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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

De mal a pior - Alexandre Garcia

Vozes - Gazeta do Povo

Vandalismo em Brasília     

Protesto Lula Congresso - Manifestação começou pacífica, mas se tornou violenta ao chegar à Esplanada e ao Congresso.| Foto: reprodução/Youtube Didi Red Pill
 
Domingo, 8 de janeiro, é um dia que ainda não terminou. E não parece que vá acabar bem. O que não começa bem em geral não acaba bem
Foi o desbordar de quase 70 dias de emoções contidas, que esquentam cabeças. Em 47 anos de Brasília, vi muitas invasões de prédios públicos, ministérios e Congresso, com fogo e depredações, sempre de esquerda e apelidados de “movimentos sociais”.  
Nunca vi a invasão simultânea das sedes dos três poderes, e pela direita, com depredações. Desatendidos da busca da tutela militar, tomaram a iniciativa como se estivessem realizando um sonho. Talvez tenham acordado quando o estrago já estava feito. 
Assemelharam-se aos extremismos anteriores, com a diferença de que foram chamados de “terroristas”, não de “movimentos sociais”.
 
O ministro Alexandre de Moraes, no despacho que determinou a remoção dos acampamentos, a detenção dos ônibus e o afastamento do governador Ibaneis, comparou a situação com os primórdios da Segunda Guerra, em que Chamberlain cedeu a Hitler em nome da pacificação.
 “A democracia brasileira não irá aceitar mais a ignóbil política de apaziguamento”.  
Foi uma declaração de guerra, como a que já havia anunciado no seu discurso de posse na presidência do TSE. 
A brisa do apaziguamento, que soprava tênue na passagem de governo, com falas contra a revanche e outras bem revanchistas, mais o ânimo de reverter o resultado das eleições, já vinha sendo combustível na fogueira que aquece os ânimos. 
A invasão de domingo foi equivalente à entrada dos alemães na Polônia, pela comparação do ministro Moraes. Parece declarada a guerra, com o mundo brasileiro dividido em duas metades. Ânimos à flor da pele, a ponto de o presidente querer mencionar “nazistas” e pronunciar “stalinistas”, num ato falho. Extremos se assemelham nos métodos.

Veja Também:
 Alexandre de Moraes faz declaração de guerra

Vale tudo para incriminar Bolsonaro

Acirram-se os ânimos dos dois lados, com mais velocidade que em 1930. Aqueles eram tempos de trem, navio, telegrama, jornal impresso. Hoje, o mundo digital torna tudo instantâneo. O que vai ser? Deputados e senadores, o presidente da República, os ministros do Supremo já sabem que não estão seguros em seus prédios. 
Que o povo, seja de que lado for, origem do poder, pode entrar lá e sentar em suas cadeiras. Com um pouco de humildade, que é a mais inteligente das virtudes, podem se convencer de que não são os donos do país nem das pessoas, mas servidores dos brasileiros. 
Defendam a democracia, sobretudo praticando-a, com respeito ao eleitor que os elege e ao contribuinte que os sustenta. E, sobretudo, mantenham olhos e ouvidos bem abertos para entenderem o que seu povo, seus mandantes querem. Liberdade e ordem são essenciais para esse exercício.
 
O domingo mostrou como o controle escapa fácil. Foram feitas 1,2 mil prisões e o auditório da Academia da Polícia Federal foi depositário de presos como foi o Estádio Nacional do Chile, quando Pinochet derrubou Allende. 
O ministro Moraes reagiu tirando o governador de Brasília e enquadrando todo mundo em crimes contra o Estado de Direito, por pedir intervenção das Forças Armadas. Pobre Estado de Direito, já tão combalido pela ausência do devido processo legal e pelo desrespeito a liberdades fundamentais listadas no artigo 5.º da Constituição. 
O domingo, na verdade, começou em março de 2019, quando o presidente do STF Dias Toffoli criou um inquérito que cabe numa ficção de Orwell. Começou mal; será que termina bem?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A beligerância dos sertanejos de toga - Revista Oeste

