Cora Rónai
Hoje, enquanto questionamos os limites da liberdade de expressão, pessoas são destruídas e mentiras circulam como se fossem verdades.
Na sexta passada, o ministro Alexandre de Moraes intimou o Twitter, o Facebook e o Instagram a suspenderem as contas de 16 bolsonaristas. Todos são figuras problemáticas, do jaez de Luciano Hang, Roberto Jefferson e aquela Sara que se diz Inverno, e duas coisas me vieram à cabeça simultaneamente: “Já não era sem tempo!” e “Censura!”. Dois pensamentos tão antagônicos que o meu juri interno se recolheu mortificado para pensar sobre o assunto.
O mundo mudou de lá para cá. E mudou, sobretudo, depois da popularização das redes sociais. Hoje qualquer um de nós tem vários Speaker’s Corners ao alcance da mão, sem sair do sofá. Essa é beleza da internet, mas esse é também um dos seus maiores perigos. Umberto Eco avisou que ela deu voz a uma legião de idiotas que, antes, discutiam no bar, sem prejudicar a coletividade. Hoje, enquanto questionamos os limites da liberdade de expressão, pessoas são destruídas e mentiras circulam como se fossem verdades.
Millôr que, com certeza, concordaria com Eco, escreveu, em 1958, um poeminha chamado “Bizâncio 1960”:
“Discutem os sábios / Sem certeza. / Os imbecis atacam / De surpresa”.
Quando ordenou a suspensão dos bolsonaristas, o ministro Alexandre de Moraes talvez [sic] tenha avançado o sinal —mas, como sabe qualquer carioca, há sinais nos quais não se deve parar. Qualquer um de nós consegue, com um mínimo de boa vontade intelectual, absolver ou condenar o ministro. Avançar o sinal, a essa altura, por ilegal que seja, talvez seja mais razoável do que parar e correr o risco de ser assaltado e eventualmente morto.
Quem está na direção desse carro que não tem para onde fugir nem é o ministro, é a Democracia.
E será que a palavra é essa, “censura”?
Mesmo quando sabemos que não estamos falando de pessoas físicas bem intencionadas, e sim de um mecanismo nefasto, em que uma conta alimenta a outra e todas têm o objetivo comum de atingir instituições democráticas?
Contexto conta?
Em sua decisão, o ministro observa o possível “uso organizado de ferramentas de informática”, e escreve que visa a “interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.
Já vimos o filme da “subversão da ordem” usado contra dissidentes e desafetos, e sabemos que não acaba bem; mas o filme da desinformação nas redes sociais também é uma calamidade — e está apenas começando.
Cora Rónai - O Globo - Cultura
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