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sábado, 3 de setembro de 2022

Segundo turno é uma nova eleição? E o papel da mobilização - Alon Feuerwerker

Análise Política

Os levantamentos mais recentes aumentaram a expectativa de a eleição presidencial deste ano ser decidida em dois turnos. O desfecho da trama depende, em última instância, de as terceiras vias, nas versões mais ou menos centristas, conseguirem reter os votos diante da pressão que virá (já está vindo) da esquerda. [a esquerda a cada nova notícia se dana toda; Bolsonaro leva no primeiro turno, com as bênçãos de DEUS.]

Numa conversa esta semana veio do interlocutor a dúvida sobre se o segundo turno é sempre "uma nova eleição”. Tecnicamente sim, pois o eleitor tem de ir novamente à seção eleitoral, digitar o número do candidato e apertar “confirma”. Mas, a dúvida não é essa: é se a corrida recomeça do zero, ou quase. Em geral não.

A esta altura, o pensamento do eleitor atento à corrida presidencial já está percorrendo dois circuitos: sua escolha no primeiro turno e em quem votará caso o segundo turno seja disputado entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Na mente desse eleitor, os dois turnos já correm em paralelo.

Segundos turnos são tanto mais “uma nova eleição" quanto menos previstos. Se Simone Tebet conseguir a dupla façanha de ultrapassar Ciro Gomes e um dos dois líderes, e se a decisão ficar para 30 de outubro, o segundo turno será mesmo, em boa medida, uma nova eleição.[Mulheres! não esqueçam que a feminista Simone considera que as mulheres são ideais para arrumar uma casa. No Brasil a expressão é muito usada quando se quer dizer que uma casa está precisando de uma limpeza geral. = faxina. Será complicado o empoderamento das mulheres com uma 'líder' pensando assim.]

Mas, quando acontece o mais provável, quando o previsto prevalece, cenários de segundo turno são estruturados essencialmente no primeiro. São uma continuidade do primeiro. Em particular, costumam ser uma extensão da reta final do primeiro. Um exemplo cristalino aconteceu em 2018.

Os levantamentos na quinzena final do primeiro turno apontavam para um equilíbrio entre Bolsonaro e Fernando Haddad no possível segundo turno. Mas o arranque do capitão na reta final do primeiro turno fez, até por uma certa inércia, ele abrir o segundo turno exibindo larga vantagem sobre o petista.

Até hoje esse contraste entre o que diziam as pesquisas antes do primeiro turno e o que elas mostraram depois é explorado pelos apoiadores do presidente como uma evidência de as pesquisas terem errado. Não erraram, mudou foi o estado de espírito de parte do eleitorado que antes se mostrava algo indiferente ou distante. A campanha de Bolsonaro espera fazer do 7 de setembro uma alavanca para o arranque rumo ao 2 de outubro. A ideia faz sentido, pois o capitão precisa ou ultrapassar ou chegar o mais próximo possível de Lula, neste caso para minimizar o risco decorrente dos apelos da esquerda pelo voto útil.

Claro que há uma variável complicadora: uma forte mobilização bolsonarista acelerar a convergência do antibolsonarismo em torno do candidato do PT. Aconteceu com sinal trocado em 2018: a espetacular demonstração de força do #elenao desencadeou uma ainda mais expressiva reação conservadora.

Mas quem entra em campo tem de jogar. Ficar parado não costuma ser inteligente. Menos ainda para quem está correndo atrás. Já Lula está jogando parado por enquanto, mas sua diferença real para o presidente, entre cinco e dez pontos percentuais, talvez tampouco recomende ficar estacionado na zona de conforto. 

Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político. 

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Tudo dando certo - William Waack

O Estado de S. Paulo

Cenário internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal

A julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo), começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao do início de 2000.

O Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal “nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a comprar muito mais TVs de tela plana.

Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.

A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.

A situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois meses.

Com isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam, por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).

É possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça de Jair Bolsonaro, sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo está dando certo.

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Em defesa da democracia - Merval Pereira

O Globo
Quem identificou a origem dos ataques foi o decano do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Celso de Mello, quando falou, a propósito da censura de uma revista em quadrinhos para adolescentes, que a inspiração para atos obscurantistas “resulta das trevas que dominam o poder do Estado”.  A partir dessa constatação, têm-se diante das instituições do Estado brasileiro a tarefa de enfrentar um Executivo que não aceita limites.


O Legislativo, se cumpre com galhardia a missão de enfrentar as reformas necessárias, sendo o protagonista da mudança do Estado, não deveria se sentir liberado para legislar em causa própria. O STF, que, no momento conturbado que o país vive tem o papel de poder moderador [Moderador???? que além de não moderar nada, invade sem cerimônia as atribuições dos poderes Executivo e Legislativo - quando um dos ministros entender que uma lei não está adequada, simplesmente a reescreve ou interpreta de forma diversa.

os exemplo são tantos que torna desnecessário apresentar um ou dois.?] entre Legislativo e Executivo, e é buscado como solucionador de questões políticas e sociais, não pode comprometer seu legado democrático a pretexto de se defender de ataques.

O pacto anunciado pelos presidentes dos Poderes da República, nascido para, segundo revelou o ministro Dias Toffoli, desmontar um incipiente movimento contra o presidente Bolsonaro no início do governo, não pode se revelar apenas instrumento de um acórdão político.   É importante impedir a percepção de que os Poderes estão se auxiliando mutuamente, em busca de um modelo de governo que deixe seus integrantes numa zona de conforto. Por isso é necessário que o STF retome seu papel de guardião da democracia.

Sem citar nomes, mas voltando a pontuar sua indignação, o decano Celso de Mello fez defesa enfática do papel do Ministério Público, que “não serve a governos, a pessoas, não se subordina a partidos políticos e não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem”. Uma clara mensagem sobre a tentativa de aparelhamento do Ministério Público com a escolha do subprocurador Augusto Aras para Procurador-Geral da República. Aras vem tocando em pontos que soam como música a grande parte dos parlamentares: a Lava-Jato se excedeu, não pode estar sujeita ao personalismo. [leia aqui e saiba mais sobre a posição do futuro chege da PGR, Augusto Aras.]
Tendo sido identificado como o candidato que mais se enquadrou no perfil desejado pelo presidente, um Procurador-Geral que seja flexível na questão ambiental, ajudando o Brasil sem atrapalhar obras de infra-estrutura, e se identifique com os valores morais defendidos pelo Governo, Augusto Aras assume com a percepção de que será um Procurador-Geral dócil ao Executivo.

A tal ponto esse sentimento está disseminado que o próprio Aras se sentiu na necessidade de comentar com políticos que avisou a Bolsonaro que ele não poderá se intrometer a toda hora.  Foi a advertência do decano do STF: “O Ministério Público não deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja, ou instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias, quaisquer que elas sejam, sob pena de o Ministério Público se mostrar infiel a uma de suas mais expressivas funções, que é, segundo o que diz a própria Constituição Federal, a de defender a plenitude do regime democrático”.

A defesa da democracia também foi o tom da despedida de Raquel Dodge. Ela pediu aos ministros do Supremo, às instituições da República e à sociedade civil que “permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal”. Dodge citou o sistema de freios e contrapesos “(...) para proteger o direito e a segurança para todos, para defender minorias”, que depende da atuação do Ministério Público. [inaceitável é que a pretexto de defender 'direitos' das minorias, se institua a ditadura das minorias.] Os retrocessos democráticos que estão ocorrendo em diversos níveis do governo brasileiro são preocupantes, na medida em que se avança sobre as liberdades civis, conspira-se contra o combate à corrupção, aparelha-se à direita o que antes era aparelhado à esquerda.


Merval Pereira, jornalista - O Globo