Divórcio- A presidente e sua equipe econômica já foram postos contra a parede
Tudo indica
que o governo e o PT caminham para um divórcio, embora a forte relação
amorosa resista a essa separação. As mágoas e as desavenças se acentuam
em ambos os lados, sem que os cônjuges consigam se entender sobre o
caminho a seguir. Ademais, há uma espécie de tertius, um
amante, que namora um e outro, quando, na verdade, ama apenas a si
mesmo. Neste jogo de amantes desencontrados, encontra-se o Brasil que se
torna, ele, o verdadeiro não amado.
O governo dá,
progressivamente, mostras de desavença consigo, sem que consiga escolher
uma via de ação que seja minimamente crível. Primeiro, é incapaz de
reconhecer os seus erros, que conduziram o país a essa situação
calamitosa de PIB negativo, desemprego em alta, inflação de dois
dígitos, juros estratosféricos, real cada vez mais desvalorizado,
orçamento deficitário. A lista seria longa e, ainda assim, não
exaustiva.
Segundo, quando esboça um mínimo de reconhecimento, é
para dizer que todos erram, e as verdadeiras causas são externas,
incapaz que é de reconhecer as suas próprias responsabilidades. Assumir a
sua responsabilidade seria o primeiro passo para uma efetiva mudança de
rumos.
Terceiro, neste primeiro ano do segundo mandato da
presidente Dilma, procurou ela ainda modificar algo, chamando o agora
ex-ministro Levy para assumir a pasta da Fazenda. Condições nem lhe
foram dadas para cumprir a sua missão, sendo obrigado a abandoná-la. Nem
amor foi de tão fugaz.
Quarto, foi então alçado a este ministério
crucial Nelson Barbosa, que foi um dos artífices da então dita “nova
matriz econômica”, que tem tudo de velha, baseada que está no
intervencionismo estatal, na gastança pública e no crédito farto, além
do seu correlato, que é o afrouxamento fiscal generalizado. Logo, como
se pode esperar uma verdadeira mudança, como podem as empresas e os
cidadãos deste país acreditarem em uma transformação necessária?
O
PT, por sua vez, mostrou-se satisfeito com a escolha de um dos seus
para o Ministério da Fazenda, mas imediatamente mostrou que o seu amor
não é incondicional. Frente às primeiras declarações do ministro de que o
país deveria perseguir o ajuste fiscal e fazer a reforma da
Previdência, declarou-se traído, sem mesmo averiguar se se tratava de
uma verdadeira posição ou de uma mera encenação. Ressabiado, deixou
claro que essa relação pode ser efêmera sem se traduzir por um
verdadeiro casamento.
A presidente Dilma, após seu breve
interlúdio com Joaquim Levy, abraçou-se com seu verdadeiro par
estatista, que é o seu novo ministro da Fazenda. Aqui há uma verdadeira
comunhão, que se traduz por ideias e afetos que são mutuamente
compartilhados. O maior temor aqui consiste no ambiente macro desta
relação, que tem como contexto decisivo o processo de impeachment em
curso. Nesta perspectiva, o Brasil é um fator completamente secundário,
que só entra em consideração enquanto coadjuvante longínquo, alguém que
carece de encanto.
Mesmo assim, a presidente e sua equipe
econômica já foram postos contra a parede. Foram logo lembrados de que
as manifestações de rua contrárias ao impeachment foram por eles
lideradas. O fôlego que ganharam é deles tributário. Cobram, agora, o
seu preço. Só manterão a relação se forem satisfeitos em seus pleitos e
exigências. O amor tem seus limites.
As condições do casamento
foram refeitas, ganhando a nova versão de uma “lista de presentes” que
deveria ser entregue. A lista é constituída por um conjunto de
exigências que nada mais faz do que reiterar as condições que levaram o
mesmo governo petista a um divórcio com o Brasil. Embora digam o
contrário, pretendem que esse divórcio seja definitivo; caso contrário,
farão eles mesmos uma nova separação.
Assim, querem a persistência
de gastança pública, crédito farto, interesses corporativos
satisfeitos, benefícios privados, não combate efetivo à corrupção, não
reforma da Previdência, não reforma trabalhista, aumento generalizado de
impostos e assim por diante.
Em um ponto, devemos reconhecer que
têm razão. Querem simplesmente o que lhes foi prometido. E o que lhes
foi prometido tinha ainda a névoa e a (des)graça ideológica de um
encaixe, o de que ambos estariam em uma cruzada dos “pobres contra os
ricos”, da “esquerda contra a direita”. Se não têm nada mais a dizer,
voltam-se para a surrada linguagem socialista, como se uma
bem-aventurança maior lhes fosse prometida. Se esse amor de múltiplas
facetas não lhes for retribuído, ameaçam com o divórcio. Doravante, cada
um seguiria o seu caminho, em busca da sobrevivência ou de novos
amores.
O tertius, Lula, contudo, não os abandona. Está
sempre à espreita procurando o amor de um e outro. Ou melhor, impondo as
condições de seu próprio amor. O seu amor foi, em um determinado
momento, ilimitado. Fez de Dilma a sua criatura, ungindo-a sua
sucessora. Fez do PT um partido de massas, alçando-o ao poder, onde pode
usufruir de todos os tipos de benesses. Agora, porém, esse triângulo
amoroso está a perigo, corroído por suas discórdias internas.
A
questão é tanto mais grave que esses amantes tudo podem perder. Se a
presidente Dilma sobreviver ao impeachment e a uma eventual cassação
pelo Tribunal Superior Eleitoral, poucas são as chances de seu sucesso.
Se as condições econômicas, sociais e políticas persistirem, o país
chegará exaurido em 2018. O divórcio maior será inevitável, o do país
com a presidente Dilma, o PT e o ex-presidente Lula. Dentre eles não
haverá sobreviventes.
A decisão que têm diante de si é crucial.
Uma verdadeira encruzilhada, em uma viagem sem retorno. O encurtamento
do mandato da presidente Dilma, seja via impeachment, seja via cassação
mediante a Justiça Eleitoral, não seria para dois desses amorosos uma má
solução. Certamente traumática, mas mesmo assim necessária. O triângulo
seria desfeito, Lula e o PT manteriam a relação e partiriam para a
busca de um reencontro com o país. O tempo, porém, não lhes é favorável.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - O Globo