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quarta-feira, 17 de julho de 2019

Cerco às investigações - Merval Pereira


Publicado em O Globo

Decisão de Toffoli sobre Flávio Bolsonaro reforça cerco à Lava-Jato

O cerco às investigações da Lava Jato continua com a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender todas as investigações baseadas em dados fiscais repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e pela Receita Federal ao Ministério Público, sem autorização judicial. Apesar de decisão do plenário do STF a favor, tomada em 2016. Também o Conselho Nacional do Ministério Público, através do corregedor Orlando Rochadel Moreira, decidiu investigar o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol com base nas últimas revelações do site Intercept Brasil, a pedido do PT.

Desconhecendo a ilegalidade da invasão dos celulares, o Corregedor tratou como prova válida os diálogos e, baseando-se na versão publicada, pede explicações aos procuradores. Segundo ele, as conversas "revelariam que os citados teriam se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos". Esquecendo-se de que as palestras estão autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio CNMP. [resta saber o que move o Corregedor do CNMP a determinar investigações sobre atos praticados e que contam com autorização do CNJ e do próprio CNMP.
Logo que começou a disenteria no intercePTação o corregedor do CNMP determinou investigações que apresentaram resultados infrutíferos no que concerne a responsabilizar os procuradores - desconhecemos que se a investigação citada na presente matéria é aquela ou foi iniciada uma outra.]

A notícia boa para os procuradores foi que a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, saiu de sua paralisia e, depois de uma reunião de mais de três horas com Dallagnol e um grupo de outros sete procuradores de Curitiba, declarou seu apoio à atuação deles na Operação Lava Jato.  O fato de Dodge não ter se pronunciado até agora, e de ter segurado delações como a de Leo Pinheiro, presidente da OAS, fez com que o procurador José Alfredo de Paula Silva, coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, pedisse demissão na sexta-feira.

Com origem em um recurso do senador Flavio Bolsonaro, que está sendo investigado pelo MPF do Rio, a liminar de Toffoli abrange toda e qualquer investigação em andamento no país e, segundo o procurador Eduardo Al Hage, coordenador da Lava Jato no Rio, atinge praticamente todas as apurações de lavagem de dinheiro.  Ao suspender processos e inquéritos abertos com base em dados da Receita ou do Coaf, Dias Toffoli ignorou decisão do plenário do STF, que, em 2016, confirmou a permissão de a Receita poder acessar informações bancárias sem autorização judicial. [modestamente, destacamos que temos  várias restrições ao ministro Toffoli, destaque para o famoso 'inquérito secreto', cabe a pergunta: qual a novidade de um ministro do STF, mesmo não presidindo a Corte (Toffoli é o atual presidente do Supremo, que está em recesso, situação que autoriza seu presidente a tomar decisões em nome daquela Corte.
Além do mais os dados foram repassados ao Ministério Público do Rio, portanto, estadual e o 'investigado' tem foro privilegiado.
O mais grave é que além do uso indevido de dados sigilosos os mesmos vazaram e o assunto foi divulgado por toda a mídia - com o destaque sempre é dado a qualquer indício de possível, eventual, talvez, suposta, irregularidade do presidente Bolsonaro ou seus familiares.] O Ministério Público pede rotineiramente que seja feito o compartilhamento de dados para investigações, e a Operação Lava Jato tem trabalhado em sintonia com a equipe especial de fraudes da Receita.

O STF deveria ter analisado o caso, com repercussão geral, em março, com base em um recurso do Ministério Público contra decisão do TRF-3, que afirmou ser ilegal o uso de dados sigilosos em investigações sem autorização judicial. Mas Toffoli adiou o julgamento para novembro.  Até lá, vale a sua decisão monocrática, durante o recesso do Judiciário. Toffoli reconhece que a jurisprudência do Supremo é a favor do compartilhamento sem necessidade de autorização judicial. Tanto que no início do ano considerou importante, reafirmada a jurisprudência, definir limites objetivos que os órgãos de fiscalização deveriam observar ao transferir automaticamente para o MP informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral.

O assunto voltou à discussão recentemente, quando uma investigação sobre o ministro Gilmar Mendes vazou para órgãos de imprensa. Ele ficou naturalmente indignado e deve ser o terceiro ministro a votar contra o compartilhamento de dados sem autorização judicial. No julgamento anterior, em 2016, somente os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Melo votaram contra, ficando vencidos por 9 a 2.   O ministro Toffoli, que ontem suspendeu a permissão monocraticamente, também votou em 2016 a favor. Se permanecer essa proibição, as investigações sobre fraudes financeiras ficarão seriamente prejudicadas até novembro, quando o plenário deve julgar o caso definitivamente.

O Globo - Merval Pereira, jornalista


segunda-feira, 10 de junho de 2019

As conversas da Lava Jato

A tese de que Lula não foi julgado dentro da normalidade jurídica ganhou força

O site Intercept Brasil divulgou neste domingo (9) o conteúdo de mensagens trocadas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato em momentos-chave da história da operação. É coisa séria, é coisa grande, e é coisa que deve ter efeitos sobre o diálogo político nacional. Antes de mais nada, vamos ao que os vazamentos até o momento não mostram (o Intercept Brasil anunciou que há mais material a ser publicado): não há falsificação de provas ou coisas do gênero. Ninguém foi inocentado pelos vazamentos do Intercept. 

