Imagine uma empresa ou uma família que estão gastando mais do que
arrecadam e, pior, encontram-se numa dinâmica em que as despesas sobem
todos os anos acima das receitas. Imagine ainda que uma das despesas
represente 60% do total gasto. Segue-se que: 1) a empresa ou a família
precisam fazer um ajuste; 2) esse ajuste deve incluir aumento de receita
e corte de despesas; 3) o corte deve incidir mais fortemente na despesa
maior, certo?
Pois é essa a situação dos governos estaduais. No ano
passado, gastaram R$ 542,5 bilhões (despesa primária, não-financeira).
Desse total, a parcela maior (60%) foi para o pessoal. Como o nome diz,
trata-se aqui de todos os pagamentos a pessoas, incluindo funcionários
ativos e inativos, civis e militares, do Executivo, Legislativo e
Judiciário. Aqui tem de salários a benefícios, de aposentadorias a todos
os tipos de auxilio, de horas normais e extras a gratificações.
Esse gasto com pessoal aumentou quase 40% de 2012 a 15,
conforme estudo da Secretaria do Tesouro Nacional. A Receita Líquida dos
Estados cresceu bem menos, na casa dos 26%. A inflação ficou por aí e a
economia cresceu quase nada. Só no ano passado, quando a crise econômica já era evidente e
as receitas de impostos estavam em queda, essa despesa de pessoal subiu
mais de 13% em relação a 2014.
Não tem como dar certo. O Rio de Janeiro é o exemplo limite
do que pode acontecer, mas quase todos os Estados caminham para o mesmo
buraco. Logo, o ajuste não é nem necessário. É fatal. Será feito por bem ou por mal. Como seria por bem? Deveria partir de dois consensos. Primeiro, que o ajuste tem
que começar o mais rapidamente possível. Segundo, todo mundo terá que
pagar a conta, inclusive o pessoal. Reparem: se a maior despesa é com o
pessoal, não tem como fazer o ajuste sem reduzir essa despesa.
Servidores na ativa e aposentados dizem que não têm culpa do descalabro e que, por isso, não devem pagar nada. [é fato que os servidores não têm culpa do descalabro mas é exatamente em cima do já minguado salário da maioria dos servidores públicos que o filhote do 'cabralzinho' - ex-governador e atualmente presidiário, o 'cabralzinho' - resolve aplicar um confisco de 30%.
A imprensa destaca os supersalários, incluindo aposentadorias de R$75.000,00, mas, não esclarece que são exceções - que devem ser combatidas - e ao não esclarecer deixa a impressão que mega aposentadorias são a regra e não raras exceções.] Deixemos esse argumento de lado por um momento e vamos especular: então, de quem é a culpa?
Todas as contratações, reajustes de salários e concessão de
benefícios passam pelo Executivo estadual e pelas assembleias
legislativas. Logo, já temos aí dois grupos de culpados. No primeiro,
governadores, ex-governadores e suas turmas na administração. No
segundo, os deputados estaduais. [sobre os dois grupos de culpados é que deve cair o confisco e outras medidas e são eles que desfrutam de salários e aposentadorias que suportam confisco.]
Além disso, essas despesas passam também pelos tribunais de
contas, que, aliás, têm promovido interpretações marotas para enquadrar
determinados gastos. O mais comum é tirar certos pagamentos a inativos e
assim reduzir artificialmente o tamanho da folha. Logo, o terceiro grupo de culpados está nos tribunais de contas. [quando tais despesas são submetidas ao crivo dos tribunais de contas já foram realizadas, já se tornaram direitos adquiridos, para os super marajás, que aliás Collor tentou combater mas não logrou êxito.]
O quarto está no Judiciário. Por todo o país, juízes
torturam leis para reinterpretar, por exemplo, o conceito de teto.
Assim, o teto nacional do funcionalismo é de R$ 33 mil, mas isso,
interpretam, só se refere ao vencimento básico. Auxílios alimentação,
educação, "pé na cova", auxílio lanche, diferente de alimentação, não
contam para o teto, assim perfurado várias vezes. [é sem lógica incluir no teto nacional do funcionalismo valores advindos, por exemplo do chamado 'pé na cova'.
Que é o 'pé na cova' é o famoso ABONO PERMANÊNCIA, que consta da Constituição (por óbvio se a Constituição Federal estabelece um teto para a remuneração do funcionalismo pode também estabelecer exceções, entre outras o ABONO PERMANÊNCIA que consiste em conceder ao funcionário público, que reúna todas as condições para se aposentar e não o faz, permanecendo no batente, isenção da contribuição para a Previdência.
Em outras palavras, o servidor deixa de pagar 11% à Previdência, permanece no batente e com isto os cofres públicos passam a ter um funcionário experiente pagando apenas 11% do que custaria contratar um novo - o funcionário que se aposentasse continuaria recebendo sua remuneração e o contratado para substituí-lo iria ganhar em torno de 90% do valor pago ao aposentado.
O Judiciário erra feio quando paga auxílio-moradia a juízes sem comprovação de que o valor pago foi realmente destinado ao pagamento de aluguel para o magistrado - tem outras benesses que os magistrados recebem e que representam verdadeiros absurdos, entre elas a de ser punido com aposentadoria compulsória = cometeu o crime, é aposentado recebendo o salário.]
Vai daí, que o ajuste no pessoal deveria começar pelos
salários mais altos, com o corte nas chamadas vantagens pessoais. Dizem,
por exemplo, que um senador ganha R$ 27 mil mensais. Falso. Começa que são 15 salários ano. Tem casa, ou
apartamento funcional ou mais R$ 3.800 por mês. Tem carro com motorista.
Tem gasolina e passagem de avião. Correspondência e telefone na faixa.
Vai somando....
Vale igualzinho para deputados. Mas mesmo atacando nessas despesas claramente ilegítimas, ainda que legais, a conta não fecha. Será preciso procurar um quinto grupo de culpados, o
pessoal. Não cada pessoa em particular - e sabemos quantas ganham mal no
serviço público. Estas, aliás, já estão pagando a conta faz algum
tempo. Ganham mal porque outros ganham muitíssimo bem. Há aí uma forte
desigualdade. Mas as associações, os sindicatos de funcionários, com amplo
apoio de suas bases, estão o tempo forçando reajustes e benefícios. E
agora, recusam qualquer tipo de ajuste. Claro que é direito do
trabalhador buscar melhorias, mas é preciso ter um mínimo de bom senso.
Estava quase escrevendo um mínimo de patriotismo, de noção
de serviço público, mas reconheço que é demais pedir isso no momento em
que a Lava Jato escancara o modo como políticos trataram essa coisa
pública. Mas o bom senso vale. Por uma questão de interesse próprio.
Invadir assembleia não cria dinheiro. Não seria mais sensato se as
lideranças dos funcionários se reunissem com os outros e principais
culpados para buscar uma solução, um corte bem distribuído?
Os números estão aí: os Estados estão quebrados ou quase.
Ou se faz um ajuste por bem ou será feito por mal. Aliás, já está sendo
feito: atrasos de salários e interrupção de serviços essenciais à
população. Aliás, podemos incluir aqui o sexto grupo de culpados, os
eleitores que escolheram mal tantas e repetidas vezes. Mas nem
precisava: o público é o que sempre paga a maior conta.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - http://www.sardenberg.com.br/
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