental da contrapartida. O mimo da corrupção, seja um imóvel ou um
anel, precisa da confissão ou da prova. Tanto é assim que Michel Temer
assegura que nada tem a ver com a mala de Rodrigo Loures. No caso de
Lula, há novamente o depoimento de Léo Pinheiro. Se bastar, tudo bem.
Quem
lê a sentença de Moro convence-se, mas será necessário convencer os
três desembargadores do Tribunal Regional Federal (coisa provável) e
todos os outros magistrados a quem possa caber julgar dezenas de
recursos. A confirmação da sentença de Moro é provável, mas não é coisa
garantida.
Tarzan ou Chita
A tática do
“enquanto houver bambu, lá vai flecha" enunciada pelo procurador-geral,
Rodrigo Janot, insinua que, depois da primeira denúncia contra Michel
Temer, virão outras.
Se as novas flechas trouxerem fatos novos e
gordos vindos de gente como Eduardo Cunha ou Lúcio Funaro, Janot será um
Tarzan, o rei das selvas. Se vierem flechas magras, a ameaça do bambu
terá sido coisa do macaquinho Chita.
Moro na defesa
Sergio
Moro é um juiz discreto e frio. Costuma usar camisas pretas com
gravatas vermelhas, mas ninguém é perfeito. Sua sentença contra Lula
teve 962 parágrafos metódicos e cirúrgicos, mas neles revelou-se também
um litigante defensivo e sanguíneo, quase inseguro.
A defesa do condenado Lula combateu-o com uma tática guerrilheira, tentando apresentá-lo como
um magistrado que cerceava a ação dos advogados. Ele nunca passou
recibo, mas, na sentença, consumiu mais de cinquenta parágrafos
defendendo-se. Num lance, rebatendo a ideia de que a imprensa massacra
Lula na esteira da Lava-Jato, disse o seguinte: “Em ambiente de
liberdade de expressão, cabe à imprensa noticiar livremente os fatos. O
sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos (...)
parece, em regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu
dever de noticiar os fatos.”
Tem toda a razão, mas quem escreveu
uma carta para a Folha de S. Paulo reclamando porque o jornal publicara
um artigo do professor Rogério Cerqueira Leite atacando-o, foi Sergio
Moro.
Madame Natasha
A admiração de Madame
Natasha pela Operação Lava-Jato é tamanha que ela se mudou para
Curitiba. Apesar disso, na defesa do idioma, concedeu uma de suas bolsas
de estudo ao juiz Sergio Moro pelas suas acrobacias verbais.
No
ano passado, Moro liberou o grampo de uma conversa de Lula com a
presidente Dilma Rousseff, apesar de ela ter ocorrido fora do prazo
legal da escuta.Diante da encrenca e de uma repreensão vinda do ministro
Teori Zavascki, ele pediu “respeitosas escusas ao Supremo Tribunal".
Passado um ano, Teori morreu, e Moro reescreveu-se:
“Ainda
que, em respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal, este julgador
possa eventualmente ter errado no levantamento do sigilo, pelo menos
considerando a questão da competência, a revisão de decisões judiciais
pelas instâncias superiores faz parte do sistema judicial de erros e
acertos."
Um grande juiz
Perdida no meio da
sentença do juiz Moro, há uma breve citação de uma opinião do juiz
americano Learned Hand, justificando o uso da colaboração de criminosos. Com
esse nome esquisito, que significa “Mão Educada", Learned Hand
(1872-1961) não era índio e foi o equivalente a um desembargador na
região de Nova York. Desgraçadamente, ele nunca foi para a Corte
Suprema.
Em 1917, quando os Estados Unidos viviam uma de suas
fases de histeria belicista, Learned Hand protegeu um jornal pacifista
de esquerda. Sua sentença acabou revogada, e ele se tornou um juiz
impopular, mas suas reflexões em torno da liberdade de expressão estão
na base da doutrina jurídica americana.
Leia todas as colunas...
Fonte: Elio Gaspari, jornalista - O Globo