Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador onipotência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador onipotência. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Crítica construtiva, ministro - O Globo

Carlos Andreazza

Jornalista, colunista do GLOBO e apresentador da rádio CBN


Alexandre de Moraes deu entrevista ao GLOBO. Um ano do 8 de Janeiro. Documento já histórico; em que justifica o afastamento de governador com o argumento de “evitar que pudesse ocorrer algo extremista em outros estados, eventualmente outro governador apoiar movimento golpista”. Ibaneis Rocha, eleito, afastado para dar exemplo; para que, o Supremo monocrata se antecipando a pretenso “efeito dominó”, nenhum outro governante se animasse. E tudo bem. 
Pela democracia, à margem do Direito.

Não ornará, não em linguagem compatível com a República, um arranjo em que, para desmontar o 7 de Setembro permanente de Bolsonaro, prospere este estado de vigília; que, sob a inatacável defesa das instituições democráticas, legitime medidas de exceção e interdite o debate público — a ser fascista, trabalhando pela volta do capeta, aquele que criticar o governo Lula e as extravagâncias xandônicas.

Este estado de vigília pela democracia — por meio do qual se fala em volta à normalidade — é encarnado pelo inquérito das fake news, infinito e onipresente, aquele que, de acordo com Moraes, “vai ser concluído quando terminar”.  
O gênio não voltará mais à lâmpada. Voltará a normalidade? (Já há PGR.)
O omisso (na melhor hipótese para si) Ibaneis, investigado, ainda não foi denunciado
A ver se eventual denúncia virá em termos aceitáveis ao Direito. 
 
Aceitáveis ao Direito também deveriam ser as respostas do ministro às críticas de que há presos sofrendo abusos. — Nenhum desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser preso. 
E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos.

Em dezembro, à Folha, formulara na mesma linha: — Essas que hoje criticam o sistema penitenciário nunca se preocupam com os 700 mil presos brasileiros. Enquanto não havia gente ligada a essas pessoas, principalmente uma classe média do interior dos vários estados, elas tinham bordões, eu diria, fascistas em relação àqueles que cometiam crimes.

Um ministro do STF sabe — não poderia argumentar para outro norte — que o Estado de Direito assegura garantias até a quem ignora ou ataca seus princípios básicos. 
E deveria responder com Direito — não com a flexibilização do Estado de Direito para justiçar quem despreza o Estado de Direito — aos que questionam sobre violação do juiz natural, prisões preventivas alongadas e julgamentos à baciada, sem individualização de condutas, uns poucos julgados em plenário, com debates e transmissão pela TV, a grande maioria de maneira virtual.

É belicoso que reaja a discordâncias sobre o alcance universal de sua caneta na forma como fez à GloboNews: — Quem decide o foro? Quem decide se é competência ou não do STF? O STF.

Essa onipotência sobre os miúdos deveria aparecer no tratamento aos golpistas graduados. 
Onde estão os militares? 
Os que ordenaram aquele cordão de isolamento em proteção aos depredadores que fugiram para o acampamento à porta do Q.G. do Exército? 
Há análises segundo as quais a reação judicial — pelas mãos de Moraes — consistiria no encontro tardio do Brasil com o enfrentamento, sem anistias, de suas mazelas autoritárias.  
No mundo real: arma-se a tradicional acomodação com as Forças Armadas. 
 
A onipotência “não há limite” sobre até onde a investigação chegará — autoriza supor que o ministro seja também onisciente. 
Se esteve à vontade para informar sobre planos que objetivariam matá-lo, algo gravíssimo, é certo que saiba quem os planejou — certo sendo, aí sim, que estivessem presos. 
Por muito menos, já impôs prisões preventivas. 
 
Esse episódio mereceria esclarecimentos. Até porque, após discriminar os três planos contra si, fala em “tentativa de planejamento”
Plano ou tentativa de planejamento, graus de gravidade à parte, uma certeza. 
Um ano depois, tendo o ministro falado abertamente a respeito, os investigadores já deveriam ter — para além de troca de mensagens — elementos suficientes para agir.
Não é o que parece. Ao menos com base no que o diretor-geral da PF declarou à GloboNews:— A partir dessas mensagens a gente tem a possibilidade de identificação dos responsáveis.  
Ainda não foram identificados? 
Será maledicente a impressão de que o delegado acabara de tomar conhecimento do assunto?

Ele diz que já sabia:— Isso são informações extraídas de troca de mensagens, das prisões, de todo o trabalho que está sendo feito.

Certo. Ninguém poderia acreditar que o ministro fosse falar sobre planosou tentativas de planejamento para matá-lo urdidos e existentes apenas no zap-zap.


Carlos Andreazza, colunista - O Globo


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A exumação da censura - Augusto Nunes

Revista Oeste

O aleijão inconstitucional deve ser imediatamente devolvido à cova rasa 

No meio da entrevista a um jornalista amigo, o ministro Edson Fachin confessou que o sistema eleitoral brasileiro, embora seja o mais perfeito do planeta (ou talvez por isso mesmo), corria perigo por estar na mira de hackers homiziados na Macedônia do Norte.  
A revelação bastava para transformar a conversa em leitura obrigatória. Mas o gaúcho com sotaque paranaense, instalado no Supremo Tribunal Federal por indicação de Dilma Rousseff, achou pouco. E garantiu que, tão logo assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, compreendeu que só se mostraria à altura do cargo se levasse em conta a “transterritorialização comunicacional”
Fachin caprichou no sorriso de carrasco do idioma. O entrevistador fingiu que sabia o significado da sopa de letras. 
Leitores com mais de cinco neurônios constataram que coisas estranhas acontecem na cabeça das sumidades que acumulam as atividades no Pretório Excelso com as atribuições do cargo de Senhor das Urnas e dos Votos.

