Desde março afastado de unidades da
Polícia Civil
, o delegado Giniton Lages, que foi encarregado da investigação sobre o assassinato da vereadora
Marielle Franco
e do motorista
Anderson Gomes
, na Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, foi a principal testemunha da audiência de instrução e julgamento dos réus
Ronnie Lessa
e
Élcio Queiroz
, no fim da noite de sexta-feira, no Tribunal de Justiça. Em seu
depoimento, que durou quatro horas, Giniton enfatizou que as provas
obtidas se basearam em dados retirados dos celulares dos acusados e em
imagens da câmera OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres). Considerado
um radar inteligente, o equipamento captou as letras e os números da
placa do Cobalt prata, usado no ataque à vereadora, em 14 de março do
ano passado.
A principal evidência de que Ronnie Lessa estaria dentro do Cobalt usado na execução é uma tatuagem dele. De acordo com a denúncia, apesar de estar usando uma luva para encobri-la, o PM reformado descuidou-se num momento e deixou a marca à mostra ao recostar o braço, sem a cobertura, no banco traseiro do veículo, estacionado na Rua dos Inválidos, próximo à Casa das Pretas, onde Marielle participava de um evento no dia do crime. Por uma fração de segundo, o gesto foi filmado por uma câmera da região. A equipe da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MP comparou a imagem com fotos, mostrando que ela era compatível com a tatuagem do suspeito.
O titular da Delegacia de Homicídios (DH) Capital, Daniel Rosa, também não tem dúvidas da participação de Élcio Queiroz, como o motorista do Cobalt usado na emboscada, e do sargento reformado da PM Ronnie Lessa como o autor dos disparos. — Não há dúvida quanto a prática do crime por Lessa e Élcio. Os indícios de autoria são robustos, coesos e muito bem concatenados nos autos do inquérito policial. Além disso, eles não apresentaram álibis para o que estavam fazendo no dia dos homicídios de Marielle e Anderson — afirma o delegado que assumiu a investigação do caso desde março deste ano.
“Inauguraram um instituto penal novo: o do crime espiritual e mediúnico”É dessa maneira que o advogado Henrique Telles, responsável pela defesa do ex-policial militar Élcio Queiroz , resume a acusação da DH e do Ministério Público do Rio. O ex-PM é apontado como o motorista do carro Cobalt prata usado no assassinato da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes . Segundo ele, a declaração, em tom de ironia, se dá pela falta de provas que coloquem Élcio dentro do veículo.
— Brinquei que eles inauguraram um instituto penal novo (uma norma jurídica), o do crime espiritual e mediúnico. Só assim para colocar meu cliente dentro do carro, ali no Estácio, onde ocorreu o assassinato da vereadora e do motorista — disse Telles, alegando que antenas acusavam que o celular de Élcio estava na Barra, entre 17h e meia-noite, no dia do crime.
A rota traçada a partir de imagens das câmeras — que mostraram o Cobalt usado na emboscada durante a fase do pré-crime — também foi questionada pelo advogado de Lessa. Nenhuma câmera registrou o que aconteceu com o carro depois do crime.
“Não conseguiram captar imagens do carro em nenhuma das rotas possíveis que vem para Barra”— Não conseguiram captar imagens do carro em nenhuma das rotas possíveis que vem para Barra. Seja pelo Alto da Boa Vista ou Grajaú Jacarepaguá. Nem Linha Amarela ou Zona Sul. Sendo que há câmeras particulares e OCRs da prefeitura nesses percursos. Nada do pós-crime — questiona Telles.
A fala do advogado em entrevista ao GLOBO foi feita após o término da segunda parte da audiência de instrução e julgamento nesta sexta-feira. Todos foram ouvidos, menos os réus. A sessão foi feita por meio de videoconferência já que tanto Élcio quanto Ronnie estão presos na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.
Para a realização da audiência, o juiz do 4º Tribunal do Júri, Gustavo Kalil, foi extremamente rigoroso a fim de evitar o vazamento de informações. A sessão secreta foi realizada no espaço restrito ao oitavo andar do fórum central, com o bloqueio das entradas do nono andar, onde ficam os bancos da plateia que costuma assistir aos julgamentos. O número de vigilantes foi reforçado, como é raro de se ver em audiências comuns, com o objetivo de dar mais segurança às testemunhas e proibir o acesso da imprensa. Durante a audiência, as testemunhas tiveram de ficar trancadas em salas separadas, por ordem do magistrado, para evitar qualquer tipo de contato entre elas. Até mesmo a entrada de comida e bebida era controlada.
Kalil pretendia concluir a fase de instrução e julgamento no mesmo dia, havendo a possibilidade de audiência terminar de madrugada. Só que um acordo entre defesa e acusação, excluindo algumas pessoas do rol de testemunhas, fez com que a sessão fosse encerrada.Os réus ainda serão ouvidos, mas não há data marcada de uma futura audiência. Os interrogatórios da dupla acontecerão de acordo com a disponibilidade de agenda para videoconferência da Penitenciária Federal de Porto Velho. Para o advogado de Élcio Queiroz, cada depoimento deve durar, em média, três horas.
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