O
senador tucano defende que a oposição colabore para combater a crise – desde que o PT assuma o
desgaste de aprovar medidas difíceis
Ao
completar 30 anos de vida pública, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) diz nunca ter visto o país numa encruzilhada semelhante à que se
encontra. Ele acha que o
governo não conta com o apoio integral nem do PT. Que a Lava Jato
escancarou a contaminação sistêmica do poder público pela corrupção. E que há ainda um fato inédito na história
do Senado: a prisão de um membro da Casa em exercício, o petista Delcídio
do Amaral, solto na semana passada depois de três meses detido. Jereissati
defende uma oposição propositiva, não incendiária, e faz autocrítica: “No primeiro ano, a oposição foi muito pouco
vocacionada para qualquer discussão construtiva”, diz nesta entrevista a
ÉPOCA. “Em 2016, todas as propostas
propositivas estão vindo da oposição.” O senador afirma que a parte difícil
é atrair o PT. “O PT entregou o governo”, diz. “Só faz demagogia
para manter as bases.”
ÉPOCA – A prisão do marqueteiro João
Santana pode levar o governo a uma situação-limite?
Tasso
Jereissati – Venho
de uma geração que pegou a ditadura no auge. Para mim, a democracia e a defesa das instituições
são sagradas. Ninguém das pessoas com quem convivo admite quebra de
instituição. Por outro lado, há uma presidente que
entra em seu segundo ano de mandato num governo que não tem saída nem
perspectiva. A prisão do João Santana agrava o cenário. Antes, um desfecho desfavorável para a presidente
Dilma no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) era remoto. Com a descoberta de pagamentos ilícitos feitos durante a
campanha, ao que tudo indica se torna provável. E tudo isso se soma à ingovernabilidade. As suspeitas sobre
João Santana, baseadas em provas fartas, são de desvio de dinheiro público para
campanha eleitoral. Ou seja, o próprio marqueteiro passa a fazer parte do
esquema de corrupção. É diferente do caso de Duda Mendonça durante o mensalão,
que era o receptor do dinheiro. João
Santana deixou de ser marqueteiro para ser o elo de corrupção, não um acessório.
"O PT entregou o governo e agora faz demagogia
para tentar manter suas bases sociais”"
Tasso Jereissati
ÉPOCA – A defesa de João Santana fala
em caixa dois. Há esperança de que isso acabe com a nova legislação sobre
financiamento de campanha?
Jereissati
– Tudo o
que está acontecendo se deve a gastos absurdos que ocorreram nas últimas
campanhas. Eles só se justificam se forem em troca de algo ou de dinheiro
desviado de ente público. Mas o financiamento privado, se feito corretamente, é
saudável e necessário. É hipócrita achar que seu fim vai enterrar a corrupção. É muito difícil fazer campanha sem nenhum tipo de doação
privada. É preciso pagar produção, diretores, publicitários. Eu havia
proposto um sistema em que se pudesse aceitar doação de empresa com um limite. Escandaloso é uma empresa sozinha doar R$ 100 milhões ou R$
200 milhões aos dois lados. Isso significa que quer se aproveitar do
governo que ganhar. O correto seria estabelecer o limite por empresa,
independentemente de seu tamanho, para inibir que uma empresa enorme possa ser
praticamente dona da campanha de um candidato.
ÉPOCA – O que o senhor acha do
comportamento da oposição diante das crises política e econômica?
Jereissati
– Estamos
no início do segundo ano de mandato. No primeiro ano, a oposição foi
extremamente opositora, muito pouco vocacionada para qualquer discussão
construtiva. Contrariou, inclusive, sua própria agenda histórica. Mas, no
momento em que a oposição percebeu que a situação é gravíssima e que não há luz
no fim do túnel, isso mudou. Em 2016,
todas as propostas propositivas estão vindo da oposição. Há o projeto que
desobriga a participação da Petrobras no pré-sal, o projeto de mudança no
controle das estatais, do qual sou relator, o projeto do senador Aécio Neves
sobre mais governança nos fundos. Se vier uma proposta
sobre a reforma da Previdência, os senadores do PSDB estarão dispostos a
discutir. Mas precisa vir com o apoio do PT, da base.
Não dá para jogar para a oposição todo o ônus da impopularidade dessa medida.
É
impressionante que, mesmo diante de tudo o que está acontecendo com as
estatais, não haja um alinhamento dos partidos para que elas se tornem empresas
com governança e transparência. O que estamos propondo é que tenham uma
administração semelhante à das multinacionais, sem indicações em cargos
executivos. E que os conselheiros sejam capacitados, em vez de políticos. A Refinaria de Pasadena é um caso
emblemático. A própria presidente Dilma, que
presidia o Conselho, deixou passar a
compra de uma refinaria inútil.