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE 

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE  

Todos acreditam, por exemplo, que chegaram ao mundo com três marcas de nascença: onisciência, onipresença e onipotência, tudo em dose dupla.  
Gente assim faz coisas de que até Deus duvida, confirma Alexandre de Moraes de meia em meia hora. 
Comandante do inquérito do fim do mundo no STF, imperador do Brasil eleitoral desde agosto, o afilhado de Michel Temer se acha a maior autoridade mundial em fake news
Ninguém risca com tanta segurança fronteiras que separam informações de alta qualidade e notícias fraudulentas, fatos e boatos, o que é e o que não é, o que aconteceu e o que foi inventado.  
No começo desta semana, o presidente do TSE anunciou a descoberta de outra brasileirice: uma segunda geração de fake news. Na primeira, os inimigos do Estado de Direito se limitavam a espalhar mentiras. A recém-nascida é mais sofisticada. Nessa variante da pandemia de falsidades, “a pessoa se baseia em coisas verdadeiras para chegar a conclusões mentirosas e divulgá-las”, ensina o doutor em tapeações eleitoreiras. [no oportuno comentário da articulista Ana Paula Henkel,com tão estapafúrdia decisão, foi criado o crime de fala conclusão; leio coisas verdade, porém, por incompetência ou para realizar atos antidemocráticos concluo coisas erradas, sem saber que estou tirando conclusões erradas, ao que sou enquadrado pelas agências de checagem em mais um delito tipificado por decisão monocrática de um supremo ministro.] 
 
Moraes acha que a segunda geração tem como alvo preferencial o candidato do PT. É verdade que Lula é ex-presidiário, admitem o mestre e seus discípulos. Admitem também que Lula enriqueceu trocando favores milionários com a bandidagem do Petrolão. Mas espalhar por aí que o retorno do ex-presidente ao Planalto seria uma volta à cena do crime é coisa de fascista sem remédio, de praticante de atos antidemocráticos, de nostálgicos de golpes militares [ - crimes que podem ser punidos com a escolha do criminoso para ser vice do luLadrão que quer voltar à cena do crime ou com prisão preventiva com caráter de prisão perpétua.]  
Não é isso o que repete Geraldo Alckmin nos vídeos da campanha de 2018 que seguem fazendo sucesso na internet?, insistirão os eternos insatisfeitos. 
Não foi a permanência nas redes de uma gravação desbocada feita por Daniel Silveira o pretexto para instituir o flagrante perpétuo e decretar a prisão de um deputado federal protegido por imunidades parlamentares?  
O que espera Moraes para engaiolar o setentão que desertou do ninho tucano para fazer feio em cantorias esquerdistas?
 
Melhor parar por aqui, ouço murmurando os cautelosos demais. 
É perigoso melindrar magistrados que enxergam no espelho a instituição que os empregou. 
Pois chegou a hora de deter o autoritarismo togado, que desde 2019 consolida parcerias com militantes esquerdistas acampados em redações agonizantes e casos de polícia refugiados em partidos arrendados. “Não se ganha uma guerra com retiradas”, avisou Winston Churchill, o maior dos estadistas. 
Como sentimentos têm odores, predadores da liberdade farejam facilmente o cheiro do medo, mais pestilento quando se recua. 
Os atropeladores da Constituição fizeram de conta que nem notaram as advertências formuladas por dezenas de milhões de brasileiros nas urnas do primeiro turno. 
A mais animadora foi a profunda mudança na composição do Senado, que terá na presidência um parlamentar indicado pela majoritária bancada bolsonarista. 
Outras: o confinamento do PT nas regiões atormentadas pelo atraso e as derrotas impostas a Lula pelo Brasil moderno. Claro que mesmo prepotentes vocacionais enxergaram tais mudanças na paisagem.

Se é assim, por que os democratas de manifesto e libertários de galinheiro agiram com tanto desembaraço e atrevimento ao longo deste outubro? Os parceiros têm pressa, palavra que no glossário da política tem por sinônimos também os termos inquietação, afoiteza e ansiedade. Descobriram que terão de enfrentar em 30 de outubro legiões de militantes decididos a inverter o resultado do primeiro turno. Confrontados com as dimensões do eleitorado que não engole o PT, os sacerdotes da seita descobriram que nunca tiveram um genuíno oponente. Os advogados de Lula, com a ajuda do estafeta Randolfe Rodrigues, atravessaram o mês pressionando os aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos

As ações emplacadas por assessores jurídicos de Jair Bolsonaro não chegaram a dez. 
O TSE disse sim a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram pela exumação da censura, essa abjeção sepultada em cova rasa na década de 1970.
 
No dia 18, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, bloqueou até 31 de outubro a monetização de quatro empresas jornalísticas. Incluída no grupo, a Brasil Paralelo sofreu um castigo adicional. 
Benedito trancou no baú da censura prévia o documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?
A multa fixada para o descumprimento da decisão arbitrária é de R$ 500 mil por dia. 
Nem mesmo o Brasil do AI-5 adotou a censura prévia. 
Da mesma forma, os censores que vetavam a publicação de páginas marcadas por um corpulento X desenhado com lápis vermelho nunca ameaçaram os censurados com o fechamento do seu local de emprego. Esse fantasma ronda desde segunda-feira o prédio da Jovem Pan na Avenida Paulista.

