Ruth de Aquino
[a legalização do USO MEDICINAL de derivados do cannabis pode e deve ser estudado, não sendo inviável a liberação.
Mas, há de se ter prudência para que o USO fez para restabelecer os portadores de doenças cuja cura ou redução de eventual agravamento, seja favorecida pelo uso do derivado.
Jamais pode a legalização para USO MEDICINAL servir como caminho para facilitar o tráfico da maconha e/ou outras drogas - que deve continuar sendo objeto de rigorosa repressão e punição, extensiva aos usuários.]
O título parece provocação a um governo tão
retrógrado nos costumes. Um título subversivo. Se até o mero debate
sobre o uso medicinal da cannabis sativa, planta usada para produzir
maconha, é considerado ofensivo pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra,
como é que a colunista defende a legalização do plantio doméstico e do
uso pessoal da maconha?
Esse mesmo título foi manchete de capa da revista Época em 2009. Dez anos atrás. No Rio de Janeiro, participei de uma mesa de 17 personalidades e especialistas, encabeçada por três ex-presidentes latino-americanos – o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e os economistas César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México. Eles argumentavam que o uso pessoal da maconha não deveria ser crime. [esse FHC defende a liberalização da maconha desde sempre.]
Para esses ex-professores universitários de cabelos brancos, fumar maconha em casa e na rua deveria ser lícito e aceito socialmente, como álcool e tabaco. Sugeriam rever a política mundial de drogas, já que a bandeira da ONU em 1998 – “um mundo livre de drogas” – passou a ser considerada ingenuidade ou equívoco. A erva é antiga. Seus registros na China datam de 2732 a.C., mas apenas em 1960 a ONU recomendou sua proibição no mundo. Em algumas décadas, a “guerra às drogas” tinha triplicado o consumo de maconha e cocaína na América Latina, tinha decuplicado os presos por drogas nos EUA: de 50 mil para meio milhão. Um fracasso estrondoso. [a solução é continuar prendendo, aumentando as penas e mais importante: punindo SEVERAMENTE o usuário - sem eles o tráfico se reduz a quase nada.
não há necessidade de se preocupar com a superlotação das cadeias; o criminoso, qualquer crime, vai para a cadeia por ter escolhido o crime e por isso não merece nossa preocupação;
temos que nos preocupar com os doentes, que não escolhem a doença. Esses sim, merecem toda nossa atenção, esforço para curá-los, tratamento digno e quando necessário hospitais que os tratem como seres humanos.]
O mercado global de drogas ilegais está nas mãos de cartéis ou quadrilhas de bandidos – que molham a mão de forças policiais. No Brasil, não molham, inundam, encharcam! Drogas lícitas como o tabaco e o álcool matam bem mais que a maconha e seus fabricantes pagam impostos altíssimos. [maconha e outras drogas do tipo, podem não matar mais, diretamente - apesar de a cada dia aumentar o número dos que morrem por overdose. Mas, tanto a maconha como as outras drogas aumentam o número de mortos por outros crimes, causados pelo uso de drogas - começando pelos assaltos para obter dinheiro para comprar drogas.] O comércio é regulado e controla-se a qualidade. Não há mortes entre gangues porque não há tráfico de álcool e tabaco.
Acho curioso quando alguém diz que a maconha deve continuar proibida porque “faz mal para os pulmões, acarreta problemas de memória e em alguns casos leva à dependência”. Isso é válido para álcool, que mata e fere mais que todas as outras drogas juntas, além de comprometer o desenvolvimento cerebral dos jovens, que bebem e se embriagam cada vez mais cedo. É válido também parcialmente para tabaco, e hoje, graças às campanhas de saúde pública e ao cerco à publicidade, o fumante é visto como um viciado que polui e contamina o ar alheio. É válido também parcialmente para Rivotril e assemelhados. Por que não taxar, esclarecer, fornecer assistência à saúde do usuário de maconha? [por que não intensificar o combate aos usuários de drogas, a começar pela maconha? ela é quase sempre a porta de entrada para outras drogas mais pesadas.]
Não é papo de maconheiro, nem de fumante ou alcoólatra. É papo que urge: de segurança pública, saúde, economia. Contra a hipocrisia. Não tem nada aí de esquerda. Quando vemos o “ministro da Cidadania” de Bolsonaro ameaçar fechar a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) caso uma comissão da Câmara dos Deputados aprove em agosto o plantio de cannabis para tratamento de doenças, confirmamos a histeria de costumes no Planalto. E histerias de qualquer lado podem levar a nação a uma viagem obscurantista sem volta. Um decreto (mais um!) de Bolsonaro determinou que o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), ligado ao Ministério da Justiça, não tenha mais ninguém da sociedade civil. [importante: o decreto é um instrumento legitimo de uso do presidente da República para regulamentar leis e normatizar outros assuntos.
