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domingo, 30 de julho de 2023

O histórico de abusos de corpos negros - O Globo

Dorrit Harazim

Igreja onde Emmett Till foi velado Scott Olson/Getty Images/AFP
 
Na terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a criação de um Monumento Nacional em memória do menino negro Emmett Till e de sua mãe, Mamie Till-Mobley. Na verdade, serão três os monumentos que evocarão o assassinato de Emmett, com requintes de selvageria, por supremacistas brancos nos idos de 1955. 
O primeiro será erguido na igreja de Chicago onde o garoto fora velado; o segundo, na ravina do Rio Tallahatchie, no Mississippi, onde encontraram seu corpo brutalizado; e um terceiro, certamente o mais significativo, na entrada do tribunal onde os matadores confessos, dois irmãos graúdos, foram rapidamente absolvidos por um júri branco.

À época, a mãe-coragem de Emmett obrigara o país a encarar o que restara do filho: uma massa disforme e desumanizada exposta em caixão aberto, sem retoques. Como já relatado neste espaço, a atrocidade serviu de catalisador para o Movimento pelos Direitos Civis que galvanizaria o país na década seguinte.

Passaram-se quase 70 anos. Desde então, 12 presidentes ocuparam a Casa Branca. Ainda assim, Biden achou necessário explicar ao país o motivo de um memorial nacional para os dois corpos negros.— Vivemos tempos em que se tenta banir livros, enterrar a História — disse o presidente. — Por isso queremos deixar bem claro e cristalino: embora a treva e o negacionismo possam esconder muita coisa, não conseguem apagar nada. Não devemos aprender somente aquilo que queremos saber. Devemos poder aprender o que é preciso saber.

Reparações históricas e desculpas oficiais costumam vir na rabeira da própria História. E com frequência nada reparam. Ainda assim, acabam compondo um retrato das feridas de cada nação. No caso atual, a iniciativa de Biden não deve ser descartada como mero artifício eleitoreiro visando ao pleito de 2024. Há também uma real preocupação com um surto de apagamento histórico em curso na América profunda e retrógrada. Quando governadores extremados como Ron DeSantis, da Flórida, ou Greg Abbott, do Texas, ordenam escolas e bibliotecas públicas a varrer das estantes clássicos da literatura negra e LGBTQIA+, um monumento nacional à coragem de Mamie Till chega em boa hora.[o que mais evidencia o caráter eleitoreiro da iniciativa do democrata cujo governo prima pela INcompetência e desacertos.]

Para a população negra dos Estados Unidos, existe uma ferida coletiva que nenhuma reparação ainda conseguiu cicatrizar. Ela tem nome extenso: Estudo Tuskegee de Sífilis Não Tratada no Homem Negro. Trata-se do mais longo experimento não terapêutico em seres humanos da História da medicina. Ele durou de 1932 até 1972 e teve como propósito estudar os efeitos da sífilis em corpos negros. 
Por meio de concorridos convites divulgados em igrejas e plantações de algodão, o Instituto de Saúde Pública da época selecionou 600 homens, todos filhos ou netos de escravizados. 
A grande maioria nunca tinha se consultado com médico. 
No grupo, 399 estavam contaminados pela doença, e 201 eram sadios. Aos contaminados foi informado apenas serem portadores de “sangue ruim”. Como o estudo visava à observação da doença até o “ponto final” — a autópsia —, os doentes foram ficando cegos, dementes e morreram sem conhecer a penicilina, que a partir dos anos 1940 se tornou o tratamento de referência para sifilíticos. 
A família dos que morriam recebia US$ 50 para cobrir o enterro. 
A pesquisa só foi interrompida em 1972, quando o jornalismo da Associated Press revelou a história, levando o governo americano a pagar US$ 10 milhões em acordo coletivo com os sobreviventes.