Moraes e sua bancada dormiriam em sossego caso essas violências exigissem a aprovação de jornalistas que exigem respeito à liberdade de expressão desde que os beneficiários pensem como eles. 
Kennedy Alencar, do portal UOL, não se satisfez com o garrote financeiro imposto a uma produtora que não obedece a cartilhas esquerdistas. “A Brasil Paralelo é uma difusora de fake news conhecida na praça”, irritou-se o jornalista que, ao ser batizado, prestou com o pronome uma homenagem que seria recusada pelo pior dos espécimes da família Kennedy. “Temos de aplicar o princípio follow the money. Tem de ver quais são os empresários que financiam a produção de conteúdo falso. É uma organização de extrema direita, que dissemina mentira no debate público brasileiro e precisa ser combatida.”

Figuras desse calibre decerto torcem também pelo desaparecimento da octogenária Jovem Pan. E jamais subscreveriam o editorial que noticiou a punhalada desferida na Constituição pela mão de Moraes. O presidente do TSE participou indevidamente do julgamento para desempatar a votação a favor dos liberticidas. Como lembra o editorial, a decisão foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade jornalística. O documento adverte para os riscos da escalada autoritária do TSE e reafirma “o compromisso inalienável com o Brasil. Defendemos os princípios democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e repudiamos com veemência qualquer forma de censura.”

Se a Jovem Pan está proibida de referir-se a Lula como “ex-presidiário”, a Gazeta do Povo foi submetida à censura depois de publicar no Twitter notícias sobre a expulsão da CNN da Nicarágua. Amigo fraterno do ditador Daniel Ortega, Lula ficou inquieto: alusões a esses laços incômodos poderiam prejudicá-lo na campanha eleitoral. Em mais um pedido repulsivo, o PT solicitou ao TSE a censura prévia de reportagens da Gazeta do Povo que associassem Lula a Ortega. Desta vez a reivindicação absurda foi rejeitada.

O TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo

Na semana passada, o batalhão de advogados a serviço do chefão solicitou o bloqueio de 34 perfis no Twitter, aí incluído o da Revista Oeste. “A bomba foi anunciada por um veículo de comunicação que fez questão de aplaudir a tentativa de amordaçar parte da imprensa, jornalistas e formadores de opinião”, registrou Paula Leal em reportagem publicada na Edição 134. “Sem ter acesso ao conteúdo da representação, Oeste buscou amparo jurídico para exercer seu direito de defesa. A prática de não dar acesso integral ao processo, aliás, tem se tornado recorrente no Judiciário. O maior exemplo é o inquérito das fake news, em que as partes não sabem nem por qual crime estão sendo acusadas.”

Sinais de desconforto enfim começaram a aparecer em jornais que sempre denunciaram ruidosamente quaisquer ruídos antidemocráticos. A Folha de S.Paulo, por exemplo, criticou em editorial a fábrica de decisões institucionais gerenciada por Moraes. “Ao expandir seu raio de atuação, a Corte pode descair para a censura pura e simples”, avisa um trecho. O Globo foi mais incisivo: “TSE foi longe demais no combate à desinformação”. Segundo o portal carioca, “não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas”. A Gazeta do Povo reagiu com elogiável altivez. “A adoção da censura prévia nesta reta final de campanha é a comprovação de que o TSE considera não haver freio nenhum à sua atuação.”

Surpreendentemente, os primeiros sinais amarelos foram acesos no TSE. Também nesta semana, inúmeros casos foram decididos pelo voto de minerva. Integrante da trinca de representantes do STF no puxadinho governado por Moraes, a ministra Cármen Lúcia não conseguiu camuflar o constrangimento ao votar favoravelmente à censura prévia. 
Queria ter certeza de que o relator cumpriria a promessa de retirar em 31 de outubro as algemas que imobilizam determinações da Constituição. O desconforto de Cármen Lúcia deve ter crescido notadamente nesta quinta-feira: o TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo.

Há poucos meses, Marco Aurélio era o decano do tribunal. Se Alexandre de Moraes não for contido, todos os seus pares estarão arriscados a sofrer a mesma brutalidade que o atingiu. Cármen Lúcia não vai demorar a aposentar-se.

 

A censura do AI-5, à qual estiveram submetidos diretamente a revista Veja, O Estado de S. Paulo e outros veículos de imprensa, era mais honesta em seus propósitos, mais clara para os censurados e mais inteligente do que a censura praticada hoje pelo ministro Alexandre Moraes e os seus colegas do STF.  
No caso específico de Veja havia um censor que se apresentava como censor — era um delegado da Polícia Federal, e mostrava a sua carteira de serviço se alguém lhe pedisse identificação. 
Comparecia pessoalmente à redação da revista em São Paulo, na Freguesia do Ó, na manhã dos sábados, o momento em que todas as matérias da edição semanal estavam escritas. 
Ia a uma sala do 7º andar do edifício e lia os artigos de política, ou de algum outro assunto que quisesse ler. Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho que vai daqui até ali. Corta este também. Não pode deixar em branco os pedaços cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”. Quando o censor acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.

Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas.        “Isso aqui está vetado”, informava ele. Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse. 

Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto. Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas. Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar
Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo. 
Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas. Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.

A censura em Veja acabou no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não teve nada a ver com isso. 

O secretário de imprensa da Presidência da República chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo sábado o homem da Polícia Federal não viria mais

Disse também que a revista deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu? Foi isso. Não houve inquérito ilegal nenhum. Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados com notícias “falsas”. Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que ela prejudica o “estado democrático de direito”. Não houve manifestos de “personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura. Não houve a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa. Censura, então, se chamava “censura”. Era muito mais claro.