ÉPOCA – Como a oposição se prepara para
um possível impeachment de Dilma?
Jereissati
– O sentimento é de preocupação extrema. A discussão sobre o
impeachment esfriou, e ninguém quer isso. Nosso papel está focado no
hoje. Agora só podemos investir em uma agenda propositiva para o país. Se o
governo pegar carona, poderemos implantar medidas para tirar essa perspectiva
horrorosa. Um exemplo: aguardamos
uma proposta mínima de simplificação tributária, e isso tem de vir do governo.
Mas não veio nada. Quando o semestre terminar, as campanhas eleitorais
começarão, e não haverá possibilidade de grandes votações. Queremos negociar,
não porque somos generosos ou bonzinhos. Mas
sim porque estamos vendo uma catástrofe anunciada. O
governo não é capaz de reagir, e o PT não percebe o tamanho do problema.
ÉPOCA – O PT desembarcou do governo
Dilma?
Jereissati
– Sem dúvida. O PT
entregou o governo e agora faz demagogia para tentar manter as bases sociais:
sindicalistas, aposentados, algumas classes de
servidores. O que discutimos no Senado nos últimos dias é um exemplo
desse descolamento. O projeto que muda a participação da Petrobras no pré-sal é
um presente para o governo num momento em que a empresa é incapaz de fazer
investimentos. Tratamos aqui de estimular a participação estrangeira para
aumentar a arrecadação com royalties e ajudar Estados e municípios. O PT deveria discutir com seriedade isso.
Mas discursa contra só para agradar a sindicatos de petroleiros. O PT está
preocupado em falar para a sua base. Não está
preocupado com o país ou com o governo.
Perdeu
completamente o bom-senso. O partido parece não ter noção da gravidade da
situação. Tivemos
uma reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para discutir a agenda do ano. A do PT trata de mutirão Maria da Penha e serviço militar para
mulheres. Não tem nada de crise fiscal, reformas necessárias... Estamos
caminhando para uma catástrofe, e o PT não está disposto a embarcar em uma
solução capaz de evitar isso. A agência de classificação de risco Moody’s
cortou a nota do Brasil em dois degraus, e isso mal vira notícia, porque já é
lugar-comum. Vamos ter 11 milhões de desempregados até
o final do ano, grandes empresas vão quebrar e haverá desindustrialização.
A situação é séria. E a falta de responsabilidade do PT pelo fato de ser
governo é algo inédito na história recente.
ÉPOCA – O Senado já viveu dias tão
duros?
Jereissati
– Houve muitas situações complicadas no
espectro político: o processo de cassação do Renan em 2007, apesar de ele
ter renunciado antes; o Luiz Estevão; o José Roberto Arruda; o Antonio Carlos
Magalhães com a questão de violação do painel; e o Demóstenes Torres com o
escândalo do Carlinhos Cachoeira... Mas eram situações isoladas. Agora não há
comparação. É a soma do escândalo
sistêmico com a crise econômica e moral.
ÉPOCA – O senador Delcídio do Amaral
pode entrar para esse rol?
Jereissati
– Eu, particularmente, não acredito na cassação. Mas o
senador Delcídio deve se explicar. Ele deve discursar no Senado e
explicar o que aconteceu, quando voltar de sua licença. Ele é um político hábil
e muito cordial. Tem um relacionamento muito bom com os outros senadores. A
gravação que ele fez o deixou em uma situação quase indefensável. E o Senado vive este dilema: um senador querido por todos que fez muito pelo governo – pois, se não fosse ele, muitos problemas
teriam ocorrido –, mas, ao mesmo tempo, que falou
coisas indefensáveis. Não vai ser fácil. Tudo dependerá da defesa e da
explicação que ele der.
ÉPOCA – O que de pior ainda pode
acontecer no Brasil?
Jereissati
– A crise econômica é algo que assusta, principalmente pelo
fato de não haver reação do governo. Se nada for feito, teremos uma dívida de 80% do Produto Interno Bruto (PIB)
em 2018. Se chegar a 80%, começa-se a aventar a
possibilidade de calote. Isso é o fim. Se o mercado internacional
começar a desconfiar de calote, acabou. E isso pode acontecer se o mercado se
convencer de que o governo não fará nada para desviar-se desse caminho. Mesmo se o governo tiver a iniciativa,
ainda há o PT que joga contra. Isso espanta o investidor. Ninguém vem ao
Brasil com dívida de 80%. Ninguém compra,
não tem crédito, não tem emprego.
Fonte: Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário