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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Gritos no tribunal: Atestado médico não justifica abuso de autoridade - O Globo

Aos berros, a juíza exige ser chamada de excelência. A testemunha parece não entender a bronca, mas pede desculpas. Exaltada, a doutora continua o espetáculo de grosseria. Num rompante final, chama o homem de “bocudo” e o expulsa da audiência.

A autora do piti é Kismara Brustolin, juíza substituta da Vara do Trabalho de Xanxerê. Depois que a cena correu o país, o TRT de Santa Catarina comunicou a abertura de um “procedimento apuratório”.

De acordo com o tribunal, a juíza é diagnosticada com transtorno bipolar e tira “atestados frequentes” desde 2014. “Foram cerca de três atestados de 30 dias por ano, durante oito anos”, informou o TRT.

A Corte acrescentou que a magistrada ficará afastada provisoriamente das audiências,sem prejuízo do proferimento de sentenças e despachos que estejam pendentes”.  
É difícil aceitar que a mesma magistrada esteja inapta para ouvir os cidadãos e apta para tomar decisões que afetem suas vidas.

Saúde mental é coisa séria, mas não pode justificar humilhação e abuso de autoridade. A juíza causou constrangimento ilegal à testemunha e ao advogado, que nada tinham a ver com os problemas dela. “A atitude que vimos não pode acontecer”, protestou a presidente da OAB em Santa Catarina. Ao que tudo indica, já havia acontecido outras vezes antes de viralizar nas redes sociais.

Na quarta-feira, o Conselho Nacional de Justiça instaurou uma reclamação disciplinar sobre a conduta da juíza. Na decisão, o ministro Luis Felipe Salomão lembrou que é dever dos magistrados tratar “com urbanidade” partes, advogados e servidores.
O corregedor deu 15 dias para Brustolin apresentar sua defesa. 
Ela se antecipou a um provável afastamento e pediu mais uma licença médica.

Se a questão de saúde é grave, custa entender como o TRT permitiu que a juíza acumulasse tantas licenças ao longo de oito anos sem ser aposentada por invalidez. Com a gravação das audiências em vídeo, ficou mais fácil comprovar a prática de abusos nos tribunais. Isso não significa que o fenômeno seja novo. O despotismo judicial não surgiu agora — e não se manifesta apenas em Xanxerê.

Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo


domingo, 11 de junho de 2023

Promotor do Paraná descumpre 101 vezes medida protetiva concedida à ex-mulher: 'Não tenho mais vida social', diz ela - O Globo

Pâmela Dias

Quase sem esperança de voltar a viver sem medo, a servidora pública Fernanda Barbieri hoje se sente refém da morosidade da Justiça em punir o ex-marido, um promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná. As agressões físicas, verbais, patrimoniais e até sexual começaram há seis anos. 
 Desde então, a medida protetiva que a justiça lhe concedeu já foi descumprida 101 vezes por parte do ex-companheiro.  
Fernanda também se vê silenciada pelo sigilo do processo, mas resolve quebrá-lo como única forma de fazer com que alguém a ouça.

Ela adotou de vez o home office porque não pode sequer sair de casa. A mulher detalhou à Justiça uma série de violências que sofreu desde 2017. Fernanda conta que, em momentos de descontrole, Bruno Vagaes, que já atuou na área de violência doméstica, ameaçava lhe dar socos, jogou água quente nela e repetia que “poderia acordar e não ver mais a filha”.

Segundo laudos médicos judiciais, o acusado tem transtorno bipolar e sofre de alcoolismo. Procurado através de seu advogado, Marcos Ticianelli, Bruno não quis se pronunciar. — Os ataques começaram em 2017 quando a nossa filha nasceu. Demorei para denunciar porque achava que ele ia mudar. Mas a situação foi se tornando mais grave, ele bebia e colocava a vida da minha filha em risco, e eu comecei nessa missão de denunciar as violências. Hoje eu vivo vendo atualizações do processo, esperando Justiça. Não tenho mais vida social, não posso ir trabalhar, nem ficar na minha própria casa em Londrina porque ele alugou um apartamento perto — relata ela.

A importunação sexual foi em 19 de outubro de 2019. 
 Bruno foi condenado a três anos e seis meses de reclusão por ter tocado partes íntimas de Fernanda enquanto ela dirigia. 
O abuso aconteceu na frente da filha, na época com dois anos, e de um amigo dele que estava no carro.

Com medo de um fim trágico, Fernanda foi à polícia e, no fim daquele ano, pediu medida protetiva para afastar o ex-marido do lar e mantê-lo a 200 metros ao menos dela e de seus familiares. Mas uma quebra de sigilo no próprio telefone da vítima e de seus parentes revelou que Bruno tinha mandado pelo menos 49 mensagens, algumas delas com insultos.

No ano seguinte, novos avanços de sinais aconteceram, de acordo com a mulher, inclusive com ameaças. Em uma das mensagens, conta, Bruno afirmou que a faria sofrer na “modalidade sangria” no processo de guarda da filha e de divórcio, que até hoje não foi concluído.

— Chegou a me oferecer R$ 30 mil para que eu retirasse a denúncia. Ele me levou até Curitiba para mudar o depoimento, dizendo que senão eu sofreria um processo desgastante. Retirei a queixa e depois fiz outro pedido de medida protetiva, até que ele foi condenado — relata a vítima, acrescentando que o ex-companheiro continua solto.

Prisão revogada
Bruno não foi afastado de suas funções na Promotoria de Justiça em Ibiporã, no Paraná. Ele recebeu duas advertências institucionais. Em julho de 2020, o promotor teve a prisão preventiva decretada pelo crime de importunação sexual, e a pena foi elevada para quatro anos devido aos descumprimentos de medidas. 
A defesa dele pediu prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, e foi atendida. 
No período, Bruno teve direito a 30 dias de férias.

Em setembro de 2020, o MP pediu a revogação da prisão, mesmo descrevendo Bruno como “rebelde” e “indisciplinado”. A decisão partiu do argumento de que o acusado percebeu “quão censurável tem sido seu comportamento em relação à ex-mulher”.

A prisão, segundo o MPPR, seria restabelecida em caso de fatos novos. Ao todo, Fernanda alega que outras 52 violações foram cometidas, das quais duas são investigadas. Procurado, o MPPR disse que não responderia à denúncia devido ao “sigilo”, mas garantiu que acompanha o caso por intermédio da Subprocuradoria- Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos. Em nota, o escritório Alves e Faria Advocacia, que representa a vítima, disse que o agressor é Promotor de Justiça e a reprovabilidade dos fatos demanda o rigor das instituições”.

Brasil - O Globo