Oito deles, já quase nonagenários, estavam no Salão Leste da Casa Branca em maio de 1997 quando o então presidente Bill Clinton pediu desculpas públicas pelo horror cometido. Em discurso marcante, falou em nome do povo americano: — O que foi feito não pode ser desfeito. Mas podemos acabar com o silêncio, parar de desviar do assunto. Podemos olhá-los de frente para finalmente dizer que o que o governo dos Estados Unidos fez foi uma ignomínia, e eu peço desculpas.

Ainda assim, passado menos de um ano, nova barbárie experimental veio à luz, desta vez com cem meninos negros e hispânicos de Nova York arrebanhados por três instituições de renome científico. 
Todos eram irmãos caçulas de delinquentes juvenis e tinham idade entre 6 e 11 anos. 
O estudo pretendia demonstrar a correlação entre determinados marcadores biológicos e o comportamento violento em humanos. Para isso, aplicaram nas crianças injeções intravenosas de fenfluramina, substância posteriormente associada a danos à válvula mitral. Às mães que os levavam ao local do experimento foi oferecida uma recompensada de US$ 125 .

Tudo isso e muito mais faz parte do pesado histórico de abuso de corpos negros, até mesmo em nome da ciência. Não espanta, portanto, a rejeição quase atávica à obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19 manifestada pela população negra em tempos recentes. A retirada de circulação ou dificuldade de acesso a livros que narram essas vivências deveriam ser impensáveis em 2023. É sinal de uma sociedade adoecida pelo medo de livros.

Dorrit Harazim, colunista - O Globo


sexta-feira, 5 de março de 2021

Covid-19: cientistas descobrem americano com superanticorpos contra o coronavírus - BBC News

O escritor americano John Hollis, de 54 anos, achou que iria contrair a covid-19 quando um amigo com quem ele dividia a casa se contaminou e ficou gravemente doente, em abril de 2020.

"Foram duas semanas muito assustadoras", conta John Hollis. "Por duas semanas eu esperei a doença me atingir, mas nunca aconteceu."Hollis achou simplesmente que tinha tido sorte de não contrair a doença. Mas em julho de 2020, totalmente por acaso, Hollis mencionou que morava com uma pessoa que ficou muito doente em uma conversa com o médico Lance Liotta, professor na Universidade George Mason, onde Hollis trabalha na área de comunicação.

Com isso Hollis descobriu que não só tinha contraído o covid-19, como seu corpo tinha superanticorpos que o tornavam imune à doença — ou seja, os vírus entraram em seu corpo, mas não conseguiram infectar suas células e deixá-lo doente. "Essa tem sido uma das experiências mais surreais da minha vida", conta Hollis. "Nós coletamos o sangue de Hollis em diferentes momentos e agora é uma mina de ouro para estudarmos diferentes formas de atacar o vírus", afirma Liotta. 

 Foto em preto e branco mostra dois homens, um deles branco, usando aparelhos antigos para fazer experimentos em um homem negro deitado sem camisa

No estudo antiético sobre sífilis em pacientes negros Tuskegee, os doentes não receberam tratamento ao longo de 40 anos

Na maioria das pessoas, os anticorpos que se desenvolvem para combater o vírus atacam as proteínas das espículas do coronavírus — formações na superfície do mina de ouroem formato de espinhos que o ajudam a infectar as células humanas. "Os anticorpos do paciente grudam nas espículas e o vírus não consegue grudar nas células e infectá-las", explica Liotta. O problema é que, em uma pessoa que entra em contato com o vírus pela primeira vez, demora certo tempo até que o corpo consiga produzir esses anticorpos específicos, o que permite que o vírus se espalhe.

Mas os anticorpos de Hollis são diferentes: eles atacam diversas partes do vírus e o eliminam rapidamente. Eles são tão potentes que Hollis é imune inclusive às novas variantes do coronavírus. "Você poderia diluir os anticorpos dele em 1 para mil e eles ainda matariam 99% dos vírus", explica Liotta. 

