Faltou uma palavra no discurso de posse presuntiva do vice-presidente, mas ela está na boca de todos; qual é?
Corrupção.
Faltou não só a palavra, faltou qualquer referência ao tema. Pode ter sido
esquecimento, o que não é pouca coisa, pois nesse caso Michel Temer seria o
único brasileiro capaz de falar durante 14 minutos sobre a crise política,
pedindo um governo de “salvação nacional”, sem qualquer referência às
iniciativas que feriram a oligarquia política e econômica brasileira.
Uma coisa
é o destino da doutora Dilma. Bem outra são a Lava-Jato e suas subsidiárias que
estão encurralando oligarcas. É insultuoso supor que uma pessoa queira
defenestrar a doutora e o PT para travar a Lava-Jato, mas quem quer freá-la
pode achar que uma troca é boa ideia. É necessário reconhecer que a cena do
deputado Eduardo Cunha e do senador Romero Jucá de mãos dadas e braços erguidos
comemorando o rompimento do PMDB com o Planalto mostra para onde vão os interesses
de uma banda da oligarquia.
Cunha é réu de um processo no Supremo Tribunal e
Jucá está sendo investigado pelo Ministério Público. Se
houvesse qualquer referência ao combate à corrupção no seu discurso de posse
presuntiva, Temer mostraria coragem e disposição de incomodar correligionários.
Esqueceu-se, tudo bem, mas não deve pedir aos ouvintes que não percebam. Como
se sabe desde que a palavra impeachment entrou no vocabulário político, tirar
Dilma é uma coisa, quem botar no lugar é outra.
Desconte-se
a trapalhada que tornou público o áudio de Temer. Ele informou que se recolheu
“há mais de um mês”. Seria um exemplo de recato se tivesse amparo nos fatos. O
vice-presidente gosta de palavras raras e construções solenes. Só isso o leva a
falar em “senadores da melhor cepa e sabedoria”. Ou em “estudar isso com
detença”. O doutor parece competir com o governador Geraldo Alckmin na produção
de platitudes. Coisas como “não quero que isto fique em palavras vazias”,
“temos absoluta convicção”, “a classe política, unida ao povo”, “o Estado não
pode tudo fazer”. Finalmente: “Temos que preparar o país do futuro”. O tucano
paulista acrescentaria: “com firmeza e determinação”.
Os 14
minutos de Temer não embutiram uma plataforma, mostraram um palanque. Diante da
ruína produzida pela doutora Dilma, antecipa “sacrifícios”. Oferece intenções e
diálogo. Num ponto, porém, ele se deteve: “Sei, por
exemplo, no tópico da Federação, da grande dificuldade dos estados e municípios
nos dias atuais. Há estudos referentes à eventual anistia ou perdão de uma
parte das dívidas e até da revisão dos juros que são pagos pelas unidades
federadas. Vamos levar isso adiante.”
Decifrando
a promessa para governadores encalacrados e prefeitos falidos: “Vamos levar
isso adiante”. (Faltou definir “isso”.)
Decifrando
os números: estados e municípios querem repactuar os contratos de R$ 402
bilhões de dívidas já renegociadas com a União. Neste ano horrível, a simples
revisão dos juros pode tirar R$ 27 bilhões da União. (O Supremo Tribunal
concedeu uma liminar que poderá beneficiar todos os governadores e prefeitos,
mas a sentença ainda depende do pleno da Corte.)
Governo
de “salvação nacional”. Salvação de quem?
Fonte: Elio
Gaspari é jornalista
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