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sábado, 12 de junho de 2021

A economia sobreviveu à covid-19 - J. R. Guzzo

O Estado de S. Paulo 

A economia está entrando no seu melhor momento dos últimos anos; pode travar de novo, ou pode melhorar mais ainda

Eis aqui o Brasil de volta a seus piores momentos em matéria de notícias positivas na economia - um pesadelo terminal para as facções políticas e intelectuais que precisam da ruína econômica permanente, como as pessoas precisam de oxigênio, para sobreviver e prosperar na vida pública brasileira de hoje. Há pouco, num momento especialmente cômico, uma apresentadora de TV se distraiu e acabou dizendo no ar, num surto de sinceridade, que “infelizmente” tinha uma “boa notícia” para dar. É isso: notícia boa é motivo para deixar muita gente infeliz. Só ajuda o outro lado, e isso é muito ruim.

Pode ser, mas os fatos, em si mesmos, são o que eles são – têm a sua própria vida, e são indiferentes aos efeitos políticos que acabam provocando. Seja bom ou mau para a oposição, seja bom ou mau para o governo, a verdade é que a economia está entrando no seu melhor momento dos últimos anos; pode travar de novo, ou pode melhorar mais ainda, mas é perda de tempo ficar construindo focos de resistência ao que acontece neste momento na frente econômica. Realidade é realidade.

Há, em primeiro lugar, o grande aviso geral do aumento na taxa de crescimento, sinal infalível de melhorias na vida real das pessoas: as projeções são de 5% este ano, número que o Brasil tinha esquecido que existia desde os tempos de Dilma Rousseff e sua recessão-gigante. Pode acabar sendo mais do que isso – e com a expectativa de se concluir a vacinação até janeiro próximo, mais os movimentos de recuperação da economia mundial, não há fatos indicando que o bom desempenho mude em 2022.

A Bolsa de Valores, dias atrás, bateu recordes em seis pregões seguidos e está hoje pouco abaixo dos 130.000 pontos – seis meses atrás, no começo de novembro do ano passado, estava em 94.000. O dólar está com as suas cotações mais baixas dos últimos seis mesesvoltou à casa dos 5 reais. Sempre vale a pena lembrar: não existe, em nenhum lugar do planeta, economia em crise com a bolsa em alta e o dólar em queda.

As exportações brasileiras batem recordes. O saldo em maio, último número possível, foi de 9 bilhões de dólares; a projeção é um superavit de 75 bilhões de dólares em 2021, ou 50% acima do resultado alcançado em 2020. 
As vendas do varejo, nesse mesmo mês, foram as mais altas dos últimos 21 anos. 
A indústria automobilística está de volta às cifras de antes da pandemia. 
O agronegócio, força central da economia brasileira de hoje, está batendo os seus próprios recordes; tem a seu favor preços fortes no mercado internacional para os seus principais produtos, além de um aumento constante na produtividade e nas suas condições de competir através do mundo.

O fato é que a economia brasileira sobreviveu à covid. Na verdade, ela caminha na direção exatamente oposta aos cenários de terra arrasada que são jogados, sem parar, em cima do público. É uma decepção, sem dúvida, para todos os que têm, infelizmente, notícias boas a dar.

J.R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo

 

sábado, 27 de março de 2021

Uma verdade inconveniente: cada governo responde em primeiro lugar a seus próprios eleitores - Alon Feuerwerker

Fala-se muito em frente ampla oposicionista, mas por enquanto a única consolidada é uma contra a atual condução - e o atual condutor - da política exterior brasileira. 
Será necessário, porém, notar que a frente não é homogênea. São pelo menos duas grandes tendências. E elas irão se chocar mais adiante. 
Segundo a primeira, o principal erro do atual Itamaraty foi o forte alinhamento a Donald Trump. Para a segunda, o equívoco foi ter abandonado o nosso tradicional esforço pelo não-alinhamento a países ou blocos.

Parece a mesma coisa, mas não é. Para a primeira, basta trocar "Donald Trump" por "Joe Biden" e a encrenca estará resolvida. Será suficiente, por exemplo, o Brasil aceitar os ditames do Partido Democrata dos Estados Unidos para a nossa política ambiental e enquadrarmo-nos na estratégia de Washington nas mudanças climáticas. Restariam outros ajustes, mas o grosso da confusão teria sido resolvido. E a reunião global de abril convocada por Biden sobre o tema será uma oportunidade.

Vista de modo mais abrangente, essa flexão implicaria admitir uma espécie de "multilateralismo do Tio Sam". Um mundo em que as instituições multilaterais seriam a fachada perfeita para o exercício de hegemonia da maior, por enquanto, superpotência. Quase uma volta aos anos 50 do século passado. Quando, por exemplo, a Organização das Nações Unidas funcionava como "rubber stamp" do Departamento de Estado. O mundo mudou muito desde então, mas é o que tenta o governo Biden.

Ocorre que a atual crise envolvendo o Itamaraty foi desencadeada pelo problema das vacinas contra a Covid-19. Antes, o alinhar incondicional aos EUA incomodava parte do mundo político, mas como a China continua a comprar fortemente nossas commodities – até acelerou, para formar estoques, o incômodo não tinha consequências práticas. A hostilidade ao governo chinês era criticada, mas a crítica nunca chegou às vias de fato. A explosão de casos e mortes por aqui por Covid-19 mudou isso.

A cristalização de convicções sobre a centralidade das vacinas para liquidar a epidemia expôs a insuficiência da política atual. Diferente dos países dos Brics de dimensão comparável à nossa (China, Índia e Rússia), somos a única nação da tétrade a não dispor ainda de uma linha de produção própria de vacinas contra o novo coronavírus. E aí, reconheça-se, todos os governos das últimas décadas são sócios na culpa. Assim como os porta-vozes da obsolescência de ter política industrial. Agora, o governo federal e o de São Paulo correm para virar a página.

Que tenham sucesso, para o bem do Brasil.

Voltando. Se recompensar o bom comportamento fosse a regra das relações internacionais, então seria hora de ver os Estados Unidos e o resto do Ocidente retribuírem nosso recente alinhamento estratégico a esse campo geopolítico mandando para cá as vacinas necessárias. Acontece que Biden nesta pandemia segue a máxima trumpista do “America First”. Segurou o grosso das vacinas por ali. O mesmo fez o outro grande fabricante do “mundo livre”: o Reino Unido. Nem para o resto da Europa estão aliviando.

Pois cada governo é eleito unicamente pelos seus próprios nacionais. E na hora do aperto responde em primeiro lugar a eles. São a fonte da reprodução de seu poder político. Ignorar isso é um erro primário. Eis uma verdade inconveniente, como diria o ex-vice-presidente Al Gore.  E cá estamos nós a depender agora de países com quem vínhamos arrumando encrenca gratuitamente, apenas para agradar um que agora nos dá as costas. Serve de lição. Poderemos debater isso com mais calma depois. Mas agora precisamos mesmo é de vacinas. E precisamos de chineses, indianos e russos. Está exposta, como nunca, a insuficiência da atual política exterior. Mas não só. Está provado também que trocar “Trump” por “Biden” não será suficiente. Pois os americanos não estão mandando vacina nem para a turma da Otan.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista politico