Augusto Nunes
 

As decisões do STF não são mais ajuizadas que as fantasias dos moradores da vila de Ribeirãozinho 

Seis anos antes que se transformasse no município de Taquaritinga, Ribeirãozinho resolveu mostrar em 1902, com dois monumentos à fantasia, que a gente do lugarejo era ainda pouca, mas muito imaginosa, e pegava em armas sem muita conversa nem discurseiras extensas tanto para mudar o regime em vigor no país como para defender a vila em perigo. No primeiro episódio histórico, Ribeirãozinho aderiu a uma conspiração silenciosa e, no dia aprazado, os chefes da insurreição proclamaram a restauração da monarquia. Ninguém sabia direito qual dos descendentes de dom Pedro II ocuparia o trono, nem o que seria feito dos governantes locais, muito menos se algum revolucionário da vila viraria barão, conde, duque ou visconde, mas todos cumpriram exemplarmente a missão que lhes fora confiada.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 
Luís Roberto Barroso, ministro do STF   - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Enquanto a população festejava na única praça a queda da República ainda na primeira infância, um grupo sobraçando carabinas prendeu o delegado, outro se apropriou da estação da estrada de ferro inaugurada no ano anterior e um terceiro expropriou o telégrafo para comemorar a chegada de informações alvissareiras sobre o andamento da insurreição em outras cidades. Depois de algumas horas, o primeiro telegrama informou que os monarquistas de São Carlos do Pinhal se haviam sublevado. Não chegou mais nenhum. Diante da constatação de que apenas duas cidades estavam dispostas a sepultar a República, os líderes do movimento em Ribeirãozinho voltaram para casa, e ali aguardaram os encarregados de levá-los para a gaiola. A monarquia durou um dia.

Compreensivelmente desolada, Ribeirãozinho baixou o penacho durante alguns meses, até que a lira do delírio foi novamente acionada, no mesmo ano da graça de 1902, pela notícia perturbadora: dezenas de leprosos, como eram então chamados os futuros hansenianos, vinham dos lados de Araraquara em direção à vila, avançando pelos trilhos da estrada de ferro. De novo, os moradores não perderam tempo com reuniões deliberativas, trocas de ideia e outras firulas de pouca valia. 

Enquanto mulheres e crianças se trancavam em casa, os homens rumaram para a estação de trem armados de carabinas, trabucos, garruchas, espingardas, um e outro facão de cortar cana simulando baionetas. De bruços na linha férrea, passaram a noite e a madrugada esperando a aparição do inimigo. Na manhã seguinte, descobriram que a marcha dos leprosos era boato. 
O que faria a numerosa milícia civil se fosse verdade? 
Negociariam uma retirada sem sangue ou repeliriam a ameaça de contágio na base do tiro, porrada e bomba? 
Como já não restavam sobreviventes quando nasci, não pude decifrar o enigma. Mas o ânimo beligerante da tropa improvisada recomenda que se crave a segunda opção. Aquilo tinha tudo para não acabar bem.
 
Não parecem mais ajuizados que aqueles sertanejos de Ribeirãozinho os sete homens e duas mulheres que compõem a bancada majoritária do Supremo Tribunal Federal. 
Pelo que andou dizendo em Lisboa o ministro Dias Toffoli, a monarquia foi oficiosamente ressuscitada no momento em que a Corte anexou ao amplo espaço que já dominava o vasto território do Poder Moderador
Pelas audácias fora da lei que vêm colecionando, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso são os braços do decano Gilmar Mendes, o déspota no trono.  
Os leprosos da hora agrupam as ramificações da grande tribo dos “negacionistas” os que tomaram vacina, os que enxergam também efeitos colaterais perigosos na imunização sem limites, os que dispensam o uso da máscara em conversas no restaurante, os que se recusam a enxergar um genocida no presidente Jair Bolsonaro e, fora o resto, os que se atrevem a criticar integrantes da nobreza de toga. “Mexeu com um, mexeu com todos”, avisou há pouco tempo Luiz Fux.

