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sexta-feira, 31 de março de 2023

Sherloques de picadeiro - Augusto Nunes

Revista Oeste

Todo detetive de agência de checagem quer ser, quando crescer, mais um Jornalista Investigativo que nada apura 
Ilustração: Shutterstock
 
Ilustração: Shutterstock
 
Na tarde deste 29 de março, um recado por e-mail desembarcou na redação da Revista Oeste. A primeira linha tem uma palavra só: Prezados. Assim mesmo: Prezados, no plural e sem o acompanhante obrigatório. O plural sugere que o texto foi endereçado a mais de um vivente, mas a ausência de nomes impossibilita a identificação dos destinatários. 
Também o remetente refugiou-se no anonimato. Depois de um entediado “Att” na penúltima linha, aparecem três palavras — Equipe Aos Fatose o logotipo dessa obscenidade parida pelos discípulos de Lula: a agência de checagem.

O palavrório se divide em três parágrafos, reproduzidos abaixo em negrito, com apartes do colunista entre uma e outra sopa de letras.

“Estamos fazendo um especial investigativo que reuniu mais de 690 conteúdos desinformativos ou golpistas virais que circularam desde o segundo turno das eleições e até a invasão dos prédios dos Três Poderes no dia 08/01. Entre os conteúdos estão trechos de vídeos da Revista Oeste em que seus comentaristas disseminam desinformação ou defendem pautas golpistas.”

Vamos lá. O que é um “especial investigativo” Um trabalho escolar? 
Uma composição à vista de uma gravura? 
Um teste eliminatório para o ingresso num curso de formação de detetives? E por que o “virais” depois do “golpistas”?  
Querer derrubar o governo já é uma enormidade. Espalhar tamanho ato antidemocrático pela internet é coisa para 20 anos de prisão preventiva e 30 de domiciliar (com tornozeleira e sem passaporte), além da multa de US$ 15 milhões (por semana). 
O “e” entre eleições e até só existe em discurso de lulas e dilmas. 
O zero antes e 8 e do 1 é tão dispensável quanto revelador: quando se trata de datas, o zero à esquerda é apreciado apenas por gente que vale menos que um zero à esquerda.
Por que o deserto de vírgulas? O poeta Ferreira Gullar ensinou que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Nem a vírgula, parece desconfiar o autor do recado. 
Quando não se sabe onde colocar os sinaizinhos, melhor assassiná-los. Mas uma dupla de vírgulas sobreviventes geme nos curtos parágrafos seguintes:

“Dessa forma, gostaríamos de abrir espaço para a revista se posicionar sobre o assunto”.

Posicionar, posicionamento e outros palavrões do gênero só servem para revelar a posição do orador: está de cócoras para Lula e no meio do bando que voltou à cena do crime.

“Nosso prazo para publicação é hoje (29/03) até as 19h. Caso não consigam responder dentro do prazo, podemos incluir o posicionamento posteriormente sem prejuízo.”

O prazo concedido pelos sherloques de picadeiro já se esgotara quando o e-mail foi repassado à direção de Oeste
Nenhum problema, consola a agência, que se dispõe a examinar “o posicionamento posteriormente sem prejuízo”. 
Sem prejuízo do quê?, perguntaria qualquer professor de português convidado a avaliar o palavrório insolente — antes de castigá-lo com o merecidíssimo zero com louvor.

A cópia em papel do recado já decolava rumo à lata de lixo quando bati os olhos num aviso no rodapé: “Viu algum conteúdo suspeito nas redes? Fale com a Fátima”. Acabara de ver um conteúdo mais que suspeito: a mensagem é uma sequência de agressões à Constituição, à democracia, à liberdade, ao idioma, à moral e aos bons costumes. Estava pensando na conversa com a Fátima quando notei que também é sigiloso o paradeiro dessa misteriosa padroeira dos caçadores de fake news.

