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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O ajuste selvagem

Quando um governo entra no déficit e esgota sua capacidade de contorná-lo, o ajuste será feito. De forma civilizada ou na selvageria

Vamos falar francamente. Todo mundo sabe que os estados estão quebrados e que o rombo tem duas causas principais: o inchaço da folha de pagamento do funcionalismo e a conta, também crescente, das aposentadorias e pensões. Logo, todo mundo sabe que o equilíbrio fiscal exige a contenção da folha e uma reforma previdenciária que aumente as contribuições e reduza os benefícios e privilégios.

Dirão: há pelo menos 300 deputados que não concordam ou não sabem disso. Foram aqueles que aprovaram o projeto de renegociação das dívidas dos estados, cancelando as contrapartidas que os governos estaduais deveriam entregar. Falso. Os deputados sabem perfeitamente. O que não querem é assumir a responsabilidade pelas reformas. 

Aliás, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que comandou o voto antiajuste, expressou muito bem esse ponto de vista. Durante os debates, lá pelas tantas comentou: "em algum momento, os servidores públicos terão que entender que terá de haver reforma e corte de gastos.
Enquanto não entendem, tentar votar a reforma “é um desgaste que a Câmara não precisa passar”.

De quem têm medo? Dizem que é da opinião popular. Falso. Não é o povo que temem, mas os servidores públicos, hoje a categoria mais bem organizada no país. Os servidores gozam de um direito de greve absoluto. Seus sindicatos e associações usam e abusam desse direito exclusivo. Fazem ou ameaçam greves em momentos delicados, como na véspera da Olimpíada. Chegam a ameaçar tirar a polícia das ruas e deixá-las entregues aos criminosos. Mesmo quando os seus radicais partem para a violência, como na invasão e depredação da Alerj, não acontece nada. Não há investigação, embora sejam abundantes as fotos e filmes dos atos ilegais. Sindicatos e associações dizem que são contra essa violência mas não tomam qualquer providência para afastar seus radicais. 

Nas greves, não tem corte de ponto nem desconto dos dias parados, muito menos demissões. O Congresso, ou melhor, as lideranças políticas em geral são responsáveis por essa situação. Até hoje, por exemplo, não aprovaram legislação para regulamentar o direito de greve do funcionalismo. Têm medo de dizer coisas óbvias — dia parado é dia não pago e que certas categorias, como os policiais, não podem fazer greve. 

Aliás, os políticos têm medo de dizer que precisa de um rigoroso ajuste fiscal também porque convivem o tempo todo com os funcionários públicos, muitos nomeados por eles, muitos deles seus parentes. Nesse ambiente, sabe quando os servidores entenderão que a reforma é inevitável? Nunca. Se os parlamentos se recusam e, ao contrário, aprovam medidas contra o ajuste, por que os servidores a assumiriam?

E assim chegamos nesses absurdos. O governo do Rio não está pagando salários em dia. Mas a Alerj se recusou a sequer discutir um projeto de lei que suspendia reajustes salariais para 2017. O que nos leva a outro ponto, a desigualdade. Reportagem da TV Globo mostrou que algumas categorias receberam em dia salários e o 13º. Não por acaso, estão entre as categorias mais bem pagas, como as da Procuradoria Geral do Estado e do Tribunal de Justiça. São também as categorias mais próximas e com maior poder de persuasão dentro do governo.

O Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) protestou, com razão, notando que a maioria teve o salário parcelado em nove vezes. Na verdade, há uma massa de manobra, formada pelas categorias mais numerosas e de menor remuneração. São essas que vão para a rua com os cartazes dizendo que “o servidor não é culpado pela crise”.

Claro que, considerando o servidor individualmente, pessoa que tem de cuidar de si e de sua família, ninguém é culpado. É vítima.  Mas o problema está, sim, no crescimento descontrolado da folha e dos gastos com aposentados.  Escondendo esse fato, lideranças políticas e sindicais enganam muita gente que não percebe o outro fato. Se não for contido o crescimento daquelas despesas, vai faltar dinheiro para pagar funcionários e aposentados. [um detalhe que não pode, nem deve, ser esquecido: os aposentados cumpriram com todas as obrigações para fazer jus as aposentadorias que recebem = cumpriram a parte deles.
Qualquer mudança na legislação não pode retroagir e prejudicar aos que cumpriram tudo que foi exigido para se aposentarem.
Mudanças só podem ser aceitas se atingir (na integralidade) apenas os funcionários que ingressaram no Serviço Público após a entrada em vigor da nova legislação, sendo no mínimo aceitável que retroajam para alcançar os que entraram nos últimos 15 anos, neste caso devendo o  alcance ser limitado por regras de transição.]

Lideranças políticas e do funcionalismo dizem que há soluções simples, como cobrar impostos atrasados e cancelar isenções fiscais. Podemos discutir isso em outra coluna, mas por hoje basta recorrer ao senso comum. Se fosse simples assim, governadores já não teriam feito? Por que enfrentariam tanta confusão se o dinheiro estivesse à mão? [sempre é mais fácil impor um confisco ao 'servidor público' - afinal, basta apenas não pagar.
Já ser ressarcido das benesses concedidas - tipo tolerância com impostos atrasados e renúncia fiscal é mais complicado.
F ... o servidor é bem mais fácil.]

Quando um governo entra no déficit e esgota sua capacidade de tomar impostos e empréstimos, o ajuste será feito. Ou civilizadamente — por exemplo, cobrando mais dos que ganham mais ou na selvageria, com o governo deixando de pagar servidores e fornecedores, exceto as minorias poderosas e que ganham mais. [sabiamente o Sardenberg reconhece que as minorias mais poderosas de servidores não serão atingidas pelo não pagamento.
Os que váo receber pagamentos em parcelas a perder de vista serão sempre os que ganham menos, os mais fracos.]

Rodrigo Maia pode ter garantido sua reeleição, mas está cavando buracos. A Câmara já sofre o desgaste da crise e da corrupção. Tentar barrar as reformas é o mesmo que tentar barrar a Lava-Jato. Não vai dar certo. Vai piorar para eles.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

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