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quarta-feira, 24 de julho de 2019

A face oculta de Bolsonaro - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S. Paulo 

Antes de Toffoli blindar filho Flávio, presidente insinuou que indicará protegido dele para STF

Nos 200 dias de governo do capitão reformado e deputado federal aposentado, além do Bolsonaro óbvio das declarações sobre o Nordeste reduzido a “paraíba” e da insistência descabida em fazer o filho caçula embaixador em Washington, há outro, cuidadosamente escondido para evitar perdas. Por falta de espaço nesta página e excesso de exposição de seu acervo de frases infelizes, convém tentar lançar uma luz sobre o que ele, subordinados, prosélitos e fanáticos não conseguem mais esconder de sua face oculta.

Aos 23 dias iniciais do mandato
, Bolsonaro disse a um repórter da agência Bloomberg em Davos, na Suíça: “Se, por acaso, ele (o filho Flávio) errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. De volta ao Brasil, contudo, tirou a máscara de “isentão” (definição preferida de outro filho, Carlos, para desqualificar quem ouse discordar após concordar com algo) para fazer exatamente o contrário. Após decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, proibindo o compartilhamento de dados da Receita Federal, do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), ele até tentou escapulir de comentar, argumentando: “Somos Poderes harmônicos independentes. Te respondi? Ele é presidente do STF. Somos independentes, você acha justo o Dias Toffoli criticar um decreto meu? Ou um projeto aprovado e sancionado? Se eu não quisesse combater a corrupção, não teria aceitado o Moro como ministro”. Mas terminou deslizando em truísmos e platitudes, ao afirmar: “Pelo que eu sei, pelo o (sic) que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação. Os dados, uma vez publicizados (sic), contaminam o processo”. O quê?

O feroz cobrador das falhas do PT não explicou por que o caçula interrompeu o inquérito, em vez de provar inocência. [ sem ter a oportunidade de ouvir o caçula, entendemos que ele usou o direito soberano de contestar dados divulgados ilegalmente - muitas das informações (protegidas por sigilo bancário e fiscal, impostos por lei) foram objetos até de divulgação pela TV em horário nobre.


Ao se socorrer da lei, Flávio Bolsonaro contou com a argúcia de seu advogado que trouxa à baila uma ação movida em 2003, por um posto de gasolina contra a Receita Federal, contestando o compartilhamento ilegal de informações e o processo que estava com Toffoli desde meados de 2018, (bem antes das movimentações ilícitas do Queiroz virarem manchete) foi usado como supedâneo à decisão que reconheceu a ilegalidade do compartilhamento de dados sem prévia autorização do Poder Judiciário.

A decisão do STF autorizando o compartilhamento das informações abrange apenas a informação ao Fisco, para fins fiscais.]

A revista Crusoé, do site O Antagonista, revelou que clientes da banca da mulher de Toffoli, Roberta Rangel, do qual este foi sócio, foram procurados pela Receita para explicar depósitos. Dias antes um colega por quem o presidente do STF tem manifestado apreço (e vice-versa), Gilmar Mendes, comparara o MPF e a PF à Gestapo, polícia política nazista, após averiguações sobre a contabilidade da banca de Sérgio Bermudes, de quem sua mulher, Guiomar, é sócia. Essa descoberta pode lançar um véu de suspeição sobre a decisão de Toffoli de suspender todos os inquéritos (segundo consta, 6 mil) de lavagem de dinheiro no País. Mas não altera a origem da decisão, tomada a partir da defesa de Flávio Bolsonaro.

Pode ser mera coincidência, até prova em contrário, mas o fato é que recentemente, a pretexto de reclamar de uma decisão do STF criminalizando a homofobia, o presidente, do alto de sua prerrogativa de indicar os membros do colegiado, queixou-se de não haver ali um ministro “terrivelmente evangélico”. Na segunda vez o fez saudando um dos ministros numa reunião com vários membros de titulares na Esplanada dos Ministérios, o advogado-geral da União, André Mendonça. 


[Conforme,  oportunamente,  diz o ilustre articulista  na frase final desta matéria, é um assunto a ser tratado só daqui a 16 meses.
A principio a primeira vaga - a principio, a do atual decano - já está reservada para Moro - segundo sua assessoria,  católico praticante - apesar de sua esposa ter suprimido na elaboração do seu perfil em rede social, qualquer menção a religião do marido.
Convém deixar a 'preocupção' para o final do próximo ano.]

Na última vez em que apelou para a expressão, originalmente usada pela ministra da Família, Damares Alves – uma impropriedade, pois “terrível” é definido no Houaiss como algo “que infunde ou causa terror” –, em 11 de julho, disse que ele é cotado para preencher essa lacuna, 16 meses antes da prevista aposentadoria do decano, Celso de Mello. Não seria o caso de indagar se é hora de tratar do assunto antes de ser aprovada a reforma da Previdência, tida e havida como a primeira providência a ser tomada para destravar a economia e reduzir as mais relevantes taxas de desemprego?

Aos 46 anos, há 19 na Advocacia-Geral da União (AGU), Mendonça está longe de ser popular como Moro e Bretas.  De Mendonça só se sabe que dirigiu o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU, indicado pelo presidente do STF, antes de migrar para a Controladoria-Geral da União, no governo Temer (!), representando a AGU em acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção. Dali foi promovido a advogado-geral por Bolsonaro, que o anunciou em novembro. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, o presidente do STF já trabalha pela aprovação dele na sabatina do Senado, caso seja indicado para o STF.

Sua conexão com o PT, do qual o ex-advogado-geral foi subordinado em toda a carreira, é revelada em artigo publicado na Folha de Londrina de 30 de outubro de 2002, resgatado pela repórter Constança Rezende, do UOL. No texto Mendonça não cita o nome de Lula, mas afirma, três dias após a vitória do petista, que o triunfo “enchia os corações do povo de esperanças”. Além disso, escreveu à época que as urnas haviam revelado “o primeiro presidente eleito do povo e pelo povo”. “O fato é notório e não admite discussões e assim o coração do povo se enche de esperança, o mundo nos assiste com um misto de surpresa e admiração, embora alguns confiem desconfiando, mas certamente convictos que o Brasil cresceu e seu povo amadureceu, restando consolidada a democracia não só porque o novo presidente foi eleito pelo povo, mas porque saiu do próprio povo”. Criacionista, ele diz respeitar quem não é, mas no texto revela dogmas sobre os quais “não admite discussões”.

Pode-se dizer que o também pastor presbiteriano nunca foi ingrato. Mesmo já estando sob ordens de Bolsonaro, foi o único chefe de uma instituição importante relacionada ao Direito a assinar parecer defendendo o decreto do padrinho para impedir críticas a seus pares (além de censurar a Crusoé) e a compra por este de lagostas e vinhos premiados para os banquetes da casa. Só em 16 meses o Brasil saberá se, de fato, a espécie não evoluiu e se Darwin, afinal, tinha ou não razão.


José Nêumanne, jornalista - O Estado de S. Paulo


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