 Máscaras N95 e PFF2: por que países europeus agora exigem proteção profissional

 Ao mesmo tempo em que novas variantes do coronavírus se espalham e que a vacinação contra a covid-19 ainda está engatinhando, a necessidade das máscaras como uma das formas de reduzir a transmissão é hoje uma certeza. E agora, países europeus que passaram a exigir o uso de máscaras profissionais pela população, abrindo um novo capítulo no debate sobre os modelos de proteção facial contra o coronavírus. Mas será que chegou a hora de deixar a máscara caseira de lado e buscar uma máscara cirúrgica ou de padrão PFF2 e N95? Neste vídeo, a repórter Laís Allegreti, da BBC News Brasil, explica que a resposta das autoridades sanitárias sobre isso muda de país para país. Mas que cientistas e estudos apontam que as máscaras N95, PFF2 ou equivalente oferecem um grau maior de proteção e devem ser priorizadas em situações de maior risco. 

BBC News Brasil 


quarta-feira, 30 de março de 2016

Falta penicilina, sobra sífilis



A pequena bactéria Treponema pallidum é uma espiroqueta, de forma alongada, espiralada como a de um saca-rolhas, e move-se por ondulações. Ela é responsável pela sífilis, cuja incidência está aumentando no Brasil, ao contrário do mundo desenvolvido. Pode ser transmitida durante o sexo sem proteção, por transfusão de sangue ou da mãe para o bebê e é um grave problema de saúde.

No caso da gestante, o tratamento dela e do parceiro deve ser feito com a penicilina benzatina, o único medicamento capaz de tratar mãe e feto com eficácia e rapidez. No Brasil, de 2005 a 2013, o número de gestantes com sífilis passou de 1,8 mil para 21 mil.

Em 2016 deverão ser 22 mil casos. Os casos de sífilis congênita ‒ passados de mãe para bebê ‒ duplicaram em incidência, e a taxa de mortalidade quadriplicou em comparação a 2009. A contaminação da gestante pode levar à contaminação do feto, e, assim, a aborto espontâneo, parto prematuro, feto com crescimento retardado ou natimorto ou bebê com danos cerebrais e deformações diversas.

O diagnóstico materno é simples, basta os exames do pré-natal realizados de forma e frequência adequadas. O tratamento em geral são apenas duas doses de penicilina benzatina, a um custo de menos de 22 reais, ou pelo ecologicamente questionável Big Mac Index de dois sanduíches. Um medicamento barato e eficaz.

A penicilina é ainda usada para tratar a febre reumática aguda, doença bacteriana que afeta coração, cérebro e articulações. Mas temos enorme dificuldade para encontrá-la. Segundo um documento interno do Ministério da Saúde, inexistia penicilina em 60% dos estados no fim de janeiro.

A Sociedade Brasileira de Infectologia há anos alerta o Ministério da Saúde para o problema; omisso, ele aceita passivamente a justificativa dos laboratórios farmacêuticos privados de que o produto não é produzido pela falta de matéria prima e pelo seu baixo atrativo econômico. Já os nossos laboratórios públicos, como o Farmanguinhos, de qualidade internacional, não recebem o apoio que precisam para fabricar esse fármaco descoberto em 1938. O instigante livro “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos” http://www.scielo.br/pdf/csp/v24n6/29.pdf  explica como somos enganados.

O que esperar de um ministério imóvel? Por exemplo, diante do caso da fosfoetolamina, poderia ter evitado o enorme imbróglio jurídico que se seguiu, se tivesse uma política de pesquisa ágil, na qual nossos pesquisadores, biólogos, epidemiologistas e médicos pudessem agir sobre as demandas constantes. A recente aprovação pela Câmara Federal de projeto-de-lei para permitir sua fabricação e uso independente de qualquer pesquisa realmente científica será mais uma atitude contra a saúde da nação. Abrirá um precedente amoral.

Espero que este texto se torne “viral”, não uma “espiroqueta”, e dessa forma contribua para reverter o excesso de sífilis e a falta de penicilina.

Por: Alfredo Guarischi Alfredo Guarischi, médico, cirurgião geral e oncológico, especialista em Fator Humano, Organizador do SAFETYMED e do GERHUS alfredoguarischi@yahoo.com.br