Eliana Calmon apimentou o vatapá
A ex-corregedora da Justiça não leva a sério colaboração da Odebrecht que esquece o Judiciário
Eliana
Calmon, ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça, é uma chef diletante. Seu
livro “Receitas especiais” está na décima edição. Ela diz que faz seus pratos
por instinto, mas não foi o instinto que a levou a jogar um litro de pimenta na
festejada colaboração da Odebrecht com a Justiça. Falando ao repórter Ricardo
Boechat, Eliana Calmon disse que “delação da Odebrecht sem pegar o Judiciário
não é delação”. De fato, no grande vatapá da empreiteira não entrou juiz: “É
impossível levar a sério essa delação caso não mencione um magistrado sequer”.
Sua
incredulidade expõe uma impossibilidade estatística. A Odebrecht se lembrou de
tudo. Listou o presidente Michel Temer e Lula, nove ministros e ex-ministros,
12 senadores e ex-senadores, quatro governadores e ex-governadores, 24
parlamentares, três servidores, dois vereadores e um empresário, todos ligados
ao Executivo e ao Legislativo ou à política. Do Judiciário, nada.
Eliana
Calmon, como a Odebrecht, é baiana. Como corregedora-geral do Conselho Nacional
de Justiça, ela foi uma ferrabrás. Antes do surgimento da Lava-Jato, a ministra
prendeu empreiteiros, brigou com colegas e denunciou a rede de filhos de
ministros de tribunais superiores que advogam em Brasília. Aposentou-se, em
2014 concorreu ao Senado pelo PSB da Bahia e foi derrotada. (Durante a
campanha, ela e o partido informaram que receberam doações legais da Odebrecht,
da Andrade e da OAS.)
Entre
2011 e 2015, a Odebrecht esteve na maior disputa societária em curso no país.
Nela enfrentaram-se as famílias de Norberto Odebrecht, o fundador do grupo, e
de Vitor Gradin, seu amigo e sócio, com 21% de participação no grupo. Quando
Norberto e Vitor se associaram, estipularam no acordo de acionistas que,
havendo conflitos, eles deveriam ser decididos por arbitragens. No comando da
empreiteira, Marcelo Odebrecht decidiu reorganizar a empresa afastando a
família Gradin, oferecendo-lhe R$ 1,5 bilhão por sua parte. O sócio achava que
ela valia pelo menos o dobro.
Os Gradin
foram à Justiça pedindo arbitragem, uma juíza deu-lhes razão, mas sua sentença
foi anulada liminarmente por um desembargador baiano. Quando os Gradin arguiram
sua suspeição, ele declarou-se vítima de “gratuita ofensa” e declarou-se
suspeito “por motivo de foro íntimo”. O litígio
se arrastou, e, em plena Lava-Jato, em dezembro de 2015, o STJ deu razão aos
Gradin. Em pelo menos um episódio a Odebrecht mobilizou (inutilmente) sua
artilharia extrajudicial.
Se nenhum
executivo da Odebrecht falou do Judiciário, pode ter sido porque nada lhe
perguntaram. Existiriam motivos funcionais para que não fossem feitas perguntas
nessa direção. Vazamentos astuciosos, como o de um suposto depoimento
envolvendo o ministro José Antonio Toffoli, dão a impressão de que, mesmo não
havendo referências ruidosas, existe algum arquivo paralelo, sigiloso e
intimidatório.
A
declaração de Eliana a Boechat apimentou o vatapá. O corregedor nacional de
Justiça, ministro João Otávio de Noronha, estaria disposto a abrir uma
investigação nas contas da campanha da ex-colega. (Ambos estranharam-se quando
conviviam no tribunal.)
Essa
briga será boa, e a vitória será da arquibancada.
Fonte: Elio
Gaspari, jornalista - O Globo
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