Leia também “O gol contra de Moraes”

Augusto Nunes -  Edilson Salgueiro,  colunistas - Revista Oeste


domingo, 28 de agosto de 2022

STF quer se livrar do presidente usando a força do Estado para violar a lei - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Brasil tem no lugar do STF uma polícia de ditadura que se comporta como se as leis do País não existissem

O Brasil deixou de ter um Supremo Tribunal Federal. Tem, em seu lugar, uma polícia de ditadura, que invade casas e escritórios de cidadãos às 6 horas da manhã, viola os direitos civis das pessoas que persegue e se comporta, de maneira cada vez mais agressiva, como se as leis do País não existissem é ela, na verdade, quem faz a lei, e não presta contas a ninguém. 

Essa aberração é comandada pelo ministro Alexandre de Moraes e tem o apoio doentio de colegas que se comportam como fanáticos religiosos; abandonaram os seus deveres de juízes e se tornaram, hoje, militantes de uma facção política.  
Seu último acesso de onipotência é essa assombrosa operação contra o que chamam de “empresários golpistas”.

 Não há um miligrama de prova, ou qualquer indício racional, de que as vítimas do ministro tenham cometido algum delito contra a ordem política, social ou constitucional do País; tudo o que fizeram foi conversar entre si nos seus celulares privados. Que crime é esse? E, mesmo que tivessem feito alguma coisa errada, cabe exclusivamente ao Ministério Público fazer a denúncia criminal. 

A lei diz que ninguém mais pode fazer isso; um juiz nunca é parte da investigação, ou de nenhuma causa, cabendo-lhe apenas julgar quem está com a razão – a acusação ou a defesa.  
Mais: ainda que estivesse tudo certo com o inquérito, e nada está certo nele, os empresários não poderiam ser julgados no STF, pois não têm o foro especial indispensável para isso. Os advogados não têm acesso aos autos – e isso não existe em nenhuma democracia do mundo. Também não existem ministros de Suprema Corte que tenham uma equipe de policiais a seu serviço e sob o seu comando.

O ministro Alexandre de Moraes e a maioria dos seus colegas de STF querem o presidente Bolsonaro fora do governo é disso, e só disso, que se trata, quando se deixa de lado o imenso fingimento da lavagem cerebral contra os “atos antidemocráticos”.
Tudo bem: muita gente também quer. A questão real, a única questão, é que Bolsonaro está em pleno julgamento, e o veredicto será dado daqui a pouco, nas eleições de outubro. 
Os juízes verdadeiros, aí, serão os 150 milhões de eleitores brasileiros e não os ministros do Supremo.  
É perfeitamente lícito achar que Bolsonaro está fazendo um governo ruim, péssimo ou pior do que péssimo. 
Se for assim mesmo, não há nenhum problema: os brasileiros votarão livremente contra ele, e tudo estará resolvido. 
O STF e os setores que o apoiam, porém, querem se livrar do presidente usando a força do Estado para violar a lei, pisar nos direitos dos cidadãos e suprimir a liberdade. É um desastre à vista de todos.
 
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Os quatro Moraes - Revista Oeste

Augusto Nunes

Já se registrou nesta coluna a existência de duas versões de Alexandre de Moraes: a escrita e a falada. A primeira se manifesta na penca de livros que assinou, vários deles de leitura obrigatória em dezenas de cursos de Direito. 
Os textos tratam o idioma com gentileza, embora não dispensem enxurradas de latinórios e pedantismos em juridiquês castiço. 
A segunda versão não sobreviveria a uma prova oral de língua portuguesa do Enem. 
Quando fala de improviso, Moraes estaciona em reticências, tropeça em vírgulas errantes, escava fossos entre sujeito e predicado, junta palavras que não conversam entre si e produz sopas de letras intragáveis.
 
Como atestou a sabatina no Senado que aprovou por 19 votos a 7 sua indicação para a vaga no Supremo Tribunal Federal aberta pela morte de Teori Zavascki, a versão falada derrapa em desempenhos bisonhos mesmo quando lê textos redigidos pela versão escrita
Quase 11 horas de perguntas e respostas confirmaram que o sabatinado nunca chega a algum lugar. Ele só chega em
Também ignora a diferença entre onde e aonde, e nem desconfia que os dois advérbios se referem a algum ponto geográfico, nunca a um espaço de tempo. Estou falando da semana aonde me encontrei com o governador, disse mais de uma vez à ilustre plateia. 
E o falatório foi frequentemente truncado por apostos que transformam parágrafos num cortejo de vogais e consoantes que não faz sentido e parece nunca chegar ao fim. 

Depois da posse no Egrégio Plenário, tomaram forma o professor que ensina a coisa certa e o ministro que faz tudo errado

O descompasso entre a versão falada e a versão escrita se desdobraria em outra e mais perturbadora disfunção esquizofrênica: depois da posse no Egrégio Plenário, tomaram forma o professor que ensina a coisa certa e o ministro que faz tudo errado
A tese que o tornou doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, por exemplo, afirma que não pode ser indicado para a Corte Suprema o ocupante de um cargo de confiança do presidente da República em exercício, “para que se evite demonstração de gratidão política”. Ao aceitar o convite de Michel Temer para substituir Teori Zavascki, ou Moraes não lembrou que era ministro da Justiça ou esqueceu a tese defendida quase 20 anos antes. 
 
Em 21 de fevereiro de 2017, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o sabatinado jurou combater a praga do “ativismo judicial” — essa insolente mania que têm os ministros de intrometer-se em assuntos que não lhes dizem respeito.  
Baseado em argumentos expostos em livros que assinou, Moraes se dispôs a acabar com esse coquetel de onisciência, onipresença e onipotência. “Não são poucos os que apontam enorme perigo à democracia e à vontade popular na utilização exagerada do ativismo judicial”, constatou. “Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte, que tentaram interpretá-las, e as duradouras tradições da nossa cultura política.” 