André Mendonça tem tudo para tornar-se um ótimo juiz: basta fazer o contrário do que fazem os semideuses de picadeiro

Nesta semana, a Constituição foi novamente submetida a selvagens sessões de tortura por gente que existe para preservar-lhe a integridade. Alexandre de Moraes, o Carcereiro Compulsivo, mandou um recado ao procurador-geral da República, Augusto Aras: convém concordar com os castigos impostos ao preso político Roberto Jefferson, ao exilado político Allan dos Santos, ao deputado federal Daniel Silveira e a quem mais lhe aprouver. 
E é bom parar de divergir das sucessivas provocações feitas por Moraes ao chefe do Poder Executivo. 
Por ter sugerido que Jair Bolsonaro fosse poupado de prestar depoimento à Polícia Federal, Aras foi tratado grosseiramente pelo capitão do mato togado. 
O chefe do Ministério Público foi intimado a enviar ao ministro, no prazo de 24 horas, o material que há na procuradoria sobre o inquérito que Moraes abriu a pedido de Omar Aziz — este sim um caso de polícia.
 
Barroso, depois de novas alusões a autoridades genocidas”, decidiu que só entrariam no país portadores do passaporte vacinal. 
Alguém lhe soprou que, aplicada a brasileiros que viajaram para o exterior sem o documento, estaria criada a versão brasileira de um personagem que até agora existiu apenas no cinema: o exilado de aeroporto.  
Ao reescrever o decreto às pressas, acabou endossando quarentenas e testes que rejeitara quando propostos pelo presidente da República. 
A suprema semana terminou com a posse do ministro André Mendonça, que tem tudo para tornar-se um ótimo juiz: basta fazer o contrário do que fazem os semideuses de picadeiroe qualificar publicamente de inconstitucionais as decisões inconstitucionais dos colegas.  
Talvez consiga injetar uma dose de coragem em Nunes Marques, a decepcionante primeira indicação de Bolsonaro.
 
Quando isso vai acabar?, perguntam-se milhões de brasileiros inconformados com a arrogância insolente do que é, em sua essência, um time de funcionários públicos do grupo A muito bem remunerados com o dinheiro dos impostos.  
Se não é fácil saber quando, não parece difícil adivinhar como. [vale a pena ler:  A primeira derrota do Supremo  e/ou Fronteira demarcada.]
Vai acabar no momento em que a Polícia Federal se recusar a prender alguma autoridade alvejada por mais um mandado de prisão proibido pela Constituição.
 

Leia também “Os imoderados no poder”

 Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Embaixador do Brasil boicotou evento que homenageou Marielle em Paris - Época

Rodrigo Castro

Luis Fernando Serra cancelou sua participação em conferência com acadêmicos na França ao descobrir que a prefeita da capital do país informaria sobre a inauguração de um jardim com o nome da vereadora assassinada em 2018 
[Correto o comportamento da Embaixada, que representa o Brasil na França,não tendo sentido se envolver em solenidades que homenageiem brasileiros, ainda que falecidos.]
O embaixador do Brasil na França, Luis Fernando Serra, cancelou sua participação em evento que reuniu acadêmicos em Paris ao descobrir que a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, seria homenageada. Na ocasião, a prefeita da capital francesa, Anne Hidalgo (Partido Socialista), comunicaria sobre a inauguração de um jardim com o nome da parlamentar brasileira.

