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domingo, 2 de abril de 2017

TSE tem de resistir ao fascismo da vulgaridade e dar prazo à defesa para analisar as provas

Já escrevi aqui que as elites brasileiras (elite = os melhores de um grupo, qualquer grupo) nunca foram tão xucras. À direita e à esquerda, os que estariam obrigados ao pensamento complexo cedem ao senso comum com impressionante ligeireza. O "fascismo da vulgaridade" (by George Steiner) se insinua e avança pelas dobras do pensamento. Vai se espalhando. 

Sentei aqui para demonstrar que, no processo da cassação da chapa Dilma-Temer, que corre no TSE, as coisas não são como parecem. E, como num conto de Machado de Assis, substantivos e adjetivos, unidos por alguma melancolia, ficaram se buscando na minha cabeça e saltaram para o primeiro parágrafo. Explico-me. O que boa parte quer enxergar no processo do TSE? Aquilo que julga saber. Segundo a fantasia, o relator, Herman Benjamin, com sede de Justiça, pedirá a cassação da chapa, com ou sem inelegibilidade de presidente e vice. 

Mas o sistema existiria para garantir a impunidade. Esse é o sussurro do fascismo da vulgaridade. E uma conspiração estaria em curso envolvendo os demais juízes (outro murmúrio). Ao fim, tudo terminará na metáfora que faz o rumor virar um berro-clichê: "pizza!". Analiso as decisões de Benjamin e constato que ele deu à luz dois processos: um deles é para a imprensa que fareja impunidade; o outro é para a ordem dos fatos. Os demais juízes, espero, devem se apegar aos... fatos, o que implica corrigir caneladas dadas pelo doutor. 

Mas adivinhem com quem o "espírito do tempo", o "Zeitgeist", vai se solidarizar...  Duas ações foram reunidas numa só no caso do pedido de cassação da chapa. Uma delas prevê prazo de 48 horas para a defesa se manifestar sobre o relatório; a outra, cinco dias. Por óbvio, há de prevalecer o prazo maior. Mas Benjamin resolveu, com a devida vênia futebolística, fazer embaixadinha para a torcida: 48 horas e pronto! 

É claro que a defesa de Dilma recorreu. É certo que o recurso será analisado. Se a lei se cumprir, o julgamento será suspenso por cinco dias. E não porque os demais juízes sejam togas-moles e o único toga-duro seja Benjamin. Mas porque é a lei. A concessão do prazo pode ter como consequência a impossibilidade de Henrique Neves, que está prestes a deixar o tribunal, antecipar seu voto. Estima-se que seguiria o relator e votaria em favor da cassação da chapa. 

Dá-se como certo que seu sucessor, Admar Gonzaga, faria o contrário. Logo, se os juízes querem se livrar da suspeita de que estão a serviço da impunidade, o melhor a fazer é ignorar a lei e negar o recurso. Ocorre que golpear as regras é fazer o que quer... Benjamin! O fascismo da vulgaridade tem a incrível capacidade de fazer o ilegal parecer legal e o ilegal, a quintessência do Justo. 

Há mais. Benjamin não pôde ter acesso às provas fornecidas pela Odebrecht nas delações porque estão sob sigilo, sob a guarda de Edson Fachin, relator do petrolão no STF. Então resolveu providenciar as suas próprias. A Odebrecht entregou um calhamaço de imodestas 3.000 páginas ao relator da ação no TSE. Segundo apurei, isso se deu no dia 23 de março. 

Ora, a defesa de Dilma fez o óbvio, o legal, o processualmente correto: pediu acesso ao material. Ou como apresentar uma defesa eficiente? Benjamin negou! E depois cravou os dois dias. O nome disso? Cerceamento do direito de defesa! E dê-se de barato que o doutor ouviu delatores da Odebrecht, mas não permitiu o contraditório. O antipetismo que ronca e fuça não está nem aí para os fundamentos do Estado democrático. Bem, esse cara não sou eu. Fui uma das primeiras vozes na imprensa que se insurgiram contra o PT. E não porque seus integrantes fossem feios, sujos e malvados –até porque os há também bonitos, limpinhos e bondosos. 

Acho intolerável, no petismo, é o desprezo pelo Estado de Direito e pela institucionalidade. Por que eu condescenderia com isso, mesmo que o partido seja o alvo?
O julgamento tem de ser suspenso ainda na terça. E a defesa de Dilma tem de ter acesso às provas. Em nome da lei. Não contra ela. 

Fonte: Folha de S. Paulo - Coluna de Reinaldo Azevedo

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