 Moraes que louvara a amistosa convivência com o Legislativo pariu o flagrante perpétuo e abortou a imunidade parlamentar para encarcerar o deputado federal Daniel Silveira

É o que Moraes não para de fazer desde 14 de março de 2019, quando o então presidente Dias Toffoli promoveu o impetuoso parceiro a relator do inquérito inventado para investigar a disseminação de fake news e ameaças endereçadas a integrantes do Timão da Toga. “O juiz pode incorrer num perigoso grau de subjetivismo ao interpretar a Constituição impondo seu próprio ponto de vista sobre os demais Poderes”, dissera durante o sarau com senadores o Moraes que já não existia — se é que existiu um dia. 
O candidato ao Supremo que pregava um convívio harmonioso com o Executivo foi o ministro que proibiu Jair Bolsonaro de nomear Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal — cargo cujo preenchimento é atribuição exclusiva do presidente da República. O Moraes que louvara a amistosa convivência com o Legislativo pariu o flagrante perpétuo e abortou a imunidade parlamentar para encarcerar o deputado federal Daniel Silveira.
 
“É preciso adotar um prazo máximo para prisões preventivas”, sustentou na sabatina. Manteve Daniel na cadeia por cinco meses
E, ao fim do julgamento no STF, celebrou com um sorriso vitorioso a condenação do deputado a quase nove anos de prisão.  
Frustrado com a graça constitucional concedida por Bolsonaro ao perseguido predileto do carcereiro togado, mandou às favas o parecer expedido num vídeo divulgado em 2018. 
Nele, Moraes reafirma que a concessão do indulto seja individual ou coletivo, seja graça constitucional — é atribuição privativa do presidente da República, “goste-se ou não”. Alheio à ressalva, continua aplicando multas escorchantes a um representante do povo transformado em preso político por um ministro decidido a revogar o preceito constitucional: nenhum deputado ou senador pode ser punido por quaisquer opiniões, palavras ou votos. 

 Até incorporar-se ao grupo de superjuízes, havia dois Moraes. Agora são quatro — o mesmo número de pontos de exclamação hasteados depois da última palavra do manifesto concebido por gente que enxerga soldados da democracia em torturadores da liberdade de expressão. 
O texto indigente parece ditado pela versão falada de Moraes, que não pode ficar fora da festa preparada para a leitura oficial do palavrório. Não são citados nomes de candidatos ao Planalto. Mas fica evidente que os signatários veem em Lula a sumidade enviada pela Divina Providência para livrar o Brasil de Jair Bolsonaro. 
 
O ponto de exclamação é a bengala do idioma, feita para avisar aos distraídos que as vogais e consoantes que o precedem devem ser pronunciadas aos gritos. Os autores do manifesto todos ex-alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, como Moraes — usaram um na entrada e quatro na saída.  
Que tal usar um desses sinaizinhos para chacoalhar a cabeça de Celso de Mello, escalado para a leitura inaugural do palavrório mambembe? Em 2012, durante o julgamento do Mensalão, o ainda ministro recitou centenas de vezes que os poderosos patifes envolvidos naquela ladroagem não tinham um programa de governo. Tinham um projeto criminoso de poder. 
Com a bengalada, o Pavão de Tatuí talvez consiga lembrar que o chefe do bando era Lula, que agora pretende devolver à cena do crime.

Leia também “De olho no Supremo” 

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

sábado, 6 de março de 2021

Ele é ruim assim - Carlos Alberto Sardenberg

A questão é: o presidente Bolsonaro acredita mesmo que quem se preocupa com a pandemia é um maricas ou está apenas fazendo jogadas? 
Pela segunda hipótese, as declarações impiedosas dele – “vai chorar até quando?” têm o objetivo de, primeiro, esquentar suas bases e, segundo de desviar a atenção dos desvios de seus filhos – a compra da mansão – e de seus fracassos. [as respostas mais adequadas as questões propostas, devem ser antecedidas por perguntas. Vamos a elas:
- em qual grau, qual foi a influência das respostas dadas pelo presidente, quando sob intensa pressão da mídia usou palavras inadequadas?  ZERO;
- talvez a índole belicosa, sincera e um pouco rústica do nosso presidente, facilite interpretações parciais de estar fazendo jogadas - interpretações, repetimos, tendenciosas e que destacam sempre o lado negativo;  
- desviar atenção dos desvios dos seus filhos? a compra da mansão? É notório que comprar uma mansão não é crime, não é desvio e o MP, Receita Federal e diversos órgãos de fiscalização dispõem dos meios e condições,  para averiguar toda a operação, todas as formas empregadas na aquisição de recursos  e se constatada alguma irregularidade efetuar as denúncias.Destacamos que a RF tem poderes para realizar para realizar investigações sem necessidade de quebra de sigilo - o que não vale é a violação do sigilo bancário e fiscal, por órgãos sem competência para tanto e depois o resultado das 'invasões ilegais' serem divulgadas pela mídia, divulgação sempre antecedida do chavão: a (órgão divulgador) .. ........ teve acesso aos dados do sigilo bancário de fulano e fulana.]

Pela primeira hipótese, ele é um homem despreparado, insensível, com comportamentos desprezíveis, como esse de zombar da morte.[correção: não se zomba da morte; ela é quem zomba de TODOS NÓS!  a morte, a senhora da foice, zomba até dos que orgulhosamente,  e por  vã ilusão e infantil sensação de onipotência,  chegam em  seus devaneios a se  considerar livres dela, se julgam 'deuses'.]