Só não é aceitável, válido o seu usado, se tiver a pretensão de modificar leis - estas só podem ser modificadas por outra lei ou por alteração na Constituição que as torne inconstitucionais.
O presidente Bolsonaro tem feito um uso que pode ser considerado elevado da edição de decretos, devido o boicote sistemático que sofre do Congresso Nacional, principalmente da Câmara dos Deputados, as vezes do próprio Senado - que ou não aprovam seus projetos de lei ou os travam, deixando ao presidente da República (eleito por quase 60.000.000 de votos) o recurso ao decreto para normatizar o que for possível.]
Inacreditável. Isso porque “há décadas a esquerda se infiltrou em nossas instituições”. Bolsonaro quer aparelhar conselhos a seu jeito e acabar com “o viés ideológico” nas discussões. A verdade é que Bolsonaro quer acabar com as discussões. A deputada Carla Zambelli, do PSL paulista, é a favor do uso terapêutico da planta, já autorizado em muitos países. “Se somarmos pacientes com doenças raras, autismo e câncer que poderiam ser tratados com a cannabis, calculo que cheguem a 20 milhões”. Será que Carla será excomungada do partido do presidente? "O Osmar (Terra) já falou para mim que é bem contra", disse a deputada à jornalista Monica Bergamo, da Folha de SP. "Mas a gente tem que discutir. O mundo inteiro fez isso".
A maquiadora Débora Gabriella de Lima, 27 anos, disse à BBC Brasil: “Meu filho Cauã tinha dois anos e as convulsões dele, 50 por dia, eram tão fortes que a cama do hospital balançava”. Com um óleo feito a partir da Cannabis, vendido por um rapaz que tratava assim, com gotas do óleo, os tremores de Parkinson da mãe, as convulsões de Cauã acabaram em uma semana. “Só encontro uma palavra: milagre”.
Para um governo tão religioso, quem sabe a palavra "milagre" ajude o ministro e o presidente a escutar depoimentos de parentes e médicos. Legalizem pelo menos o uso terapêutico da planta, legalizem a maconha medicinal! Os senhores não são cristãos?
SAIBA MAIS:
'Estou perdendo meu filho': os pais que cultivam ou recorrem ao tráfico por maconha medicinal (reportagem na BBC Brasil)
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49078143
Maconha: hora de legalizar? (reportagem em 2009 na revista Epoca)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT26723-15228-26723-3934,00.html
Ruth de Aquino - O Globo
Esse mesmo título foi manchete de capa da revista Época em 2009. Dez anos atrás. No Rio de Janeiro, participei de uma mesa de 17 personalidades e especialistas, encabeçada por três ex-presidentes latino-americanos – o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e os economistas César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México. Eles argumentavam que o uso pessoal da maconha não deveria ser crime. [esse FHC defende a liberalização da maconha desde sempre.]
Para esses ex-professores universitários de cabelos brancos, fumar maconha em casa e na rua deveria ser lícito e aceito socialmente, como álcool e tabaco. Sugeriam rever a política mundial de drogas, já que a bandeira da ONU em 1998 – “um mundo livre de drogas” – passou a ser considerada ingenuidade ou equívoco. A erva é antiga. Seus registros na China datam de 2732 a.C., mas apenas em 1960 a ONU recomendou sua proibição no mundo. Em algumas décadas, a “guerra às drogas” tinha triplicado o consumo de maconha e cocaína na América Latina, tinha decuplicado os presos por drogas nos EUA: de 50 mil para meio milhão. Um fracasso estrondoso. [a solução é continuar prendendo, aumentando as penas e mais importante: punindo SEVERAMENTE o usuário - sem eles o tráfico se reduz a quase nada.
não há necessidade de se preocupar com a superlotação das cadeias; o criminoso, qualquer crime, vai para a cadeia por ter escolhido o crime e por isso não merece nossa preocupação;
temos que nos preocupar com os doentes, que não escolhem a doença. Esses sim, merecem toda nossa atenção, esforço para curá-los, tratamento digno e quando necessário hospitais que os tratem como seres humanos.]
