Senhores deputados da comissão, aprovem logo o bom texto de Lorenzoni como está! Debate sobre anistia a caixa dois é uma soma de imbecilidades
Lei penal não retroage para punir; logo, o caixa dois até 2016 não ensejará persecução. Se, no entanto, dinheiro teve origem em propina, nada há a fazer: o culpado responderá, pra começo de conversa, por corrupção. E não há nada que se possa fazer a respeito
Já deixei
claro aqui, mais de uma vez, que acho satisfatório e correto o texto do
deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator da comissão especial que
avaliou o projeto de lei de iniciativa de popular — na verdade, de
autoria do Ministério Público — que trazia as tais 10 medidas contra a
corrupção. As 10 se transformaram, como se sabe, em 18 e depois em 17.
Como os arquivos demonstram à farta, eu, a Constituição e o bom senso
nos opúnhamos a 3 das 10 propostas originais, a saber: admissão em juízo
de provas ilegais, restrições descabidas ao habeas corpus e teste de
honestidade aplicado aleatoriamente.
As duas primeiras sumiram do
relatório de Lorenzoni, e a terceira perdeu seu caráter de persecução
penal. Para mim, está bem assim. Logo, acho que o texto tem de ser
aprovado.
E qual tem
sido o obstáculo? O principal é uma tolice sem tamanho e atende pelo
nome de “anistia ao caixa dois”. Essa questão é de tal sorte absurda que
custa a crer que tenhamos de discuti-la.
O MPF só
propôs a criminalização do caixa dois — o que é correto — porque
reconhece que tal prática crime não era. Estava entre as condutas
reprováveis, mas atípicas, sem uma lei que provocasse a persecução
penal. Muito bem. O texto de Lorenzoni pune com pena de dois a cinco
anos ou de quatro a dez tal prática: no primeiro caso, para recursos de
origem lícita; no segundo, para os de origem ilícita.
Não depende
de um procurador fazer ou não a lei retroagir. O inciso XL do Artigo 5º
da Constituição é claríssimo: “A lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. Assim, o projeto de Lorenzoni não precisa de nenhuma
salvaguarda nesse sentido. Não será preciso ter, vamos dizer, medo do
que fará a Lava Jato nesse particular. O Artigo 5º da Constituição,
segundo o Artigo 60, é uma cláusula pétrea e não pode ser mudado nem por
emenda constitucional.
Há
deputados, no entanto, que gostariam de deixar claro em lei que o caixa
dois, pois, cometido até 2016 não poderá ensejar a denúncia de nenhum
outro crime, como, sei lá, corrupção ativa ou passiva ou lavagem de
dinheiro. Eis um outro debate imbecil. O caixa dois cometido até a
aprovação da nova lei continuará como conduta atípica; se, no entanto, o
dinheiro for oriundo de propina, haverá a caracterização da corrupção
ativa ou passiva, a depender do lado do balcão em que se esteja. Não há
como se precaver. Logo, esse debate do caixa dois, como pode atestar
qualquer um que entenda minimamente do riscado, é de uma ociosidade
escandalosa.
Ainda que
Lorenzoni acrescentasse a seu texto algo como “estão livres da
persecução penal, prevista nesta lei, todos aqueles que receberam ou
doaram recursos pelo caixa dois até a data da promulgação desta”, o
efeito seria nenhum. Pela simples e óbvia razão de que não pode ser
diferente.
“Mas e
acrescentar que os que fizeram caixa dois não poderão ser acusados de
corrupção…?” Ora, isso é simplesmente impossível. Ainda que se
aprovasse uma aberração dessa natureza, o texto não passaria pelo crivo
do Supremo. Porque não se trataria de anistiar o caixa dois, mas de
anistiar a corrupção passiva ou ativa. Nunca vi debate tão imbecil.
Ademais, como falar em anistiar o caixa dois se caixa dois, até agora,
nem crime é? Como anistiar o que a lei não considera crime?
Lembro: o
advogado Arnaldo Malheiros Filho, que morreu em 2016, tentou emplacar
essa tese no caso do mensalão: seria tudo caixa dois. A paternidade da
ideia foi atribuída, erroneamente, a Márcio Thomaz Bastos. Não deu
certo. Houve condenações em penca por corrupção ativa, corrupção
passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, peculato, o diabo a
quatro…
Outro ponto
O outro ponto da proposta de Lorenzoni que
está travando a tramitação é a possibilidade de juízes e promotores
serem acusados de crime de responsabilidade. Ainda que eu não veja
aberração nenhuma nisso, o tema é inoportuno num conjunto de leis contra
a corrupção. Os que estão insistindo nessas questões estão emperrado o
avanço do projeto em razão de irrelevâncias e comprometendo um tantinho
mais a já conspurcada reputação do Poder Legislativo.
Senhores
deputados da comissão, deixem de onda e aprovem logo o bom texto de Onyx
Lorenzoni. Reitero: esse debate do caixa dois versa sobe o nada, e a
possibilidade de acusar juízes e promotores de crime de responsabilidade
não pode se transformar numa birra. Esse troço tem de caminhar. Chega de papo furado.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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