A tentação imediata é responder: um pouco das coisas. Talvez seja por aí – o presidente faz jogadas. Mas não parece ter o tirocínio , nem a capacidade emocional para armar jogadas consistentes. Ele parece mais um homem sob um ataque de nervos quando percebe as coisas desmoronando ao seu redor. Sim, Bolsonaro ainda tem uns 30% de aprovação.[acreditar nos 30%, desprezando os reais 45%, é acreditar em Papai Noel, que alguns humanos são imortais e coisas do tipo - entre tais coisas, a de que a oposição tem alguém em condições de ser candidato em 2022....talvez o animador do auditório, a dona de magazine, o coronel paulista, nasceu em Pindamonhangaba, que posa de cearense... A oposição não tem um candidato presidencial já nas ruas como ele está o tempo todo.

Mas, vamos reparar. Estamos nos aproximando dos 11 milhões de casos de Covid. Cada uma dessas pessoas tem relacionamentos – familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. Quanto dá esse grupo, em média? Dez, 15 pessoas? Qualquer que seja a conta, não estará errado verificar que algo como 130 milhões de brasileiros tiveram contato com alguém próximo doente. São esses os frescos atingidos pela pergunta: Sem contar os parentes de pessoas que, nos dias de hoje, não encontram leitos para internar seus entes queridos. [estamos corretos quando percebemos uma interpretação, uma sutil torcida, de que quanto mais brasileiros morrerem, mais brasileiros ficarão contra Bolsonaro = menos votos para o capitão em 2022 = melhor para os inimigos do Brasil, que serão os beneficiários do elevado número de mortes. É isso mesmo?]

O presidente tenta passar a responsabilidade para os governadores e prefeitos, mas essa conversa fica prejudicada quando o próprio Bolsonaro confessa que está agora em busca de vacinas – as mesmas que desprezava. Não é possível que, tirante os bolsonaristas de raiz e os idiotas que têm de procurar vacina na casa da mãe, os demais brasileiros, a imensa maioria, caiam nessa conversa o tempo todo. Surgiram sinais interessantes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na frente de gente do Ministério da Saúde, foi claro: não sejam negacionistas, preguem o uso de máscaras, o distanciamento, o evitar aglomerações, a busca da vacina.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, inverteu a tese de Bolsonaro, segunda a qual o cuidado com a saúde não pode matar a economia. Disse o ministro: sem saúde não há economia. Logo a principal medida econômica é vacinar em massa. Finalmente, o vice Mourão disse que o lockdown deve ser aplicado onde necessário. Verdade que ele não manda nada, mas sua fala deve exprimir algum grupo do governo. É verdade que nenhum deles avançou o sinal para dizer: gente, o presidente está errado. [O Reino Unido já está no terceiro lockdown, período de um ano, o terceiro iniciou em 1 janeiro 2021, começou a vacinar em dezembro 2020, vacinou já um terço dos seus habitantes, e o número de contaminações continua recomendando o lockdown. como ficamos???

Mas imaginem o que Bolsonaro deve ter sentido quando ouviu a fala do presidente do Senado, que ele ajudou a eleger. A menos que Rodrigo Pacheco tenha dito reservadamente que estava fazendo jogo de cena, a fala explica boa parte da raiva do chefe do Planalto. Na verdade, mesmo que fosse jogo de cena. Também dizem que Bolsonaro está conseguindo desmontar o combate à corrupção e assim proteger seus filhos.

Engano. Ele se beneficia desse abafa, mas não é o arquiteto. O ministro Luís Roberto Barroso tem razão quando diz que todo mundo na elite brasileira tem algum parente, amigo, correligionário, ente querido envolvido em falcatrua. Gente que foi apanhada no Mensalão e na Lava Jato – e que agora está reagindo. Bolsonaro pegou carona no desmonte do combate à corrupção. A armação geral precisa de gente mais competente e mais fria, como Gilmar Mendes e outros ilustres membros das corte superiores, os grandes advogados de réus da Lava Jato e, sim, experientes políticos do Centrão. Notando-se: o Centrão não tem amores para sempre. Só enquanto vale a pena. Disso, Bolsonaro sabe. [conclusão única e inevitável: vale tudo para derrubar Bolsonaro = elogiar governador e prefeito, o que inclui tecer loas ao fracassado 'governador da vacina'.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de março de 2021


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

In Fux we don’t trust - O Globo

Carlos Andreazza

O presidente do Supremo é um mestre em jogar para a galera -  Ele lançou sobre um servidor o peso de decisão que só o presidente do Supremo poderia tomar

Luiz Fux para se lavar de um aval que obviamente dera arranjou-se cuspindo ao mar um colaborador de terceiro escalão. Aquele exercício covarde de onipotência típico dos que se sabem inalcançáveis. O presidente do Supremo Tribunal Federal é um poder inteiro e, no caso do atual, um mestre em jogar para a galera. (Não tardará, aliás, até que abra enquetes em rede social para que seus seguidores determinem como deve votar.) Outra coisa, porém, será cultivar a imagem de homem justo e combatente de regalias afogando um subordinado em injustiça; um desmando autoritário reativo para não assumir o desmando patrimonialista original.

Sim. Refiro-me ao caso — um escândalo em que Fux, pressionado pela imprensa que o adula, decidiu, fingindo-se de chocado, exonerar o secretário de saúde do STF
(Sendo também o caso de perguntar por que o tribunal precisaria de uma tal secretaria.)
O doutor Marco Polo Dias Freitas levou a culpa. Pagou pelo ato por meio do qual a Corte constitucional brasileira — vergonhosamente demandara à Fiocruz uma reserva de 7 mil doses de vacina contra a peste para seus togados e funcionários. Pego em flagrante, Fux em gesto de rara desonra — lançou sobre um servidor o peso de decisão que só o presidente do Supremo poderia tomar. Um conjunto de arbitrariedades a não ser esquecido. (E que só será surpresa para quem admite o modo como o ministro maneja a Constituição.)