O mercado global de drogas ilegais está nas mãos de cartéis ou quadrilhas de bandidos – que molham a mão de forças policiais. No Brasil, não molham, inundam, encharcam! Drogas lícitas como o tabaco e o álcool matam bem mais que a maconha e seus fabricantes pagam impostos altíssimos. [maconha e outras drogas do tipo, podem não matar mais, diretamente - apesar de a cada dia aumentar o número dos que morrem por overdose. Mas, tanto a maconha como as outras drogas aumentam o número de mortos por outros crimes, causados pelo uso de drogas - começando pelos assaltos para obter dinheiro para comprar drogas.] O comércio é regulado e controla-se a qualidade. Não há mortes entre gangues porque não há tráfico de álcool e tabaco.
Acho curioso quando alguém diz que a maconha deve continuar proibida porque “faz mal para os pulmões, acarreta problemas de memória e em alguns casos leva à dependência”. Isso é válido para álcool, que mata e fere mais que todas as outras drogas juntas, além de comprometer o desenvolvimento cerebral dos jovens, que bebem e se embriagam cada vez mais cedo. É válido também parcialmente para tabaco, e hoje, graças às campanhas de saúde pública e ao cerco à publicidade, o fumante é visto como um viciado que polui e contamina o ar alheio. É válido também parcialmente para Rivotril e assemelhados. Por que não taxar, esclarecer, fornecer assistência à saúde do usuário de maconha? [por que não intensificar o combate aos usuários de drogas, a começar pela maconha? ela é quase sempre a porta de entrada para outras drogas mais pesadas.]
Não é papo de maconheiro, nem de fumante ou alcoólatra. É papo que urge: de segurança pública, saúde, economia. Contra a hipocrisia. Não tem nada aí de esquerda. Quando vemos o “ministro da Cidadania” de Bolsonaro ameaçar fechar a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) caso uma comissão da Câmara dos Deputados aprove em agosto o plantio de cannabis para tratamento de doenças, confirmamos a histeria de costumes no Planalto. E histerias de qualquer lado podem levar a nação a uma viagem obscurantista sem volta. Um decreto (mais um!) de Bolsonaro determinou que o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), ligado ao Ministério da Justiça, não tenha mais ninguém da sociedade civil. [importante: o decreto é um instrumento legitimo de uso do presidente da República para regulamentar leis e normatizar outros assuntos.
Só não é aceitável, válido o seu usado, se tiver a pretensão de modificar leis - estas só podem ser modificadas por outra lei ou por alteração na Constituição que as torne inconstitucionais.
O presidente Bolsonaro tem feito um uso que pode ser considerado elevado da edição de decretos, devido o boicote sistemático que sofre do Congresso Nacional, principalmente da Câmara dos Deputados, as vezes do próprio Senado - que ou não aprovam seus projetos de lei ou os travam, deixando ao presidente da República (eleito por quase 60.000.000 de votos) o recurso ao decreto para normatizar o que for possível.]
Inacreditável. Isso porque “há décadas a esquerda se infiltrou em nossas instituições”. Bolsonaro quer aparelhar conselhos a seu jeito e acabar com “o viés ideológico” nas discussões. A verdade é que Bolsonaro quer acabar com as discussões. A deputada Carla Zambelli, do PSL paulista, é a favor do uso terapêutico da planta, já autorizado em muitos países. “Se somarmos pacientes com doenças raras, autismo e câncer que poderiam ser tratados com a cannabis, calculo que cheguem a 20 milhões”. Será que Carla será excomungada do partido do presidente? "O Osmar (Terra) já falou para mim que é bem contra", disse a deputada à jornalista Monica Bergamo, da Folha de SP. "Mas a gente tem que discutir. O mundo inteiro fez isso".
A maquiadora Débora Gabriella de Lima, 27 anos, disse à BBC Brasil: “Meu filho Cauã tinha dois anos e as convulsões dele, 50 por dia, eram tão fortes que a cama do hospital balançava”. Com um óleo feito a partir da Cannabis, vendido por um rapaz que tratava assim, com gotas do óleo, os tremores de Parkinson da mãe, as convulsões de Cauã acabaram em uma semana. “Só encontro uma palavra: milagre”.
Para um governo tão religioso, quem sabe a palavra "milagre" ajude o ministro e o presidente a escutar depoimentos de parentes e médicos. Legalizem pelo menos o uso terapêutico da planta, legalizem a maconha medicinal! Os senhores não são cristãos?
SAIBA MAIS:
'Estou perdendo meu filho': os pais que cultivam ou recorrem ao tráfico por maconha medicinal (reportagem na BBC Brasil)
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49078143
Maconha: hora de legalizar? (reportagem em 2009 na revista Epoca)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT26723-15228-26723-3934,00.html
Ruth de Aquino - O Globo
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