Fórum Econômico Mundial
Oeste e a constante batalha contra a censura disfarçada de 
agência de checagem | Foto: Shutterstock
Pausa para a viagem no tempo. Aos 14 anos, estreei como redator da seção de nascimentos e óbitos do Nosso Jornal, semanário em que meu irmão mais velho mantinha uma coluna política. Ocorrida a primeira morte, Flávio me passou instruções. 
Cumpria-me investigar informações indispensáveis: o nome do defunto, a grafia correta, a idade e quantos parentes próximos deixara (além de avaliar pessoalmente o tamanho do enterro). No dia seguinte, a chegada ao mundo de mais um taquaritinguense expandiu o manual de regras. Além dos nomes dos pais e do dia do parto, era preciso investigar o peso do bebê e, com especial rigor, o prenome dos recém-nascidos. 
Já começara a praga dos Wellyngttons, das Myrellas e outras misturas de duplas consoantes com rabiscos com som de vogal ausentes do abecedário oficial.
 
Poucos meses num semanário do interior paulista bastaram-me para compreender que todo jornalismo é investigativo. Notícia sem apuração é como texto sem palavra: não existe. 
Por muitas décadas, pareceu-me claríssimo que não se pode separar os profissionais da imprensa entre os que investigam e os que nada apuram. Sempre houve bons e maus perseguidores da verdade. Mas todos os que exercem a profissão são jornalistas investigativos, certo?  
Não no Brasil, decidiram em 2002 os fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. 
É um clube reservado a Jornalistas Investigativos, com o J e o I em maiúsculas truculentas como nas manchetes de tabloides sensacionalistas europeus.

O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem

De lá para cá, a entidade promoveu cursos de aperfeiçoamento, seminários e premiações, engordou abaixo-assinados ou manifestos, divulgou notas oficiais para comunicar à nação quem dizia a verdade e deu palpite em tudo, fora o resto. Só ficaram faltando descobertas históricas resultantes de investigações feitas por associados decididos a justificar a presunçosa denominação da entidade. 
Nos últimos 20 anos, assunto é que não faltou: Mensalão, Petrolão, revelações da Lava Jato, roubalheira institucionalizada, impeachment de presidente, prisão de intocáveis — pela primeira vez na história da imprensa brasileira, o dia começava com dois ou três fatos disputando a ponta da fila das notícias relevantes. 
Incapazes de enxergar as bandalheiras no lado esquerdo da estrada principal, os Jornalistas Investigativos se juntaram no consórcio que vigiava apenas a pista esquerda. Fecharam os olhos à ofensiva contra a liberdade de expressão.
Ignoraram as ilegalidades fabricadas por ministros do Supremo Tribunal Federal. 
Aceitaram a censura à imprensa. E se tornaram porta-vozes da verdade oficial.
Site da Abraji | Foto; Reprodução
O silêncio cúmplice da Abraji, o fanatismo dos sindicatos lulistas e a covardia dos que se ajoelham diante de patrulhas ideológicas geraram o filhote repugnante autodenominado agência de checagem. Conheço boa parte dos que chefiam esses aleijões.  
O fracasso nas redações os reduziu a carrascos da informação. 
Não admitem a existência de jornalistas que veem as coisas como as coisas são e contam o caso como o caso foi. Acusam de golpistas os genuínos democratas.

Às vezes o lado escuro parece perto da eternização no poder, mas acaba perdendo. Os farsantes perdem por ignorar que os fatos, embora frequentemente pareçam agonizantes, sempre prevalecem. A verdade não morre.

Nesta quinta-feira, foi enfim divulgado o “especial investigativo”. Trata-se de uma intragável salada de disparates. Entrei no grupo de desinformantes golpistas a bordo de trechos de vídeo confusos, inaudíveis e sequestrados do contexto. Segue um conselho para a misteriosa Fátima: caia fora do estranho mundo das agências. Vão todas morrer de safadeza investigatória.