Freitas foi elegante, impessoal, ao sair, talvez com a intenção de preservar a instituição a que se dedicava havia década; mas deixou claríssimo o que se passara: “Respeito rigorosamente a hierarquia administrativa do Supremo Tribunal Federal. Nesses onze anos no STF, nunca realizei nenhum ato administrativo sem a ciência e a anuência dos meus superiores hierárquicos”.

Elegante. Eu também serei. (Quem sabe, assim, este artigo escape da censura no clipping do tribunal?) E serei igualmente claro. O ofício de requisição da reserva de doses foi assinado, em 30 de novembro, pelo diretor-geral do Supremo, Edmundo Veras dos Santos Filho; que, no entanto, manteve o cargo. Fux justificou a demissão do mais fraco afirmando que o pedido fora feito sem o seu consentimento. Não é verdade. 
O presidente do Supremo faltou com a verdade; o que se prova facilmente, sendo o próprio Fux a se desmentir. [não podemos esquecer que o oficio foi assinado pelo diretor-geral do Supremo, Edmundo Veras, superior hierárquico do doutor Marco Polo - e os mais elementares fundamentos hierárquicos, rudimentares princípios da hierarquia, estabelecem  que ao ter seu pedido acatado pelo superior hierárquico, o subalterno está respeitando a hierarquia. 
Se alguém descumpriu a hierarquia foi o diretor-geral do Supremo = se impondo sua exoneração - exceto se, o ministro Fux tinha conhecimento do oficio (o mais provável, devido as implicações políticas do pedido desaconselharem o senhor Veras de até pensar no assunto,  sem o aval do presidente do STF.]

Freitas foi exonerado em 27 de dezembro. No dia seguinte, o presidente do STF pôs em campo uma blitz para, em suma, apregoar que não sabia e que não admitia; versão que rui diante da entrevista veiculada cinco dias antes, em 23 de dezembro, pela TV Justiça, em que se demonstra não apenas informado sobre o pedido, mas favorável à demanda. Fala Fux: Nós, por exemplo, fizemos um pedido, de toda forma delicada, ética, um pedido, dentro das possibilidades, que, quando todas as prioridades forem cumpridas, de que também os tribunais superiores — que precisam trabalhar em prol da Covid — tenham meios para trabalhar. E, para isso, precisa vacinar. Não adianta vacinar os ministros e não vacinar os servidores. A difusão da doença seria exatamente a mesma. [um aspecto não destacado: os servidores se tornaram beneficiários do pedido para não contagiarem os supremos ministros. Fosse a covid-19 apenas letal, não contagiosa, os ministros seriam vacinados e os servidores aguardariam.]

Que tal? Que tal essa ética? Mesmo o português truncado de Fux — que decerto gostaria de trabalhar contra a Covid, e não em prol do vírus não é capaz de deixar dúvidas. Nós é nós. Né? Nós somos. O “nós fizemos um pedido” o inclui. Nós pedimos. Certo? Nós só são os outros — quando o bicho pega, e o bafo da sociedade esquenta o cangote — na ética fuxiana do bode expiatório. E não deixa de ser requisição de tratamento prioritário, uma que se queira postar à fila logo após as prioridades já consagradas. Fim da fila de prioridades ainda prioridade será. Não há delicadeza nisso.

Fux não apenas tinha ciência do pedido como — sob visão estratégico-corporativa — avalizou-o. E diga-se que, fosse verdadeiro que a demanda tivesse sido feita sem sua chancela, teríamos apenas mais uma exibição de incompetência; e ele precisaria demitir o diretor-geral. Mas não foi incompetência. Não desta vez. Foi um movimento natural, consciente, relaxado, de quem se sabe mesmo privilegiado; de alguém cuja trajetória educou para o hábito do privilégio. Foi desde esse lugar que o presidente do STF ceifou o doutor Freitas.

Fux, contudo, ao explicar a demissão covarde do subordinado, disse: “Sempre fui contra privilégios”. De novo, não é verdade. Temos memória. Ou não terá sido ele agora todo enérgico contra decisões monocráticas o ministro que ficou, atenção, quatro anos sentado sobre liminar, canetada classista de próprio punho, que garantiria auxílio-moradia a juízes e procuradores, uma conta bilionária? [vale a pena conferir a íntegra da matéria, da qual destacamos:
A lentidão na análise da liminar foi motivada,-  dizem as más, ou bem informadas línguas - pelo fato da desembargadora Mariana Fux,  filha do ministro Fux, trabalhando no Rio, receber auxilio moradia, mesmo sendo proprietária de dois apartamento no Leblon.]

O privilegiado Luiz Fux é o privilégio. Pode tudo. É também um — mais um ministro da corte constitucional brasileira em quem não se deve confiar.

Carlos Andreazza, jornalista - Opinião - O Globo


quinta-feira, 28 de maio de 2020

O atropelador da Constituição - Augusto Nunes

Alexandre de Moraes insiste na obscenidade jurídica    

@augustosnunes
 

Dia sim, dia não, Jair Bolsonaro é acusado por inimigos políticos de cometer pecados autoritários que o Supremo Tribunal Federal comete dia e noite — sob o silêncio cúmplice dos engajados no cerco ao presidente da República. Nesta quarta-feira, o escalado para mais uma agressão ao Estado de Direito foi o ministro Alexandre de Moraes.
As observações da doutora Thamea liquidam o assunto. O resto é conversa fiada.   

