Por
mais descabido que para alguns possa parecer este debate, a solidez das
instituições brasileiras deve ser questionada neste momento
particularmente conturbado por que passa o País. É que há um paradoxo
que deixa perplexos os cidadãos que acompanham os últimos
acontecimentos: como as instituições podem ir bem, não estarem frágeis e
tampouco ameaçadas, se aqueles que delas fazem parte – mas não as
definem em si – adotam atitudes perniciosas que no mínimo trincam os
fundamentos sobre os quais repousam essas instituições? Enquanto isso, o
País afunda. Vejamos o que se passa no Supremo
Tribunal Federal (STF). Na eventual ocorrência de abalo dos alicerces do
Estado Democrático de Direito, ao STF, como instância máxima do Poder
Judiciário, cabe o intransferível papel de mantenedor do equilíbrio
entre os Poderes da República, da garantia dos direitos fundamentais dos
cidadãos e, em última análise, da paz social. Houve tempo em que esse
papel era representado pelas Forças Armadas, à custa da supressão das
liberdades e do sufocamento da democracia. Agora, não mais. Agora cabe
ao Supremo a grande responsabilidade de arbitrar os conflitos da vida
nacional. No entanto, o que se vê é que membros do Supremo estão a
ensejar os conflitos que deveriam abafar. [o que, se persistir, ensejará a justa, necessária e legal INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL.]
Dois gravíssimos
episódios recentes causaram apreensão em todos os devotos da democracia
que buscam na Corte Suprema o tipo de paz e conforto social que as
religiões oferecem a seus fiéis no âmbito espiritual. A decisão
monocrática do ministro Luiz Fux, que determinou que o projeto
anticorrupção aprovado pela Câmara dos Deputados volte à estaca zero,
soma-se à do ministro Marco Aurélio Mello, que por meio de uma liminar
esdrúxula destituiu Renan Calheiros da presidência do Senado. Com esses
casos – esperamos que a série termine aqui –, o STF dá preocupantes
sinais de que nele há quem mal compreenda o papel fundamental da Corte
na crise que o Brasil atravessa.
Em comum entre essas duas
decisões, observa-se a prevalência do exercício da vontade sobre a lei.
Casos desse tipo de descompasso não se restringem ao Judiciário. Em
outras instituições também vicejam o voluntarismo de atos e as decisões
adotadas ao arrepio da lei e da razão. Há um método nessa loucura.
Primeiro, forma-se uma convicção – pelas mais variadas razões, seja para
que objetivo for – e, a partir dela, um conjunto de normas, códigos e
regimentos é invocado para justificar a decisão extravagante. Dane-se a
lógica, fomente-se a hermenêutica. O que vale é o palavrório pomposo, a
sustentar o insustentável. E vale muito, também, o arremedo de
autoridade moral destilado na peça que, afinal, se destina a corrigir
aquilo que não coincide com a vontade do funcionário.
A gravidade
da liminar concedida por Luiz Fux no mandado de segurança impetrado
pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) é tal que levou seu colega
Gilmar Mendes a classificá-la como “perda de paradigmas”, o “AI-5 do
Judiciário”. O ministro Fux não cassou mandatos de parlamentares, como
fez a ditadura militar por meio do Ato Institucional de dezembro de
1968. Mas o ministro cassou, por liminar, uma decisão soberana do
plenário da Câmara dos Deputados, em uma evidente afronta ao princípio
constitucional da independência dos Poderes. As críticas do ministro
Gilmar Mendes são geralmente fortes. Desta vez foram vigorosas, no ponto
certo e, sobretudo, chamam a atenção para a sensatez que o momento
exige. Se não pode esperar moderação do Supremo, onde o cidadão
brasileiro irá buscar tal virtude, se precisar se amparar na lei?
Com
todas as ressalvas que possam ser feitas ao resultado do trabalho, o
projeto de lei anticorrupção aprovado pela Câmara seguiu rigorosamente o
trâmite legislativo previsto em lei e no regimento interno da Casa. Um
projeto de iniciativa popular é – como a palavra “iniciativa” denota –
uma provocação da sociedade à ação do Legislativo. Não se trata de um
conjunto imutável de comandos inscritos em pedra. Tolher a liberdade da
Câmara dos Deputados de alterar um projeto de lei tão somente sob o
argumento de que tem origem popular é ferir de morte a própria essência
da democracia representativa que a Constituição consagra. Ao ministro
Fux não foi dada essa faculdade.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Editorial
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