Leia também “Lula e o PCC sonham juntos”

Augusto Nunes,  colunista  - Revista Oeste


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A exumação da censura - Augusto Nunes

Revista Oeste

O aleijão inconstitucional deve ser imediatamente devolvido à cova rasa 

No meio da entrevista a um jornalista amigo, o ministro Edson Fachin confessou que o sistema eleitoral brasileiro, embora seja o mais perfeito do planeta (ou talvez por isso mesmo), corria perigo por estar na mira de hackers homiziados na Macedônia do Norte.  
A revelação bastava para transformar a conversa em leitura obrigatória. Mas o gaúcho com sotaque paranaense, instalado no Supremo Tribunal Federal por indicação de Dilma Rousseff, achou pouco. E garantiu que, tão logo assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, compreendeu que só se mostraria à altura do cargo se levasse em conta a “transterritorialização comunicacional”
Fachin caprichou no sorriso de carrasco do idioma. O entrevistador fingiu que sabia o significado da sopa de letras. 
Leitores com mais de cinco neurônios constataram que coisas estranhas acontecem na cabeça das sumidades que acumulam as atividades no Pretório Excelso com as atribuições do cargo de Senhor das Urnas e dos Votos.

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE 

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE  

Todos acreditam, por exemplo, que chegaram ao mundo com três marcas de nascença: onisciência, onipresença e onipotência, tudo em dose dupla.  
Gente assim faz coisas de que até Deus duvida, confirma Alexandre de Moraes de meia em meia hora. 
Comandante do inquérito do fim do mundo no STF, imperador do Brasil eleitoral desde agosto, o afilhado de Michel Temer se acha a maior autoridade mundial em fake news
Ninguém risca com tanta segurança fronteiras que separam informações de alta qualidade e notícias fraudulentas, fatos e boatos, o que é e o que não é, o que aconteceu e o que foi inventado.  
No começo desta semana, o presidente do TSE anunciou a descoberta de outra brasileirice: uma segunda geração de fake news. Na primeira, os inimigos do Estado de Direito se limitavam a espalhar mentiras. A recém-nascida é mais sofisticada. Nessa variante da pandemia de falsidades, “a pessoa se baseia em coisas verdadeiras para chegar a conclusões mentirosas e divulgá-las”, ensina o doutor em tapeações eleitoreiras. [no oportuno comentário da articulista Ana Paula Henkel,com tão estapafúrdia decisão, foi criado o crime de fala conclusão; leio coisas verdade, porém, por incompetência ou para realizar atos antidemocráticos concluo coisas erradas, sem saber que estou tirando conclusões erradas, ao que sou enquadrado pelas agências de checagem em mais um delito tipificado por decisão monocrática de um supremo ministro.] 
 
Moraes acha que a segunda geração tem como alvo preferencial o candidato do PT. É verdade que Lula é ex-presidiário, admitem o mestre e seus discípulos. Admitem também que Lula enriqueceu trocando favores milionários com a bandidagem do Petrolão. Mas espalhar por aí que o retorno do ex-presidente ao Planalto seria uma volta à cena do crime é coisa de fascista sem remédio, de praticante de atos antidemocráticos, de nostálgicos de golpes militares [ - crimes que podem ser punidos com a escolha do criminoso para ser vice do luLadrão que quer voltar à cena do crime ou com prisão preventiva com caráter de prisão perpétua.]  
Não é isso o que repete Geraldo Alckmin nos vídeos da campanha de 2018 que seguem fazendo sucesso na internet?, insistirão os eternos insatisfeitos. 
Não foi a permanência nas redes de uma gravação desbocada feita por Daniel Silveira o pretexto para instituir o flagrante perpétuo e decretar a prisão de um deputado federal protegido por imunidades parlamentares?  
O que espera Moraes para engaiolar o setentão que desertou do ninho tucano para fazer feio em cantorias esquerdistas?
 
