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sexta-feira, 14 de maio de 2021

A Lei Fachin por trás do massacre - Revista Oeste

Como as determinações do STF elevaram a deterioração das favelas no Rio de Janeiro 

Silvio Navarro

Há mais de dez dias a morte de 28 pessoas na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, é um dos assuntos mais comentados nas redes sociais do país. Do presidente da República, que defendeu a dura ação policial, aos partidos de esquerda, que ofereceram narrativas para dar guarida aos narcoguerrilheiros, passando pelas manchetes da mídia tradicional esforçada em humanizar o pobre armado com fuzil, todos opinaram — e essa é uma daquelas discussões em que não há meio-termo no cenário político atual. 

Uma questão, contudo, parece ter sido relegada a segundo plano no debate, embora esteja no cerne do caso: mais uma vez, partiu do Supremo Tribunal Federal (STF), do gabinete do ministro Edson Fachin, uma canetada sobre a condução da política de segurança nas favelas do Estado. É aí que, de fato, mora o perigo.

Edição de arte Oeste

De acordo com as apurações preliminares, tudo indica que não se tratou de nenhuma execução em massa morro acima: a polícia tinha seus alvos [alvos comprovados em mandados de prisão expedidos pelo Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público  - 19 mandados não foram cumpridos e a Polícia tem o DEVER e o DIREITO de onde encontrar os 'objetos dos mandados' prendê-los com o uso da força necessária.] — traficantes aliciadores de menores — e cumpriu seu papel. 
Mas por que, então, a operação se degenerou em algo tão tenso e virou vidraça rapidamente no noticiário? 
Para começar a entender essa história, é preciso relembrar um julgamento ocorrido no plenário do STF em agosto do ano passado. No meio da tarde do dia 18, a Corte que hoje delibera sobre qualquer coisa no Brasil determinou que helicópteros da polícia não poderiam mais patrulhar as favelas do Rio durante a pandemia — foram 7 votos contra 3 no plenário virtual.

Conforme o STF, a utilização de helicópteros é permitida em “operações policiais apenas nos casos de observância da estrita necessidade, comprovada por meio da produção, ao término da operação, de relatório circunstanciado”. Mais: são proibidas operações nas imediações de escolas possíveis somente com justificativa prévia —, os corpos de mortos não podem ser recolhidos e os agentes que balearam bandidos serão investigados pelo Ministério Público, e não mais pela Corregedoria da PM.

Segue um trecho autoexplicativo do voto de 97 páginas do ministro Fachin: “Visto sob essa perspectiva, é quase impossível imaginar situações nas quais o uso de helicópteros para tiro, o chamado ‘tiro embarcado’, possa ser autorizado. Afinal, o tiro só pode ser dado para prevenir a ocorrência de dano à vida de outrem; deve ser dado aviso prévio, salvo, por evidente, a impossibilidade de exigir essa atitude; e deve ser dado tempo para que a pessoa que seria atingida possa obedecer à ordem do agente de Estado. É certo que a utilização de helicópteros não se presta a captura, nem deve constituir a primeira opção de uma operação”.

Ou seja, para Fachin, deve ser dado tempo para que “a pessoa que seria atingida” (registre-se: no caso, trata-se de traficantes e seus bandos) possa obedecer à ordem do agente de Estado — para baixar o fuzil e se entregar. “Isso é um absurdo. O policial não precisa esperar o bandido atirar para revidar. O simples fato de esses criminosos estarem portando uma arma de alto calibre na favela já justifica a ação do policial. Por que um cidadão estaria portando um fuzil? Para fazer algo de bom? Ela está lá para matar o policial. Só isso já permite disparar contra ele”, avalia o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública na Câmara, com 25 anos de atuação na Polícia Militar.

“É lamentável essa decisão do Fachin porque o tráfico continua correndo solto e com mais dinheiro”, diz o deputado. “Já não bastasse termos leis extremamente brandas e um Congresso Nacional que faz de tudo para endurecer legislação penal? Essa decisão dificulta ainda mais a ação policial. Chega a desanimar.”

Cenário de guerra
Não seria nem preciso dizer que a maioria dos especialistas em segurança pública avalia que a medida favorece as facções criminosas, cujo comando é propositadamente instalado no topo do morro, cada uma com seus sentinelas fortemente equipados e alertas para responder a qualquer movimentação policial nas entradas das favelas (literalmente) com uma chuva de balas.
Rodrigo Pimentel, ex-integrante do Bope (tropa de elite da polícia do Rio) e inspirador do clássico personagem do cinema Capitão Nascimento, analisou o caso do Jacarezinho. “Havia um inquérito policial, com aliciamento de crianças de 12 a 14 anos que eram seduzidas e armadas pelo tráfico.  
A Constituição diz que é dever do Estado — e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também — zelar pela vida. Era uma situação de excepcionalidade. 
 STF fala da necessidade de acompanhamento do Ministério Público, e ele estava lá. Foi tudo legal. Fiz várias operações naquela área, acompanhei a tentativa de instalação de uma UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] que não deu certo e afirmo que é uma região complexa, com casas com seis ou sete andares, verdadeiros bunkers”, diz.
Pimentel também critica a judicialização das operações policiais: “São pessoas que nunca colocaram o pé lá, que não conhecem a realidade e não sabem que os moradores são vítimas dessas facções. Lamento muito a morte do herói André Frias [policial morto na ação], que sustentava a mãe. Entendo que a quantidade de armas apreendidas, entre pistolas, fuzis e granadas, é compatível com a quantidade de mortos, e é preciso esclarecer que o metrô está atrás do local da entrada dos policiais, ou seja, é impossível que as pessoas alvejadas tenham sido vítimas de disparos de policiais. 
Eram 21 alvos, tinha inteligência policial sim. Quem colocou o fuzil no chão foi conduzido para a delegacia. Havia a opção de sair vivo, mas, neste momento de judicialização, lamento até que a imprensa e alguns artistas falem em chacina. A polícia tinha todos os dados, mas não se combate o tráfico só com informação”.
[a situação no Rio de Janeiro, sob a lei Fachin é algo do tipo: imagine que você,  um cidadão do bem, por estar em área perigosa, anda armado e circula tranquilamente, a pé, por ruas do Rio. Em uma esquina próxima de onde você está, funciona um consulado de um determinado país - são comuns consulados diplomáticos no Rio de Janeiro e  outras cidades brasileiras. 
Dois marginais armados te atacam,  você consegue ser mais rápido, saca sua arma e consegue abatê-los. Em um estudo rápido da situação, logo percebe o consulado, consegue pular um muro de proteção, nele ingressando.
Imediatamente ergue as mãos, entrega sua arma e a partir daquele momento nenhuma autoridade brasileira pode efetuar sua prisão.
 
São iniciadas negociações e por fim  o cônsul decide te entregar aos policiais brasileiros - tudo de acordo com o protocolo diplomático. fato: você ganhou alguns minutos de segurança mas agora está preso em uma DP aguardando providências judiciais.
Calma, estou acabando: vamos imaginar  que você nas mesmas condições circula nas proximidades de uma 'boca de fumo', na entrada de uma favela, é atacado, reage e mata os dois agressores.
Você sendo esperto, não se preocupa com a polícia - que, certamente não está na entrada da favela. Se dirige à 'boca de fumo', conversa com o chefe do tráfico e solicita abrigo (usar o termo 'asilo diplomático'  é pegar pesado).
Autorizado sua permanência pelo chefão, por tempo indeterminado, não é preciso você se preocupar com a polícia - que não vai ingressar na favela para lhe prender, já que você está em favela, área sob domínio do tráfico, e a  polícia conforme decisão do ministro Fachin, só pode entrar em situações excepcionais.]

Num dos mais lúcidos depoimentos sobre o caso de Jacarezinho, o procurador Marcelo Rocha Monteiro, do Rio de Janeiro, afirmou que “ainda vamos descobrir o custo em vidas dessa decisão do STF”. Ele citou nas suas redes sociais que “especialistas” [especialistas em nada - essa corja ganhou muita grana posando de especialistas em covid-19, com entrevistas diárias na TV Funerária e ficaram desmoralizados, já que erravam até quando previam o passado. Agora tentam mudar o foco e passaram a defender bandidos.] da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegaram a enviar um vídeo ao ministro Edson Fachin, supostamente da ação ocorrida na semana passada, que por sua vez exigiu uma investigação dos policiais por “fortes indícios de execução sumária”. Detalhe: as imagens são do ano passado e foram captadas no Rio Grande do Sul durante uma briga entre bandidos rivais que usavam uniformes da polícia.

A pressa que o ministro Fachin tem em mandar investigar os policiais é inversamente proporcional à vontade de que traficantes dessas facções sejam reprimidos. Aí ele não tem pressa”, disse em entrevista à rádio Jovem Pan. “A operação foi antecedida por dez meses de coleta de informações e atividades de inteligência. Depois disso, o que se faz? Manda uma carta ao traficante pedindo que se entregue? A polícia tem que entrar. 

Desde o ano passado, o número de operações diminuiu porque o policial está sob ameaça de ser preso. 

Enquanto isso, o crime organizado se aproveitou para vender mais drogas e o dinheiro arrecadado é investido em armas pesadas para destruir blindados. Montaram ‘casamata’ de alvenaria [construção usada na 2ª Guerra Mundial] para atirar com fuzis contra a polícia. Montaram bloqueios que impedem a entrada de carros e de ambulância”, afirmou.

Juristas, parlamentares e especialistas em segurança pública ouvidos por Oeste — alguns pediram sigilo de fonte por receio de represálias do STF — questionam: será que é papel do Judiciário criar leis sobre segurança pública com o amparo de que estamos em meio a uma pandemia? Com a palavra, o corajoso procurador Rocha Monteiro: “Essa lei não existe; ele [Fachin] aplicou a visão política e ideológica de mundo dele, ainda que ela deveria ficar da porta do gabinete para fora”.

Em linhas gerais, as premissas que balizam o voto de Fachin fazem lembrar uma frase histórica do ex-governador Leonel Brizola (PDT) no início dos anos 1980, que para muitos acadêmicos está na origem desse problema quase insolúvel décadas depois: “No meu governo, a polícia não vai abrir as portas de um barraco com ‘botinaço’. Fará tudo na forma da lei, como em qualquer bairro”. Deu no que deu.

Silvio Navarro - Revista Oeste


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