Encarregado de conduzir o chamado "inquérito das fake news", uma excrescência parida pelo ministro Dias Toffoli, Moraes incorporou simultaneamente quatro figuras: 
- o detetive que resolve qualquer caso em meia hora, o delegado que prende sem motivo, o promotor que só acusa e o juiz que condena qualquer réu que lhe apareça pela proa.

Essa sensação de onipotência animou o ministro a ressuscitar as investigações ilegais com uma farta distribuição de mandados de busca e apreensão, intimações e outros excessos. A obscenidade jurídica foi demolida por oito constatações feitas pela procuradora Thaméa Danelon:
1- Respeito o STF, mas o Inquérito das “Fakes News” é completamente ilegal e inconstitucional, pois viola o Sistema Acusatório (juiz não pode investigar, apenas o MP e a Polícia);
2- Ofende o Princípio da Livre Distribuição (o juiz que, no futuro, julgará o caso, não pode ser escolhido; deve haver um livre sorteio entre os juízes);
3- Não investiga fatos objetivos e específicos, “Fake News” não é um crime tipificado no Código Penal; e ameaça ao STF e familiares é extremamente vago;
4- Os supostos crimes não ocorreram nas dependências do STF. Assim, não há competência (processual) da Suprema Corte;
5- Deve-se lembrar que a ex-procuradora geral Raquel Dodge, no ano passado, ARQUIVOU referido Inquérito; contudo, a decisão não foi acolhida pelo STF;
6- No ano passado, uma revista foi censurada pelo inquérito das “Fakes News” e diversas pessoas sofreram busca e apreensão —, na minha opinião, indevidas, sendo violada a Liberdade de Expressão;
7- Investigados não conseguiram ter acesso ao Inquérito em questão, em afronta à própria Súmula Vinculante 14 do STF, que confere ao advogado do investigado esse direito;
8- Na data de hoje, outras buscas e apreensões igualmente indevidas foram realizadas. No meu entender, tudo seria NULO de pleno Direito.

Augusto Nunes - R 7

As observações da doutora Thamea liquidam o assunto. O resto é conversa fiada.  



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Weintraub fez um Enem infernal - Elio Gaspari


Folha de S. Paulo - O Globo

Em dois dias, governo foi da onipotência à mistificação

O que aconteceu foi inédito: erraram nas notas


É a mesma história, a quitanda abre tarde, sem berinjelas para vender, nem troco para a freguesa. Não bastassem as filas do INSS, o governo conseguiu azucrinar a vida da garotada que fez o exame no Enem e viu-se tungada nas notas. Aos aposentados disseram que fila é “estoque” e atraso é “empoçamento”. Aos estudantes dizem que erro nas notas é “inconsistência” e que o Inep “imediatamente adotou medidas”. A primeira afirmativa é empulhação, a segunda, mentira.

O vestibular sempre foi uma crueldade imposta aos jovens brasileiros.  Em duas manhãs eles são obrigados a jogar um ano de vida, bem como suas expectativas pessoais e de seus familiares. Desde 2009 acontecem desgraças nesse exame. Num ano houve o furto de provas na gráfica, em três outros comprovaram-se vazamentos de questões. O que aconteceu com o exame de 2019 foi coisa inédita: erraram nas notas dadas a estudantes e em dois dias foram da onipotência à mistificação.

Aos fatos:
Vitor Brumano, 19 anos, candidato a uma vaga num curso de Engenharia, viu que sua nota não conferia. Tentou se queixar, mas não havia onde. Ligou para um 0800, e a atendente lhe disse que era isso mesmo. Registrou sua reclamação junto à Ouvidoria do Inep e recebeu a seguinte resposta: “O edital que regulamenta o exame não prevê a possibilidade de recorrer da nota, pois o desempenho do participante na prova objetiva é calculado com base na TRI, a prova do Enem tem 180 questões objetivas. Portanto, a média não é exatamente proporcional à quantidade de acertos porque as perguntas têm grau de dificuldade diferente”. Conversa de educateca.
Vitor criou um grupo no WhatsApp. Começou com sete jovens tungados e em poucos dias teve dois mil comentários.

No sábado, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que “nós encontramos algumas inconsistências na contabilização da segunda prova do Enem. (...) Um grupo muito pequeno de pessoas teve o gabarito trocado. (...) Estamos falando de 0,1%”. Conta outra, doutor, foram pelo menos seis mil jovens, e nenhum deles seria lesado em 0,1% de seu desempenho mas, em muitos casos, em 100%.
Weintraub sabe o que é ralar como estudante. Em 1989 ele estava no primeiro ano de Economia na USP e tomou quatro zeros. Como ministro, explicou-se: “Foi um inferno. Meus pais se separaram, teve o Plano Collor, minha família desmanchou, eu tive depressão e sofri um acidente horroroso que eu tive que colocar um parafuso no braço.” O inferno do jovem Weintraub derivou de circunstância pessoais. O inferno da garotada do Enem de 2019 derivou da incompetência, agravada pela arrogância de seus educatecas. Se jovens como Vitor Brumano não tivessem botado a boca no mundo e se não existisse o tambor das redes sociais, eles seriam jogados num estoque empoçado de estudantes reclamações.

Jair Bolsonaro e Weintraub sempre trataram o Enem como uma questão ideológica. Que seja, mas como diz o seu nome, é um exame. Quem quiser, pode travar uma guerra cultural em torno dos tipos de berinjelas. Afinal, entre outras, há as italianas e as chinesas (comunistas e globalistas). Acima das ideologias, vale a lei do professor Delfim Netto: A quitanda do governo tem que abrir cedo, com berinjelas para vender e troco para a freguesa.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista