Quase sem esperança de voltar a viver sem medo, a servidora pública
Fernanda Barbieri hoje se sente refém da morosidade da Justiça em punir o
ex-marido, um promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná. As
agressões físicas, verbais, patrimoniais e até sexual começaram há seis
anos.
Desde então, a medida protetiva que a justiça lhe concedeu já foi
descumprida 101 vezes por parte do ex-companheiro.
Fernanda também se vê
silenciada pelo sigilo do processo, mas resolve quebrá-lo como única
forma de fazer com que alguém a ouça.
Ela adotou de vez o home office porque não pode sequer sair de casa. A
mulher detalhou à Justiça uma série de violências que sofreu desde 2017.
Fernanda conta que, em momentos de descontrole, Bruno Vagaes, que já
atuou na área de violência doméstica, ameaçava lhe dar socos, jogou água
quente nela e repetia que “poderia acordar e não ver mais a filha”.
Segundo laudos médicos judiciais, o acusado tem transtorno bipolar e
sofre de alcoolismo. Procurado através de seu advogado, Marcos
Ticianelli, Bruno não quis se pronunciar. — Os ataques começaram em 2017 quando a nossa filha nasceu. Demorei
para denunciar porque achava que ele ia mudar. Mas a situação foi se
tornando mais grave, ele bebia e colocava a vida da minha filha em
risco, e eu comecei nessa missão de denunciar as violências. Hoje eu
vivo vendo atualizações do processo, esperando Justiça. Não tenho mais
vida social, não posso ir trabalhar, nem ficar na minha própria casa em
Londrina porque ele alugou um apartamento perto — relata ela.
A importunação sexual foi em 19 de outubro de 2019.
Bruno foi condenado
a três anos e seis meses de reclusão por ter tocado partes íntimas de
Fernanda enquanto ela dirigia.
O abuso aconteceu na frente da filha, na
época com dois anos, e de um amigo dele que estava no carro.
Com medo de um fim trágico, Fernanda foi à polícia e, no fim daquele
ano, pediu medida protetiva para afastar o ex-marido do lar e mantê-lo a
200 metros ao menos dela e de seus familiares. Mas uma quebra de sigilo
no próprio telefone da vítima e de seus parentes revelou que Bruno
tinha mandado pelo menos 49 mensagens, algumas delas com insultos.
No ano seguinte, novos avanços de sinais aconteceram, de acordo com a
mulher, inclusive com ameaças. Em uma das mensagens, conta, Bruno
afirmou que a faria sofrer na “modalidade sangria” no processo de guarda
da filha e de divórcio, que até hoje não foi concluído.
— Chegou a me oferecer R$ 30 mil para que eu retirasse a denúncia. Ele
me levou até Curitiba para mudar o depoimento, dizendo que senão eu
sofreria um processo desgastante. Retirei a queixa e depois fiz outro
pedido de medida protetiva, até que ele foi condenado — relata a vítima,
acrescentando que o ex-companheiro continua solto.
Prisão revogada Bruno não foi afastado de suas funções na Promotoria de Justiça em Ibiporã, no Paraná. Ele recebeu duas advertências institucionais. Em julho de 2020,
o promotor teve a prisão preventiva decretada pelo crime de importunação sexual, e a
pena foi elevada para quatro anos devido aos descumprimentos de medidas. A defesa dele pediu prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, e foi atendida.
No período, Bruno teve direito a 30 dias de férias.
Em setembro de 2020, o MP pediu a revogação da prisão, mesmo
descrevendo Bruno como “rebelde” e “indisciplinado”. A decisão partiu do
argumento de que o acusado percebeu “quão censurável tem sido seu
comportamento em relação à ex-mulher”.
A prisão, segundo o MPPR, seria restabelecida em caso de fatos novos.
Ao todo, Fernanda alega que outras 52 violações foram cometidas, das
quais duas são investigadas. Procurado, o MPPR disse que não responderia
à denúncia devido ao “sigilo”, mas garantiu que acompanha o caso por
intermédio da Subprocuradoria- Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos.
Em nota, o escritório Alves e Faria Advocacia, que representa a vítima,
disse que “o agressor é Promotor de Justiça e a reprovabilidade dos
fatos demanda o rigor das instituições”.
Brasil - O Globo