A informação, dada pelo colunista Jamil Chade, do UOL, e confirmada por ÉPOCA, consta em telegramas enviados pelo diplomata ao Itamaraty, em Brasília. As mensagens integram 17 documentos fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) após requerimento feito pela bancada do PSOL na Câmara. O partido solicitou acesso a comunicações internas referentes a possíveis orientações de comportamento a seus postos no exterior em relação às investigações da morte de Marielle.
Serra informou o ministério, em agosto do ano passado, sobre a ocorrência de um congresso da Associação de Brasilianistas na Europa (ABRE) entre os dias 18 e 21 de setembro. O evento teria a presença de cerca de 540 professores e estudiosos brasileiros residentes no continente europeu e seria realizado em local cedido pela prefeitura.
No telegrama, o embaixador disse que "após a palestra final da conferência, deverá ser dada a palavra à prefeita para 'prestar homenagem à brasileira Marielle Franco'" e que, na ocasião, ela "tornará pública a localização de jardim da capital francesa que receberá oficialmente o nome da vereadora brasileira".

Esses foram os motivos alegados para o boicote ao evento, conforme mostram as mensagens. "Ante o exposto, tomei a iniciativa de cancelar minha participação no referido evento", finalizou. Questionado sobre a participação na inauguração do jardim, o Itamaraty afirmou que a embaixada não foi contatada ou convidada para a cerimônia. De acordo com telegrama enviado pelo diplomata em 26 de setembro, a informação que ele recebera por correspondentes brasileiros foi de que os pais e a filha da vereadora estiveram presentes.

O embaixador já havia se envolvido em outra polêmica ao responder uma carta da senadora francesa Laurence Cohen, que preside o grupo interparlamentar de amizade França-Brasil, na qual ela questionava o governo brasileiro sobre as investigações relativas ao assassinato de Marielle. [essa senadora precisa se mancar e entender que ela tem competência para questionar o governo francês sobre assuntos que envolvam a França - assassinatos no Brasil, independente das vítimas, são assuntos da polícia brasileira.] Serra respondeu que era com "profunda consternação" que observava "que o assassinato de Celso Daniel e o ataque à vida de Bolsonaro não tiveram o mesmo eco na França que o assassinato de Marielle, que foi até objeto de uma mobilização da Assembleia Nacional". Cohen chegou a compartilhar em seu Twitter um trecho da resposta dada pelo embaixador.

O MRE disse que as instruções à Embaixada do Brasil na França em relação ao episódio "foram preparadas com base em informações sobre o andamento das investigações" recebidas pelo ministério, ressaltando "o caráter sigiloso das investigações". Ao ser indagado pela bancada do PSOL acerca de sua avaliação da linguagem "agressiva e pouco protocolar" do diplomata, o ministério afirmou que o "chefe do posto possui prerrogativa de adequar os termos de sua resposta às circunstâncias".

O retorno dado pelo chanceler Ernesto Araújo, em 30 de março, não convenceu os parlamentares do PSOL, que protocolaram novo requerimento alertando que a omissão ou recusa em responder os questionamentos configurava crime de responsabilidade. O primeiro pedido foi feito em fevereiro.

Época - Brasil


domingo, 14 de outubro de 2018

Ele não podia morrer duas vezes

Até que um dia chegou a morte, “a indesejada das gentes”, para o ex-larápio também. Não foi lavrada outra certidão de óbito




Hoje, eles vão e não vêm. Mas antigamente nem iam…
O chefe dos Correios chamou o dotô coroné prefeito para um particular. Os antigos coronéis da República Velha poderiam ser chamados de tudo, menos de burros. E a história se passa numa das quebradas do mundaréu do Brasil naqueles anos.  Em tom respeitoso, mas firme, porque amparado por autoridade maior, disse o responsável pela agência: “Chegou um telegrama urgente. O governo federal pede para abrir um procedimento administrativo”.

“Pra mode de quê, o que o governo quer desta vez?”, perguntou inconformado e ríspido o doutor sem nenhum curso superior, coronel de patente outorgada por ser chefe de valentões de braço armado e ter sido eleito prefeito por voto de cabresto por vezes sem conta.  “O governo quer saber por que o coletor de impostos não coleta nada. Ainda mais agora quando está faltando verba para tudo”.

“Ele coleta, sim. Eu mesmo estou com os impostos em dia”, espantou-se o maioral, já desconfiado de que havia caroço naquele angu.  “Eu sei de muitos outros que estão pagando, mas o coletor não envia ao governo os impostos que arrecada”, replicou com firmeza o diligente funcionário dos Correios.  “Ah, ié”, disse o poderoso chefão. “Vamos lá no cartório que eu vou mandar lavrar a certidão de óbito deste incompetente”.

A Coletoria, que hoje seria a sede da Receita Federal na localidade, ficava num prédio cinza e estava fechada. O chefão bateu forte com a aldrava, a argola fez um barulho danado, os vizinhos estranharam que alguém precisasse ser atendido pelo coletor àquela hora da noite. No prédio vizinho, apareceu à porta uma donzela no frescor dos vinte anos, de camisola e com os cabelos desarrumados. O chefão deu ordem com cortesia: “Não é nada com a senhorita, moça; volte para dentro de casa e continue a fazer o que estava fazendo; se avexe, não, minha filha, todo mundo sabe que a minha filha não é mais mulher-moça e recebe homem que todo mundo conhece”.

Ela obedeceu e o coletor irrompeu à outra porta, já meio desconfiado de que boa coisa não lhe ia acontecer porque o coronel não falava muito baixo, não. Instantes depois estavam os três no Cartório, diante do oficial, já avisado de antemão por recado providencial de que havia trabalho extra. O chefão indicou as duas cadeiras ao chefe dos correios e ao coletor e disse: “Eu fico de pé”.  Ato contínuo, ordenou ao escrivão: “Lavre a certidão de óbito deste aqui”, ordenou, apontando para o indigitado coletor, do contrário vocês estarão todos enrascados e eu também.

O coletor tomou a cor pálida dos pré-defuntos, mas foi consolado pela pesada mão no ombro: “Fique tranquilo, é para seu bem e para o bem de sua família”.  O homem começou a chorar. Ainda com uma das mãos nas costas do outro, o chefão disse quase cochichando: “Não vou te matar, você não vale a bala no quengo nem a faca que te sangre”.

O coletor, mais apavorado ainda, choramingou: “Sempre coletei como o senhor mandou”.
O chefão irritou-se: “Mas era para coletar também para o governo, animal burro! Um pouco, pelo menos, viu? Nada, não. Nada, o governo ia notar, como já notou."

O escrivão não parava de escrever e por fim disse: “Está lavrado o óbito, como o senhor determinou”. O coronel-chefe dos valentões da localidade, prefeito e doutor ordenou ao chefe dos Correios: “Junte esta certidão de óbito e informe a quem mandou abrir o procedimento investigatório que o coletor era ladrão, morreu sem deixar nenhum bem, nenhum herdeiro, de modo que a roubalheira não pode mais ser cobrada. E a gente espera que o processo seja arquivado”.

De fato foi, mas o novo nomeado recebeu orientação de mandar para o governo tudo o que arrecadasse.  Tempos depois, morreu o chefe do Cartório. Desempregado e oficialmente morto, o antigo coletor pediu o emprego. O Coronel era compreensivo e atendeu ao pedido, não sem antes recomendar: “Mas tenha o cuidado de modificar o seu nome acrescentando um sobrenome que não seja de parente seu”.

E assim foi feito. E, passado mais um tempo, morreu o poderoso coronel, prefeito e doutor. Passaram-se outros tantos anos e o chefe do Cartório, já velho, divertia-se mostrando a página do livro onde estava assentado o seu óbito, muitas e muitas páginas antes do registro da morte do dotô coroné prefeito.  Até que um dia chegou a morte, “a indesejada das gentes”, para o ex-larápio também. Não foi lavrada outra certidão de óbito.
Ele não podia morrer duas vezes. E, se alguém mexesse naquela inconveniência, muitos órfãos perderiam a pensão.

Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra