Mario Vitor Rodrigues
Após seguidas ameaças, há quem tema uma ruptura
democrática. Há também, por outro lado, quem julgue cada vez mais improvável a
permanência do presidente até o fim do mandato. Caso nenhuma dessas hipóteses
vingue, tudo indica que Jair Bolsonaro poderá contar com um aliado ainda mais
importante do que seus fiéis seguidores em 2022: a oposição.
Para constatá-lo, basta observar as últimas manifestações
de figuras políticas que não parecem dispostas a transcender o discurso do
inimigo comum. “No Brasil sempre tivemos uma boa relação com os tucanos,
era uma relação civilizada e respeitosa. Agora o Bolsonaro com seus milicianos
só sabe estimular o ódio. Esse clima está sendo cultivado desde junho de 2013”,
escreveu Lula quarta-feira (27) passada no Twitter.
Entre 1995 e 2003, Fernando Henrique Cardoso enfrentou 17
pedidos de impeachment. Desses, 4 foram apresentados pelo PT. Não há nada de civilizado em aterrorizar governos e tachar
alguém que lutou contra a ditadura de fascista. Tampouco é benéfico falar em
herança maldita após a passagem de bastão civilizada de um governo que
estabilizou a economia, sancionou a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou os
projetos de transferência direta de renda embrionários do Bolsa Família.
À época a expressão não existia, mas herança maldita deve
ter sido o pecado original das fake news. Ignora-se nele a origem de um sentimento tão genuíno quanto
compreensível de milhões de pessoas. Faz parecer que, lá pelas tantas, sem
qualquer razão, brasileiros em massa simplesmente decidiram passar a detestar
um político e um partido nos quais durante anos depositaram esperança. Arrogância típica de quem sempre torceu o braço dos que
estiveram ao seu lado no espectro ideológico para impor o seu projeto de poder.
Seria cômico se não fosse trágico que Ciro Gomes, Marina Silva e Fernando
Henrique Cardoso sejam responsabilizados pelo advento do bolsonarismo. O mesmo
vale para aqueles que se abstiveram de votar em 2018.
Lula representa o grande entrave na composição de um grupo
difuso de democratas contra Jair Bolsonaro, mas ele não está só. O próprio Ciro
e demais próceres da esquerda precisam aceitar que 2022 ainda não será o
momento em que o pêndulo fará o movimento de volta. Muitos dos que votaram em Bolsonaro por ojeriza ao PT podem
até estar arrependidos, mas supor que dariam um cavalo de pau tão
cedo é ingenuidade. Esses eleitores precisam de uma rota de fuga. E ela não
estará à esquerda. Em artigo recente publicado no Estadão, Fernando
Gabeira defendeu a necessidade de “uma frente democrática ampla, madura, sem
conflitos de egos, sem estúpidas lutas pela hegemonia, tão comuns na esquerda”. [existe o necessário para formar essa frente? esquerda e democracia se autoexcluem.] Como de costume, foi na mosca. A ver se entenderam o recado.