Melhor parar por aqui, ouço murmurando os cautelosos demais. 
É perigoso melindrar magistrados que enxergam no espelho a instituição que os empregou. 
Pois chegou a hora de deter o autoritarismo togado, que desde 2019 consolida parcerias com militantes esquerdistas acampados em redações agonizantes e casos de polícia refugiados em partidos arrendados. “Não se ganha uma guerra com retiradas”, avisou Winston Churchill, o maior dos estadistas. 
Como sentimentos têm odores, predadores da liberdade farejam facilmente o cheiro do medo, mais pestilento quando se recua. 
Os atropeladores da Constituição fizeram de conta que nem notaram as advertências formuladas por dezenas de milhões de brasileiros nas urnas do primeiro turno. 
A mais animadora foi a profunda mudança na composição do Senado, que terá na presidência um parlamentar indicado pela majoritária bancada bolsonarista. 
Outras: o confinamento do PT nas regiões atormentadas pelo atraso e as derrotas impostas a Lula pelo Brasil moderno. Claro que mesmo prepotentes vocacionais enxergaram tais mudanças na paisagem.

Se é assim, por que os democratas de manifesto e libertários de galinheiro agiram com tanto desembaraço e atrevimento ao longo deste outubro? Os parceiros têm pressa, palavra que no glossário da política tem por sinônimos também os termos inquietação, afoiteza e ansiedade. Descobriram que terão de enfrentar em 30 de outubro legiões de militantes decididos a inverter o resultado do primeiro turno. Confrontados com as dimensões do eleitorado que não engole o PT, os sacerdotes da seita descobriram que nunca tiveram um genuíno oponente. Os advogados de Lula, com a ajuda do estafeta Randolfe Rodrigues, atravessaram o mês pressionando os aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos

As ações emplacadas por assessores jurídicos de Jair Bolsonaro não chegaram a dez. 
O TSE disse sim a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram pela exumação da censura, essa abjeção sepultada em cova rasa na década de 1970.
 
No dia 18, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, bloqueou até 31 de outubro a monetização de quatro empresas jornalísticas. Incluída no grupo, a Brasil Paralelo sofreu um castigo adicional. 
Benedito trancou no baú da censura prévia o documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?
A multa fixada para o descumprimento da decisão arbitrária é de R$ 500 mil por dia. 
Nem mesmo o Brasil do AI-5 adotou a censura prévia. 
Da mesma forma, os censores que vetavam a publicação de páginas marcadas por um corpulento X desenhado com lápis vermelho nunca ameaçaram os censurados com o fechamento do seu local de emprego. Esse fantasma ronda desde segunda-feira o prédio da Jovem Pan na Avenida Paulista.

Moraes e sua bancada dormiriam em sossego caso essas violências exigissem a aprovação de jornalistas que exigem respeito à liberdade de expressão desde que os beneficiários pensem como eles. 
Kennedy Alencar, do portal UOL, não se satisfez com o garrote financeiro imposto a uma produtora que não obedece a cartilhas esquerdistas. “A Brasil Paralelo é uma difusora de fake news conhecida na praça”, irritou-se o jornalista que, ao ser batizado, prestou com o pronome uma homenagem que seria recusada pelo pior dos espécimes da família Kennedy. “Temos de aplicar o princípio follow the money. Tem de ver quais são os empresários que financiam a produção de conteúdo falso. É uma organização de extrema direita, que dissemina mentira no debate público brasileiro e precisa ser combatida.”

Figuras desse calibre decerto torcem também pelo desaparecimento da octogenária Jovem Pan. E jamais subscreveriam o editorial que noticiou a punhalada desferida na Constituição pela mão de Moraes. O presidente do TSE participou indevidamente do julgamento para desempatar a votação a favor dos liberticidas. Como lembra o editorial, a decisão foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade jornalística. O documento adverte para os riscos da escalada autoritária do TSE e reafirma “o compromisso inalienável com o Brasil. Defendemos os princípios democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e repudiamos com veemência qualquer forma de censura.”

Se a Jovem Pan está proibida de referir-se a Lula como “ex-presidiário”, a Gazeta do Povo foi submetida à censura depois de publicar no Twitter notícias sobre a expulsão da CNN da Nicarágua. Amigo fraterno do ditador Daniel Ortega, Lula ficou inquieto: alusões a esses laços incômodos poderiam prejudicá-lo na campanha eleitoral. Em mais um pedido repulsivo, o PT solicitou ao TSE a censura prévia de reportagens da Gazeta do Povo que associassem Lula a Ortega. Desta vez a reivindicação absurda foi rejeitada.

O TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo

Na semana passada, o batalhão de advogados a serviço do chefão solicitou o bloqueio de 34 perfis no Twitter, aí incluído o da Revista Oeste. “A bomba foi anunciada por um veículo de comunicação que fez questão de aplaudir a tentativa de amordaçar parte da imprensa, jornalistas e formadores de opinião”, registrou Paula Leal em reportagem publicada na Edição 134. “Sem ter acesso ao conteúdo da representação, Oeste buscou amparo jurídico para exercer seu direito de defesa. A prática de não dar acesso integral ao processo, aliás, tem se tornado recorrente no Judiciário. O maior exemplo é o inquérito das fake news, em que as partes não sabem nem por qual crime estão sendo acusadas.”

Sinais de desconforto enfim começaram a aparecer em jornais que sempre denunciaram ruidosamente quaisquer ruídos antidemocráticos. A Folha de S.Paulo, por exemplo, criticou em editorial a fábrica de decisões institucionais gerenciada por Moraes. “Ao expandir seu raio de atuação, a Corte pode descair para a censura pura e simples”, avisa um trecho. O Globo foi mais incisivo: “TSE foi longe demais no combate à desinformação”. Segundo o portal carioca, “não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas”. A Gazeta do Povo reagiu com elogiável altivez. “A adoção da censura prévia nesta reta final de campanha é a comprovação de que o TSE considera não haver freio nenhum à sua atuação.”

Surpreendentemente, os primeiros sinais amarelos foram acesos no TSE. Também nesta semana, inúmeros casos foram decididos pelo voto de minerva. Integrante da trinca de representantes do STF no puxadinho governado por Moraes, a ministra Cármen Lúcia não conseguiu camuflar o constrangimento ao votar favoravelmente à censura prévia. 
Queria ter certeza de que o relator cumpriria a promessa de retirar em 31 de outubro as algemas que imobilizam determinações da Constituição. O desconforto de Cármen Lúcia deve ter crescido notadamente nesta quinta-feira: o TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo.

Há poucos meses, Marco Aurélio era o decano do tribunal. Se Alexandre de Moraes não for contido, todos os seus pares estarão arriscados a sofrer a mesma brutalidade que o atingiu. Cármen Lúcia não vai demorar a aposentar-se.

 

A censura do AI-5, à qual estiveram submetidos diretamente a revista Veja, O Estado de S. Paulo e outros veículos de imprensa, era mais honesta em seus propósitos, mais clara para os censurados e mais inteligente do que a censura praticada hoje pelo ministro Alexandre Moraes e os seus colegas do STF.  
No caso específico de Veja havia um censor que se apresentava como censor — era um delegado da Polícia Federal, e mostrava a sua carteira de serviço se alguém lhe pedisse identificação. 
Comparecia pessoalmente à redação da revista em São Paulo, na Freguesia do Ó, na manhã dos sábados, o momento em que todas as matérias da edição semanal estavam escritas. 
Ia a uma sala do 7º andar do edifício e lia os artigos de política, ou de algum outro assunto que quisesse ler. Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho que vai daqui até ali. Corta este também. Não pode deixar em branco os pedaços cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”. Quando o censor acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.

Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas.        “Isso aqui está vetado”, informava ele. Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse. 

Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto. Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas. Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar
Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo. 
Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas. Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.

A censura em Veja acabou no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não teve nada a ver com isso. 

O secretário de imprensa da Presidência da República chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo sábado o homem da Polícia Federal não viria mais

Disse também que a revista deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu? Foi isso. Não houve inquérito ilegal nenhum. Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados com notícias “falsas”. Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que ela prejudica o “estado democrático de direito”. Não houve manifestos de “personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura. Não houve a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa. Censura, então, se chamava “censura”. Era muito mais claro.

Leia também “O gol contra de Moraes”

Augusto Nunes -  Edilson Salgueiro,  colunistas - Revista Oeste