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sexta-feira, 24 de julho de 2020

Agendas capturadas - Alon Feuerwerker

Análise Política


Qual é a melhor receita para uma oposição? A que define objetivos simultaneamente ao alcance dela e impossíveis de capturar pelo governismo. Ou, pelo menos, objetivos que se o governismo ou o paragovernismo quiserem assumir pagarão um preço político alto. E a agenda da oposição precisa conectar-se também às metas históricas dela.

A oposição de esquerda ao governo Jair Bolsonaro é: 
1) contra a austeridade econômica, 
2) a favor de programas de complementação de renda, 
3) contra a agenda dita anti-ambiental, 
4) contra o conservadorismo nos costumes e contra o armamentismo e 5) contra o que considera ameaças autoritárias vindas do Executivo.

É fácil notar que após um ano e meio de bolsonarismo a maior parte da agenda da oposição de esquerda ou foi capturada pelo governo ou pelo paragovernismo. Mesmo que este último ande em luta para dar a Bolsonaro o mesmo destino de Dilma Rousseff e Fernando Collor. Ou, pelo menos, para construir uma alternativa competitiva rumo a 2022. 
Alguma hora é possível que o discurso da austeridade volte, mas por enquanto o auxílio emergencial vai vitaminando a simpatia por Bolsonaro nos bolsões resistentes a ele em 2018. E isso tem poder de convencimento no Planalto. E a Covid-19 faz a renda básica brilhar em dez entre dez discursos e artigos de economistas liberais.

No ponto 3, a aversão à política governamental para o meio-ambiente vai sendo não apenas encampada, mas quase comandada pela grande finança. A polarização neste quesito deixou de ser entre direita e esquerda, agora é entre nacionalismo e cosmopolitismo, e este encaixa quase naturalmente uma esquerda cada vez mais divorciada do anti-imperialismo. [mais uma vez a esquerda está errada;
qualquer um que decida pesquisar com seriedade e isenção, vai perceber que o progresso do agronegócio em terras brasileiras não traz nenhum prejuízo às políticas de preservação do meio ambiente.
As florestas permanecem intocadas e só sobre a ótica das ONGs vendidas aos interesses estrangeiros e de alguns governos que destruíram suas próprias florestas e por terem sido, em sua maioria, colonizadores destruíram o meio ambiente de suas ex-colônias veem desmatamento, destruição,nas florestas brasileiras.] 

Idem para o quarto ponto, que congrega talvez a frente antibolsonarista mais ampla, sob clara liderança liberal. Detalhe: aqui o bolsonarismo beneficia-se da boa (medida nas pesquisas) sustentação social da agenda conservadora.

Já no ponto 5 o assunto diluiu depois que o presidente da República conteve o verbo dos apoiadores dele, parou de produzir fatos conflitivos diários e entrou firme nas negociações com os demais poderes constituídos. [Um fato que praticamente está no esquecimento:
O Supremo Tribunal Federal está de férias e tirando a escorregada o ministro Gilmar Mendes no entendimento do que é genocídio, tudo é um convite a um bom entendimento.
O presidente Bolsonaro optou pelo silêncio e o STF silenciou.] Não se sabe se é estratégico ou apenas tático, mas alcançou-se o objetivo de dar uma acalmada.

Na maior parte dos anos de resistência ao regime militar persistiu um consenso vago sobre a redemocratização, mas só a esquerda defendia a anistia ampla geral e irrestrita e que a nova institucionalidade fosse construída por uma assembleia nacional constituinte livre, democrática e soberana. Qual é exatamente a bandeira que hoje só a esquerda defende? O que a distingue do resto?

No universo dito progressista, o debate predileto do momento é sobre a frente ampla versus a frente de esquerda. Na real, a dúvida de fundo é sobre a conveniência ou não de considerar desde agora o apoio a um “centro” em 2022. Mas a falta de clareza programática faz hoje a esquerda nem ter ideia do que reivindicar, de diferente, na eventualidade de ter de apoiar outra alternativa num possível segundo turno contra o bolsonarismo.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

Publicado originalmente na revista Veja 2.697, de 29 de julho de 2020


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