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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Carnaval do trá-trá-trá



Nesse triplex tem elevador/Dona Marisa foi quem decorou/Se Lula não quer morar, eu vou
Pode ser nossa última chance de brincar para valer ou de comer frango, que aumentou 36% em um ano e forçou o brasileiro a comprar só coxinha (sem trocadilho) e asinha. Por que, então, essa gente mal-humorada critica o Carnaval como se fosse o ópio do povo? E se for? Deixa o pessoal rir da maior queda na produção industrial em 13 anos. Puxa vida. Esta semana a gente esquece os “pobremas” e lava a jato para baixo da consciência todas as preocupações.  

Vamos cantar a marchinha de um bloco de Olinda: Nesse triplex tem elevador/Dona Marisa foi quem decorou/A OAS também reformou/Se Lula não quer morar, eu vou (ô revisão, por favor não coloque acento em “triplex”, me dá um descanso, porque ninguém fala nem canta com acento no “i”, isso é palavra oxítona em prosa e verso). Vamos rir com o carro alegórico de uma escola de samba de Vitória, que mostrou Lula, Dilma e Cunha presos. O troféu mais cobiçado deste Carnaval serão as algemas de ouro. As tornozeleiras esgotaram.

Não deixe o samba morrer./Não deixe o samba acabar. Só nostálgicos têm saudade de quando a voz de Alcione nesse sambão era o “hit” do verão momesco, em vez dessa porcaria de estribilho trá-trá-trá, do “Paredão metralhadora”, com a Banda Vingadora, que saiu de Itabuna, na Bahia, para o mundo. Um fenômeno parecido com o da zika, produto de exportação que leva ao Primeiro Mundo a marca do Brasil e de sua absurda negligência com a vida.

O sucesso do trá-trá-trá tem tudo a ver com os novos tempos. “Tudo haver” – como se escreve nas redes sociais. Além de cair a produção industrial, cai de forma alarmante o nível do idioma e da música. Cai tudo, menos a inflação e o desemprego. Mas, gente, vamos esquecer tudo isso, caramba. Ô colunista, que tal sair nos blocos e cair na folia? Com pouca fantasia, claro, para entrar no clima de 2016. Este é o Carnaval dos acessórios. Ninguém tem dinheiro para comprar fantasia inteira. Igual ao frango, vamos nos contentar com partes.

Mas tem um Estado que se rebelou contra as festas: Sergipe! O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Clóvis Barbosa, em pleno recesso, acatou a solicitação do procurador Eduardo Côrtes, do Ministério Público de Contas, e proibiu 53 municípios de festejar o Carnaval enquanto não pagarem aos professores, com salários atrasados desde outubro do ano passado.

Por que essa preocupação com os professores num país que desmoralizou a honestidade e o lema Pátria Educadora? Num país onde o mau exemplo vem de cima e cria máfias da merenda escolar. Num país em que a presidente Dilma Rousseff, em seu mais importante pronunciamento para o Congresso, não menciona a palavra Educação em nenhum momento.

Dilma pede “pacto” fazendo um coraçãozinho com as mãos. Pacto implica sacrifícios de ambos os lados. Implica confessar que mentiu tanto que poderia ser enquadrada em crime de “falsidade ideológica”, pior que o do branco que se passou por negro para entrar na universidade por sistema de cotas. Pior porque levou a população à beira do abismo.
“Apesar da alegada crise”, disse o procurador Côrtes, de Sergipe, “diversos municípios continuam a realizar festividades e despesas com publicidade desnecessárias, gastos não essenciais se comparados às obrigações com a educação”. E o município que desobedecer e programar festejos e propagandas terá de pagar multa de R$ 60 mil “por ocorrência”. Que desplante falar em educação em férias de 40 graus. Ou será que Sergipe é uma inspiração para o país anestesiado pela crise? Menos festa e mais trabalho.

O Tribunal de Contas sergipano deve ter lido a reportagem da revista britânica The Economist, intitulada “Festejando à beira do precipício”, dizendo que, depois do Carnaval, ninguém vai conseguir relaxar no Brasil – nem Dilma nem os congressistas. Isso é muito sério, seria inédito, porque a presidente parece sempre calma e otimista, vivendo do dinheiro público e alheio. “Quando os políticos retornarem aos trabalhos”, diz a revista, “podem se arrepender do tempo que passaram sem tentar resolver os problemas”. Zika, Saúde em frangalhos, desemprego, alta desabalada dos alimentos, crise econômica e política.

Assim me disse um apavorado dono de marcenaria, prestes a demitir e a falir: “Está pior que nos tempos do Collor. Porque a crise, desta vez, pegou todo mundo muito endividado. Mandaram o povão consumir, consumir, consumir, abriram o crédito, prometeram mundos e fundos, criaram um país de fantasia, um paraíso, e agora os altos juros pegaram as famílias de classe média, que não têm como saldar as dívidas. É uma reação em cadeia na economia. Um derruba o outro. Não sei para onde a gente vai”.

Ora, a gente vai para a avenida.

Fonte: Ruth de Aquino – Época


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