[FATOS: CONTRA ELES NÃO HÁ ARGUMENTOS:
- Lula é criminoso, além da abundância de provas contra o ladrão petista em nenhum momento a matéria do Intercept - resultante de supostos vazamentos - se refere a falsificação de provas ou algo do gênero;
- além do que o processo foi examinado por TODAS as instâncias do Poder Judiciário, de Moro ao Plenário virtual do Supremo, centenas de dezenas de habeas corpus foram impetrados e negados, recentemente, o STJ negou mais um pedido da defesa de Lula - tudo o que as dezenas de pedidos a favor do condenado petista conseguiu foi uma pequena redução na pena do presidiário.
Notem que após a confirmação pelo TRF - 4 da PRIMEIRA condenação de Lula - existe uma segunda e outras virão - todos os pedidos implicavam na busca pela instância julgadora de eventuais falhas processuais, que não foram encontradas.

A decisão do STJ manteve, por unanimidade,  a condenação do petista, apenas reduziu sua pena.
Conclusão: mais uma instância da Justiça brasileira confirmou o que o ex-juiz Sergio Moro e os desembargadores do TRF-4 já haviam decidido
Lula é corrupto e lavador de dinheiro. 
- FINALMENTE, sendo Lula comprovadamente culpado, já tendo cumprido quase que o mínimo necessário para obter progressão para o semiaberto, de nada adianta esse novo esforço para contestar o julgamento - agora criticando um suposto comportamento não ético do juiz e mesmo dos procuradores.
Ainda que tenha ocorrido o deduzido nos vazamentos,  não existe nada na face da terra que faça o tempo voltar - Lula puxou cadeia,continua puxando e  vai puxar mais (dificilmente o TRF 4 deixará de confirmar a segunda condenação) e acabou. JOGO JOGADO.
Eventuais conversas oficiosas, fora dos autos, entre o juiz Sérgio Moro e procuradores em nada influiriam na pena. A tal 'CarolPGR', que parece ser do MP, não querer a volta do PT em nada influiu no julgamento.
O absurdo mesmo é a admissão de que houve interceptação - tudo indica indevida - das conversas de um juiz, de procuradores, escuta ilegal e inaceitável, ainda que fosse de pessoas comuns e parece que nada está sendo investigado para apurar o que é, indubitavelmente, um crime.

Aliás, vazamentos de mensagens não é a classificação adequada e sim MENSAGENS ROUBADAS  de Moro e Dallagnol.]

No geral, as conclusões gerais da Lava Jato sobre como o cartel das empreiteiras financiava todos os grandes partidos políticos continuam de pé. Mas o quadro que emerge sobre o julgamento de Lula é ruim. Não há nada nos vazamentos que prove que Lula é inocente, mas há sinais fortes de que seu julgamento não foi normal. Em uma conversa de 7 de dezembro de 2015, Moro deu uma pista relativa ao caso Lula para que Dallagnol investigasse: "Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferência de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente". 
Moro era o juiz do caso. Não poderia ajudar nem a defesa nem a acusação. No episódio em que a entrevista de Lula para a Folha durante a campanha foi censurada pelo STF, procuradores falaram abertamente em passar para outros órgãos de imprensa —em especial o site O Antagonista— um modelo de petição para também participar da entrevista. A ideia seria "tentar ampliar para outros, para o circo ser menor armado e preparado. Com a chance de, com a possível confusão, não acontecer". 
E, para quem tinha dúvidas, fica claro que não há grande simpatia pelo Partido dos Trabalhadores na força-tarefa. Em uma conversa, uma pessoa identificada como CarolPGR diz que está rezando para que o PT não volte ao poder, e recebe como resposta de Dallagnol: "reze sim". O que fica disso? Há a possibilidade real do julgamento de Lula ser contestado, e dessa vez com mais razão. Haverá argumentos jurídicos e pressão política de todos os lados, ninguém pode prever o que vai acontecer, mas o fato é que a tese de que Lula não foi julgado dentro da normalidade jurídica ganhou força.

Se a história for essa mesmo que emerge dos vazamentos, é uma história triste. Sempre votei em Lula, mas não contestei sua prisão nesta coluna. É bem ruim que não tenha sido tratado equanimemente. O caso da censura à entrevista durante a campanha eleitoral também é péssimo. O efeito eleitoral da entrevista — uma procuradora chega a dizer "Pode eleger o Haddad"— não deveria ter qualquer efeito na decisão do caso. [o que aqui chamam de censura à entrevista, não passa da cassação da permissão absurda que havia sido dada a um criminoso condenado, a um presidiário, o direito de conceder entrevista, foi um procedimento legal e correto; qual o motivo do presidiário petista, ex-presidente corrupto e ladrão ter direito a conceder entrevistas - se era para criminoso ser entrevistado, que montassem - ainda podem montar - um calendário de entrevistas do tipo uma por semana, nesta semana o Marcola, na próxima o Beira-Mar, na seguinte Elias Maluco, etc.

Lula e os citados são todos farinha do mesmo saco e devem ser tratados da mesma forma.]

Se Lula, como preso, tinha o direito de dar entrevistas — e, baseado no precedente de outros presos, era claro que tinha — seu caso deveria ter sido tratado como o de qualquer outro cidadão. É uma hora difícil para pedir nuance e equilíbrio, mas vamos lá: a Lava Jato não foi desmoralizada, ninguém foi inocentado. Mas há bons motivos para suspeitar que não houve equidistância no entusiasmo com que os dois lados da disputa política foram tratados. O ministro Sergio Moro parece ter cruzado linhas importantes no julgamento de Lula.